Acórdão nº 028/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelANTÓNIO CALHAU
Data da Resolução15 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I - A…, com sede no Porto, veio interpor recurso contencioso de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de emolumentos registrais, no montante de 10.000.000$00 (€ 48.879,79) praticado pelo Conservador do Registo Comercial do Porto.

Após convolação dos autos em processo de impugnação judicial, foi esta, por sentença do Mmo. Juiz do TAF do Porto, julgada procedente e, em consequência, revogada a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e ordenada a restituição à impugnante da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

Inconformada com tal sentença, dela vem a representante da Fazenda Pública recorrer para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: Dos factos 1.ª A sociedade "A…, interpôs, em 10 de Janeiro de 2003, recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa recebido na Conservatória do Registo Comercial do Porto em 13 de Maio de 2002.

  1. Alicerçou o seu pedido na ilegalidade da liquidação de emolumentos, consubstanciada na desconformidade da Tabela de Emolumentos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas com o disposto no artigo 10.º, alínea c) da Directiva n.º 69/335/CEE, do Conselho, de 17 de Julho, bem como na ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

  2. Os emolumentos objecto do presente litígio, respeitantes ao registo de aumento de capital e alteração do contrato, foram cobrados pela Conservatória do Registo Comercial do Porto, em 31 de Julho de 2001 (Ap. 21), e resultam da aplicação do artigo 3.º, n.ºs 1 e 3 da Tabela de Emolumentos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovada pela Portaria 996/98, de 25 de Novembro.

  3. Por despacho de 27 de Fevereiro de 2003 do Exmo. Director-Geral dos Registos e do Notariado, aquele pedido de revisão oficiosa foi rejeitado por extemporaneidade na sua apresentação.

  4. Pelo que, foi requerida pela ora impugnante, em 24 de Março de 2003, a ampliação do objecto do recurso.

  5. Por decisão de 28 de Novembro de 2003, transitada em julgado, foi o recurso contencioso convolado em impugnação judicial e admitido o pedido de ampliação do objecto do recurso.

  6. A douta sentença recorrida julgou o pedido procedente anulando a liquidação de emolumentos impugnada, com fundamento na violação do citado normativo comunitário e na aplicabilidade do artigo 78.º ao caso sub judice, e condenou a Administração na restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios desde a data do seu pagamento até à emissão da respectiva nota de crédito.

    Dos fundamentos 8.ª Ora, a anulação judicial de um acto de liquidação de emolumentos com fundamento na sua ilegalidade, para além do prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, depende da verificação in casu dos pressupostos de aplicação do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, na parte em que prevê a revisão oficiosa de actos tributários com fundamento em «erro imputável aos serviços».

  7. Para se colocar em causa os actos de liquidação, correm os prazos constantes na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, ou seja, 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário dos emolumentos.

  8. Pois, se o que a autora pretende é impugnar o acto de liquidação, então os únicos meios serão a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dos actos de liquidação. E tais procedimentos deveriam ter sido desencadeados em tempo útil, tendo em consideração o efeito directo da referida Directiva.

  9. De facto, de acordo com o artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a impugnação deveria ter sido apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo de pagamento dos emolumentos em causa.

  10. Por seu turno, o artigo 70.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que "a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo fixado no n.º 1 do artigo 102.º".

  11. Ora o prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT não ofende o direito comunitário. De facto, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias por acórdão proferido em 17 de Junho de 2004, no processo … (… vs Fazenda Pública/Registo Nacional de Pessoas Colectivas), e que se junta como doc. n.º 1, relativamente às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, decidiu que: 14.ª «O princípio da efectividade do direito comunitário não se opõe à fixação de um prazo de caducidade de 90 dias para apresentação do pedido de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito comunitário, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do referido imposto.».

  12. Liminarmente, deverá referir-se que o artigo 78.º da Lei Geral Tributária distingue claramente entre a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou desencadeada por iniciativa do contribuinte ou por iniciativa da Administração Tributária.

