Acórdão nº 01166/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução11 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, em representação da associada A…, vem interpor recurso do acórdão, de 19.5.05, do Tribunal Central Administrativo - Sul, 1º Juízo Liquidatário, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação do despacho, de 16.8.02, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, que, negando provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho, de 28.12.01, do Inspector-geral de Saúde, aplicou aquela enfermeira a pena disciplinar de multa, graduada em € 684,44.

Apresentou alegação (fls. 133 a 143, dos autos), com as seguintes conclusões: 1- É merecedor de tutela jurídica o interesse do Arguido de que contra si não seja deduzida acusação - e à face do art.º 57° do Estatuto Disciplinar a "instrução" pode ter um de dois desenlaces: a) Proposta de arquivamento; b) Dedução da acusação.

1.1- Assim, o disposto no n° 8 do art.º 55° do Estatuto Disciplinar (" durante a fase de instrução e até à elaboração do relatório final poderão ser ouvidos, a requerimento do arguido, representantes da associação sindical a que o mesmo pertença) vai em favor do Arguido e em intenção da sua "defesa" - desde logo em não ser alvo de acusação.

1.2- Deste modo, a realização da diligência prevista e permitida pelo n° 8 do art.º 55° do Estatuto Disciplinar sem a presença do mandatário que, apesar de já estar constituído nos autos, não foi notificado para o efeito, contende com as garantias de defesa do Arguido (o Advogado é quem se encontra tecnicamente apetrechado para assegurar a melhor defesa do Arguido na tramitação respectiva) e é gerador de nulidade insuprível do acto submetido a juízo de censura contenciosa. Destarte, 1.3- E salvo o merecido respeito, ao assim não decidir o douto acórdão recorrido não fez bom julgamento (cfr. art.ºs 1° a 16° das presentes alegações).

2 - O bem jurídico protegido no direito administrativo disciplinar é o interesse do serviço em que o funcionário se insere e que pode ser ofendido com a violação dos deveres gerais ou especiais decorrentes das funções exercidas - e, salvo o merecido respeito, aquele "bem jurídico" não foi minimamente beliscado.

2.1- Na verdade: a) Não foi o interesse individual da nossa associada que presidiu à acumulação de funções, mas, outrossim, o interesse público; b) A associada do Requerente prestou efectivamente serviço, em absoluta sintonia com a "praxis" institucionalizada; c) Não há, imputadamente à nossa associada, "notícia de quaisquer prejuízos na assistência prestada aos doentes do ... e do ...".

d) A nossa associada não foi alvo de qualquer reparo ou censura, designadamente quanto à sua assiduidade e/ou pontualidade, por parte dos órgãos competentes de qualquer das pessoas colectivas de direito público.

2.2- Assim, o acto submetido a juízo de censura contenciosa fez errada interpretação e aplicação dos critérios da "razoabilidade", da "proporcionalidade" e da "equidade" (ínsitos no "princípio da justiça": art.º 266°, n° 2, da Constituição, e art.º 6° do Código do Procedimento Administrativo), enfermando do vício de violação de lei de fundo, agravada. Pelo que, 2.3- E salvo o merecido respeito, não tendo o douto acórdão recorrido decidido pela sua invalidade não fez bom julgamento (cfr. art.ºs 17° a 27° das presentes alegações).

3- Na óptica do art.º 3°, n° 1, do Estatuto Disciplinar relevam em processo disciplinar as causas de exclusão da culpa previstas no Código Penal.

3.1- A factualidade consistentemente apurada é recondutível ao "consentimento presumido", que é causa de "exclusão da culpa", e, por isso, excludente da ilicitude (cfr. art.º 39° do Código Penal) - o que determina a invalidade do acto recorrido. Pelo que, 3.2- E salvo o merecido respeito, o douto acórdão recorrido não fez bom julgamento (cfr. artºs 28°a 32° das presentes alegações).

4- Estando parametrizada "às remunerações certas e permanentes ... devidas ao funcionário ou agente à data do despacho condenatório" a pena de multa, por direitas linhas, traduz-se numa verdadeira e própria imposição de "trabalho gratuito" - e, com isso, contende com o constitucional, e fundamental, "direito à retribuição" (cfr. art.º 59°, n° 1, da Constituição).

4.1- Os factos quando positivamente provados com as circunstâncias (de tempo, modo e lugar) que permitam a sua qualificação como ilícito disciplinar justificam punição. Mas, 4.2- A punição não pode traduzir-se em "trabalho gratuito". Sendo certo que, 4.3- A pena de multa não é assimilável às penas de suspensão, inactividade e demissão: aqui não há retribuição mas também não há prestação de trabalho. Assim, 4.4- A "norma de enquadramento" aplicada pelo acto submetido a juízo de censura contenciosa, por contender com a Constituição e os princípios nela consignados, é inconstitucional - o que determina a invalidade do acto punitivo, fulminando-o de nulidade: é que, na nossa construção (aliás não vinculativa para o Tribunal) uma norma inconstitucional é uma "não norma" (se é que não é mesmo uma "anti-norma") e a existência de "base legal constitucionalmente válida" (e só o será à face do art.º 3°, n° 3, da Constituição), é dizer "norma de direito", é "elemento essencial" do acto administrativo (cfr. art.ºs 120° e 133°, n° 1, do Código de Procedimento Administrativo). Destarte, 4.5- E salvo o merecido respeito, ao assim não decidir o douto acórdão recorrido não fez bom julgamento.

