Acórdão nº 0322/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelANTÓNIO PIMPÃO
Data da Resolução22 de Junho de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: * 1. O RFP recorre da sentença que, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, julgou procedente a impugnação do acto tributário da liquidação de emolumentos, anulou a liquidação concluindo ter a impugnante direito a juros indemnizatórios.

Alegou formulando o seguinte quadro conclusivo: 1- A sociedade "A...,S.A." interpôs, em 25 de Março de 2003, recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa recebido na Conservatória do Registo Comercial do Porto em 11 de Setembro de 2002.

2- Alicerçou o seu pedido na ilegalidade da liquidação de emolumentos, consubstanciada na desconformidade da Tabela de Emolumentos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, com o disposto no artigo 10.º, alínea c) da Directiva nº 69/335/CEE, do Conselho, de 17 de Julho, bem como na ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

3- Os emolumentos objecto do presente litígio, respeitantes à inscrição do reforço de capital no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, foram cobrados pela Conservatória do Registo Comercial do Porto (2ª Secção), em 3 de Abril de 2001 (Ap. 6), e resultam da aplicação do artigo 3º, nºs 1 e 3 da Tabela de Emolumentos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovada pela Portaria 996/98, de 25 de Novembro, com a redução prevista no artigo 59º da Lei 30-C/2000, de 29 de Dezembro.

4- Por despacho do Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 1, datado de 22 de Abril de 2004, foi o recurso contencioso convolado em impugnação judicial.

5- A sentença recorrida julgou o pedido procedente, anulando a liquidação de emolumentos impugnada, com fundamento na violação do citado normativo comunitário, e condenou a Administração na restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios desde a data do seu pagamento até integral restituição.

6- Ora, a anulação judicial de um acto de liquidação de emolumentos com fundamento na sua ilegalidade, para além do prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 102º do C.P.P.T., depende da verificação in casu dos pressupostos de aplicação do artigo 78º nº 1 da LGT, na parte em que prevê a revisão oficiosa de actos tributários com fundamento em «erro imputável aos serviços».

7- Para se colocar em causa os actos de liquidação, correm os prazos constantes na alínea a) do nº 1 do artigo 102º do C.P.P.T., ou seja, 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário dos emolumentos.

8- Pois, se o que a autora pretende é impugnar o acto de liquidação, então os únicos meios serão a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dos actos de liquidação. E tais procedimentos deveriam ter sido desencadeados em tempo útil, tendo em consideração o efeito directo da referida Directiva.

9- De facto, de acordo com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a impugnação deveria ter sido apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo de pagamento dos emolumentos em causa.

10- Por seu turno o artigo 70º do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que "a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo fixado no nº 1 do artigo 102º ".

11- Ora o prazo de 90 dias previsto no nº 1 do artigo 102º do CPPT não ofende o direito comunitário. De facto, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias por acórdão proferido em 17 de Junho de 2004, no processo C-30/02 (... vs Fazenda Pública/Registo Nacional de Pessoas Colectivas), e que se junta como doc. Nº 2, relativamente às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, decidiu que: 12- «o princípio da efectividade do direito comunitário não se opõe à fixação de um prazo de caducidade de 90 dias para apresentação do pedido de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito comunitário, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do referido imposto.» 13- Liminarmente, deverá referir-se que o artigo 78º da Lei Geral Tributária, distingue claramente entre a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou desencadeada por iniciativa do contribuinte ou por iniciativa da Administração Tributária.

14- O legislador foi coerente a este respeito: o pedido de revisão dos actos tributários por iniciativa do contribuinte previsto na primeira parte do nº 1 do artigo 78º da LGT não é mais do que uma reclamação graciosa (apesar da LGT a denominar como reclamação administrativa), pelo que o seu prazo é coincidente com o desta, bem como os fundamentos: "(...) qualquer ilegalidade".

15- Em termos de harmonia sistemática, o procedimento encontra-se bem construído. O contribuinte pode alegar qualquer ilegalidade verificada no procedimento no prazo normal de reclamação. Tal é totalmente conforme com o regime de anulabilidade do acto, que impede que a liquidação em causa possa ser impugnada a todo o tempo, mas apenas no prazo previsto no nº 1 do artigo 102º do CPPT: 90 dias a contar da data do pagamento das liquidações impugnadas (cfr., por exemplo, Acórdão do STA de 20 de Março de 2002, referente ao processo nº 026774).

16- Esse é um corolário do princípio da segurança jurídica, corporizado na estabilidade dos actos de liquidação de tributos, pois, a possibilidade de utilização do regime da revisão oficiosa do acto tributário como meio de impugnação indirecta de actos de liquidação já há muito estabilizados tem como consequência a total supressão dos prazos de impugnação e reclamação para todos os actos da Administração praticados em violação de lei, mormente naqueles casos em que o tributo não tenha sido pago, em que a revisão se pode fazer a todo o tempo.

17- Por seu lado, de acordo com a segunda parte do nº 1 do artigo 78º, a Administração Tributária, pode iniciar um procedimento de revisão oficiosa com fundamento em erro imputável ao serviço.

18- O procedimento de revisão oficiosa de iniciativa da administração, mesmo entendendo-se que o particular o pode desencadear, não pode englobar juízos de legalidade ou ilegalidade da liquidação, limitando-se a Administração à apreciação e eventual correcção de erros materiais.

19- De facto, uma análise atenta da natureza jurídica do acto de revisão revela a sua natureza de acto administrativo secundário do tipo rectificativo, enquanto subespécie dos actos modificativos, tendencialmente semelhante ao dispositivo normativo que consta do artigo 148º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) nos termos do qual englobam-se na rectificação dos actos administrativos «os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos», os quais «podem ser rectificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto».

20- Qualquer outro entendimento que se possa avançar é desequilibrado em sede de harmonia do sistema e um alargamento dos casos de aplicação do artigo 78º da L.G.T. às situações de erro de direito não só é totalmente contrário ao espírito da lei, como redundaria em total insegurança jurídica. Note-se que o erro de direito não integra - nem poderia integrar - o elenco das causas de rectificação dos actos administrativos previstas no artigo 148º do CPA e rectius no artigo 78º da LGT.

21- Veja-se os termos restritos com que os nºs 3 e 4 do artigo 78º estabelecem a intervenção do dirigente máximo do serviço na revisão da matéria tributável - erro muito manifesto e de correcção muito mais simplificada e justificada, que o erro alegado no caso sub judice. Neste caso, o dirigente máximo pode autorizar no prazo de 3 anos, excepcionalmente, a revisão, com fundamento em injustiça grave e notória. Não satisfeito com os termos restritos previstos no nº 3 o legislador sentiu a necessidade de restringir ainda mais os termos enquadrantes da decisão definindo que" [...J apenas se considera notória, a injustiça ostensiva e inequívoca, e grave, a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade [...] ".

22- o mesmo argumento é aplicável tomando em consideração o nº 5 do artigo 78.°. Nesse número refere-se que "a revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta (causada por erro material, na esmagadora maioria das situações) pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos".

23- Assim, e atendendo ao carácter excepcional das referidas situações, não fará sentido qualquer interpretação que advogue uma solução mais atentatória da estabilidade do acto tributário - logo do princípio da segurança jurídica - noutras situações do que nestes casos denominados excepcionais face à injustiça grave e notória manifestamente causada na esfera patrimonial do contribuinte. Tal interpretação, a efectuar-se, seria totalmente desfasada da realidade sistemática do processo tributário.

24- Qualquer juízo de legalidade efectuado pela Administração Tributária fora dos prazos de reclamação ou impugnação judicial é extemporâneo, logo, insusceptível de ser...

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