  13. O legislador foi coerente a este respeito: o pedido de revisão dos actos tributários por iniciativa do contribuinte previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT não é mais do que uma reclamação graciosa (apesar da LGT a denominar como reclamação administrativa), pelo que o seu prazo é coincidente com o desta, bem como os fundamentos: "(…) qualquer ilegalidade".

  14. Em termos de harmonia sistemática, o procedimento encontra-se bem construído. O contribuinte pode alegar qualquer ilegalidade verificada no procedimento no prazo normal de reclamação. Tal é totalmente conforme com o regime de anulabilidade do acto que impede que a liquidação em causa possa ser impugnada a todo o tempo, mas apenas no prazo previsto no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT: 90 dias a contar da data do pagamento das liquidações impugnadas (cfr., por exemplo, Acórdão do STA de 20 de Março de 2002, referente ao processo n.º 026774).

  15. Esse é um corolário do princípio da segurança jurídica, corporizado na estabilidade dos actos de liquidação dos tributos, pois, a possibilidade de utilização do regime da revisão oficiosa do acto tributário como meio de impugnação indirecta de actos de liquidação já há muito estabilizados tem como consequência a total supressão dos prazos de impugnação e reclamação para todos os actos da Administração praticados em violação de lei, mormente naqueles casos em que o tributo não tenha sido pago, em que a revisão se pode fazer a todo o tempo.

  16. Por seu lado, de acordo com a segunda parte do n.º 1 do artigo 78.ª, a Administração Tributária pode iniciar um procedimento de revisão oficiosa com fundamento em erro imputável ao serviço.

  17. O procedimento de revisão oficiosa de iniciativa da Administração, mesmo entendendo-se que o particular o pode desencadear, não pode englobar juízos de legalidade ou ilegalidade da liquidação, limitando-se a Administração à apreciação e eventual correcção de erros materiais.

  18. De facto, uma análise atenta da natureza jurídica do acto de revisão revela a sua natureza de acto administrativo secundário do tipo rectificativo, enquanto subespécie dos actos modificativos, tendencialmente semelhante ao dispositivo normativo que consta do artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) nos termos do qual englobam-se na rectificação dos actos administrativos «os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos», os quais «podem ser rectificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto».

  19. Qualquer outro entendimento que se possa avançar é desequilibrado em sede de harmonia do sistema e um alargamento dos casos de aplicação do artigo 78.º da LGT às situações de erro de direito não só é totalmente contrário ao espírito da lei, como redundaria em total insegurança jurídica. Note-se que o erro de direito não integra - nem poderia integrar - o elenco das causas de rectificação dos actos administrativos previstas no artigo 148.º do CPA e rectius no artigo 78.º da LGT.

  20. Veja-se os termos restritos com que os n.ºs 3 e 4 do artigo 78.º estabelecem a intervenção do dirigente máximo do serviço na revisão da matéria tributável - erro muito manifesto e de correcção muito mais simplificada e justificada que o erro alegado no caso sub judice. Neste caso, o dirigente máximo pode autorizar no prazo de 3 anos, excepcionalmente, a revisão, com fundamento em injustiça grave e notória. Não satisfeito com os termos restritos previstos no n.º 3 o legislador sentiu a necessidade de restringir ainda mais os termos enquadrantes da decisão definindo que "[…] apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade […]".

  21. O mesmo argumento é aplicável tomando em consideração o n.º 5 do artigo 78.º. Nesse número refere-se que "a revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta (causada por erro material, na esmagadora maioria das situações) pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos".

  22. Assim, e atendendo ao carácter excepcional das referidas situações, não fará sentido qualquer interpretação que advogue uma solução mais atentatória da estabilidade do acto tributário - logo do princípio da segurança jurídica - noutras situações do que nestes casos denominados excepcionais face à injustiça grave e notória manifestamente causada na esfera patrimonial do contribuinte. Tal interpretação, a efectuar-se, seria totalmente desfasada da realidade sistemática do processo tributário.

  23. Qualquer juízo de legalidade efectuado pela Administração Tributária fora dos prazos de reclamação ou impugnação judicial é extemporâneo, logo, insusceptível de ser efectuado.

  24. Defender que o erro de direito está englobado no conceito de «erro imputável aos...

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