Acórdão nº 01222/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Março de 2006
Magistrado Responsável | ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 14 de Março de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em subsecção, na secção do contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
1.1.
O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, em representação e defesa da sua associada ..., interpôs, no Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso do despacho de 16.08.02 do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, que lhe aplicou a pena disciplinar de multa graduada em 399,04 Euros.
1.2.
Pelo acórdão de fls. 97-102, aquele Tribunal negou provimento ao recurso.
1.3.
Inconformado, o recorrente vem impugnar o aresto, concluindo nas respectivas alegações: "1 - É merecedor de tutela jurídica o interesse do Arguido de que contra si não seja deduzida acusação - e à face do art° 57° do Estatuto Disciplinar a "instrução" pode ter um de dois desenlaces: a) Proposta de arquivamento; b) Dedução da acusação.
1.1- Assim, o disposto no n° 8 do art° 55° do Estatuto Disciplinar ("durante a fase de instrução e até à elaboração do relatório final poderão ser ouvidos, a requerimento do arguido, representantes da associação sindical a que o mesmo pertença) vai em favor do Arguido e em intenção da sua "defesa" - desde logo em não ser alvo de acusação.
1.2- Deste modo, a realização da diligência prevista e permitida pelo n° 8 do art° 55º do Estatuto Disciplinar sem a presença do mandatário que, apesar de já estar constituído nos autos, não foi notificado para o efeito, contende com as garantias de defesa do Arguido (o Advogado é quem se encontra tecnicamente apetrechado para assegurar a melhor defesa do Arguido na tramitação respectiva) e é gerador de nulidade insuprível do acto submetido a juízo de censura contenciosa. Destarte, 1.3- E salvo o merecido respeito, ao assim não decidir o douto acórdão recorrido não fez bom julgamento.
2 - O bem jurídico protegido no direito administrativo disciplinar é o interesse do serviço em que o funcionário se insere e que pode ser ofendido com a violação dos deveres gerais ou especiais decorrentes das funções exercidas - e, salvo o merecido respeito, aquele "bem jurídico" não foi minimamente beliscado.
2.1 - Na verdade: a) Não foi o interesse individual da nossa associada que presidiu à acumulação de funções, mas, outrossim, o interesse público; b) A associada do Requerente prestou efectivamente serviço, em absoluta sintonia com a "praxis" institucionalizada, e amparada esta em imposição legal (art° 83°, e), do "Estatuto da Ordem dos Enfermeiros" e art°s 2°, n° 1, e °, n° 1, do Decreto-Lei n° 161/96, de 4 de Setembro); e) Não há, imputadamente à nossa associada, "notícia de quaisquer prejuízos na assistência prestada aos doentes do HB e do HM".
-
A nossa associada não foi alvo de qualquer reparo ou censura, designadamente quanto à sua assiduidade e/ou pontualidade, por parte dos órgãos competentes de qualquer das pessoas colectivas de direito público.
2.2- Assim, o acto submetido a juízo de censura contenciosa fez errada interpretação e aplicação dos critérios da "razoabilidade", da "proporcionalidade" e da "equidade" (ínsitos no "princípio da justiça": art° 266°, n° 2, da Constituição, e art° 6° do Código do Procedimento Administrativo), enfermando do vício de violação de lei de fundo, agravada. Pelo que, 2.3- E salvo o merecido respeito, não tendo o douto acórdão recorrido decidido pela sua invalidade não fez bom julgamento (cfr. art°s 17º a 29° das presentes alegações).
3 - Na óptica do art° 3°, n° 1, do Estatuto Disciplinar relevam em processo disciplinar as causas de exclusão da culpa previstas no Código Penal.
3.1- A factualidade consistentemente apurada é, a ver do Recorrente e salvo o merecido respeito recondutível ao "consentimento presumido", que é causa de "exclusão da culpa", e, por isso, excludente da ilicitude (cfr. art° 39º do Código Penal) - o que determina a invalidade do acto recorrido. Pelo que, 3.2- E salvo o merecido respeito, o douto acórdão recorrido não fez bom julgamento (cfr. art°s 30º a 34° das presentes alegações).
4 - Estando parametrizada "às remunerações certas e permanentes... devidas ao funcionário ou agente à data do despacho condenatório" a pena de multa, por direitas linhas, traduz-se numa verdadeira e própria imposição de "trabalho gratuito" - e, com isso, contende com o constitucional, e fundamental, "direito à retribuição" (cfr. art° 59º, nº 1, da Constituição). É claro que, 4.1 - Os factos quando positivamente provados com as circunstâncias (de tempo, modo e lugar) que permitam a sua qualificação como ilícito disciplinar justificam punição. Mas, 4.2- A punição não pode traduzir-se em "trabalho gratuito". Sendo certo que, 4.3- A pena de multa não é assimilável às penas de suspensão, inactividade e demissão: aqui não há retribuição mas também não há prestação de trabalho. Assim, 4.4- A "norma de enquadramento" aplicada pelo acto submetido a juízo de censura contenciosa, por contender com a Constituição e os princípios nela consignados, é inconstitucional o que determina a invalidade do acto punitivo, fulminando-o de nulidade: é que, na nossa construção (aliás não vinculativa para o Tribunal) uma norma inconstitucional é uma "não norma" (se é que não é mesmo uma "anti-norma") e a existência de "base legal constitucionalmente válida" (e só o será à face do art° 3º n° 3, da Constituição), é dizer "norma de direito", é "elemento essencial" do acto administrativo (cfr. art°s 120º e 133°, n° 1, do Código de Procedimento Administrativo). Destarte, 4.5- E salvo o merecido respeito, ao assim não decidir o douto acórdão recorrido não fez bom julgamento".
1.4.
O Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde contra-alegou, concluindo: "A. O facto do advogado constituído pelo recorrente não ter sido notificado para assistir à inquirição dos representantes da associação sindical não constitui falta de audiência da arguida, nem nulidade insuprível, nem tão pouco ofende as garantias de defesa consagradas na Constituição; B. Dada a natureza secreta do processo disciplinar até à fase de acusação (art.° 37.°, n.° 1 do E.D.), ao advogado constituído pelo arguido apenas é permitido assistir ao interrogatório do arguido, tal como decorre do n.° 6 do art.° 37. ° do E.D; C. Pelo que, nesta fase processual não é admitida a presença do advogado constituído...
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