Nestes termos, e nos melhores de direito que forem doutamente supridos, DEVE ser revogado o douto acórdão recorrido, com todas as suas legais consequências, como é de direito e da melhor JUSTIÇA! Contra-alegou a Secretária de Estado Adjunta e da Saúde (fls. 165 a 180, dos autos), sustentando que, por não ocorrer nenhum dos erros de julgamento invocados pelo recorrente, deverá negar-se provimento ao recurso.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público manifestou-se (fls. 184, dos autos) igualmente no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.

A sentença recorrida baseou-se na seguinte matéria de facto: 1. Do processo de averiguações instaurado, entre outros à Recorrente, consta: "(…) 25. A Enfermeira A…, exerce funções no Hospital do … em regime de Contrato Administrativo de Provimento desde 4 de Maio de 1998, e solicitou e obteve autorização para desempenhar funções, em regime de acumulação, no Hospital do … (fls. 348 a 351,558 a 567); 25.1-Entretanto, depois de verificada a situação anómala no Hospital do … onde as entradas ao serviço às 23h00 de um dia, conforme assinalado na Folha de Ponto, afinal diziam respeito ao dia anterior (conforme já se viu no caso das enfermeiras …, … e …), apuraram-se as seguintes situações de sobreposição e ou incompatibilidade de horários relativos à Enfermeira A…, a saber: - l e 21 de Fevereiro de 1999 (fls. 346 e 569); - 10,15,25 e 30 de Abril de 1999 (fls. 344 e 571); - 6,11,14,16,21,22 e 29 de Maio de 1999 (fls. 343 e 572); - 5,10 e 21 de Junho de 1999 (fls. 342 e 573); - 28 de Julho de 1999 (fls. 341 e 574); - Conciliou os horários nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1998 e em Janeiro e Março de 1999 (fls. 17 e 192,36 e 193, 52 e 194,347 e 568,345 e 570).

25.2- Saliente-se que esta enfermeira confessou prontamente que não cumpriu o seu horário de trabalho, tanto no Hospital do … como no Hospital do …, ao contrário da maioria das suas colegas que apenas confessaram não cumprir os seus horários de trabalho no Hospital do …, o que não pode, face aos elementos obtidos nos autos, ser inteiramente rigoroso e verdadeiro (fls. 705 e 706); 25.3- Ademais, segundo afirma a própria enfermeira «alguns dos seus colegas que acumulam funções faziam o mesmo» (fls. 706).

25.4- Também em relação a ambas as instituições, a Enfermeira A… declara que as suas superiores hierárquicas - Enfermeiras-Chefes … e … «sabiam que saía mais cedo ou chegava mais tarde, consoante os casos, mas nunca disseram nada» (fls. 705 e 706).

V -CONCLUSÕESA prova junta aos autos, os factos apurados e as diligências complementares permitem indiciar que: 35. Os enfermeiros que desempenharam funções, em regime de acumulação, nos Hospitais do … e do …, no período compreendido entre Outubro de 1998 e Julho de 1999, inclusive, prestaram falsas declarações ao mencionarem nas suas Folhas de Ponto daqueles dois hospitais, em diversas ocasiões, que estariam a exercer funções em horários manifestamente incompatíveis e ou sobrepostos, 35.1- Quando, em razão do espaço e tempo, era manifestamente impossível ocorrer esse facto; 35.2- E, por conseguinte, configurar-se a violação dos deveres gerais de isenção, zelo, lealdade, assiduidade e pontualidade, previstos no n° 4, alíneas a), b), d), g) e h), e nº 85, 6,8, 10 e 11, do art. 3 ° do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n° 24/84, de 16 de Janeiro (Estatuto Disciplinar), imputável aos referidos enfermeiros; 35.3- Comportamento esse que revela e indicia procedimentos dolosos que atentam gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente e da função que desempenham, cominada, nos termos do art. 25°, nº1 do Estatuto Disciplinar, com a pena de INACTIVIDADE.

VI-PROPOSTASVistos e apreciados os autos, e atentas as "Conclusões" que antecedem, propõe-se o seguinte: 39. E que, nos termos do art. 88°, n° 3, al. c) do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n° 24/84, de 16 de Janeiro, seja instaurado processo disciplinar contra os seguintes funcionários e agentes (..) O Inspector (assinatura) (..)" - fls. 2 do PA apenso.

2. Por carta registada com A/R assinado e datado com carimbo dos CTT/… de 18.08.00, a Recorrente foi notificada pelo Inspector Geral como segue: "(..) Assunto - Notificação de instauração de processo disciplinar em que é arguida Notifico V .Exa. que, por...

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