Acórdão nº 01223/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A…., com sede na Avenida … - Amadora, intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação da deliberação de 19 de Dezembro de 2001, da Câmara Municipal da Amadora pela qual foi ordenada a realização de obras no imóvel do qual a recorrente é proprietária, sito na Avenida … - Amadora.

Por sentença, de 7 de Janeiro de 2004, o Tribunal Administrativo do Círculo julgou procedente o vício de falta de audiência prévia da interessada e concedeu provimento ao recurso contencioso.

Inconformada, a Câmara Municipal da Amadora interpõe recurso dessa decisão para este Supremo Tribunal apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1. A douta decisão recorrida não contém quaisquer fundamentos de facto. Enuncia uma série de normas jurídicas que impõem à administração o dever de audiência dos interessados, mas não especifica ou concretiza qual a aplicação destas normas no caso concreto; II. A fundamentação da douta decisão recorrida, é senão inexistente, pelo menos obscura e contraditória, importando a nulidade da mesma, por força do disposto no art. 668°, n°1, al. b) do Código de Processo Civil; III. Por força do disposto do n°1, alínea a) do Art° 103°, do CPA, o órgão instrutor está dispensado de audiência prévia quando a decisão seja urgente; IV. No caso vertente, e contrariamente ao decidido, verificam-se as condições de dispensa da audiência prévia dos interessados, nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 103° do CPA.

V. A douta sentença recorrida não valorou minimamente o facto de se estar perante uma situação de urgência, em que o que se pretendia acautelar eram as condições e segurança e salubridade do edifício; VI. A urgência na execução nas obras de reparação e manutenção do edifício resulta com bastante clareza do relatório elaborado pelos serviços, o qual descreve de forma bastante detalhada a situação de degradação em que se encontrava o imóvel em questão, impondo-se consequentemente uma intervenção urgente; VII. No caso vertente, o facto de a Câmara Municipal ter sido chamada a actuar, justifica por si só a urgência na execução dos trabalhos e consequentemente a dispensa da audiência prévia dos interessados; VIII. À Câmara Municipal, apenas cumprirá actuar, quando a inércia dos proprietários a isso obriguem. Razões de interesse público se encontram subjacentes a esta actuação; IX. Do preceituado do n°2 do artigo 103° do CPA, será ainda de dispensar a audiência prévia dos interessados sempre que a mesma se revele inútil, nomeadamente quando nada de novo podem trazer ao procedimento; X. O art. 103°, n° 2, alínea b) do CPA, permite delimitar negativamente o princípio da participação nos termos seguintes: há lugar à audiência dos interessados nos termos dos arts. 100° e ss, sempre que não seja de excluir, a sua utilidade para a formação das decisões administrativas. A utilidade afere-se pela possibilidade de a audição dos interessados contribuir com mais informação para a decisão final; XI. No caso vertente nenhuma utilidade teria a audição dos interessados, já que em nada contribuiria para a ponderação da decisão final. Outra decisão não poderia ser proferida pela entidade recorrida que não fosse a que determinou a execução de obras no imóvel, face à situação em que o mesmo se encontrava, bem como à inércia revelada pelo proprietário; XII. Por fim importará referir, que tratando-se da preterição de uma formalidade, que não põe em causa a legalidade interna do acto, e sendo a mesma inútil no caso vertente, não tem a mesma efeitos invalidantes, por se ter verificado a "degradação" da formalidade essencial em não essencial; XII. Ao decidir pela anulação da deliberação impugnada, a douta sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente o preceituado nos artigos 100° e 103° do CPA.

1.2. A impugnante contenciosa contra-alegou, concluindo: 1. Com o devido respeito, a Recorrente não tem razão alguma, nem quanto à alegada nulidade da douta sentença, por falta de fundamentação de facto, nem quanto ao alegado erro de julgamento.

  1. A fundamentação da douta sentença é composta por uma primeira parte, relativa à matéria julgada como provada, e uma segunda parte, relativa à apreciação jurídica da causa.

  2. A matéria julgada como provada contém todos os factos relevantes trazidos ao processo pelos intervenientes processuais.

  3. Não foi alegado pela ora Recorrente qualquer facto que pudesse servir para a demonstração da existência de urgência, razão pela qual o Tribunal a quo não julgou provado qualquer facto susceptível de contribuir para essa demonstração.

  4. Ainda assim, o Tribunal a quo expôs longamente, no âmbito da análise jurídica dos factos, as razões pelas quais não resulta dos autos a existência de urgência na execução das obras e, ainda, as razões pelas quais, mesmo que houvesse urgência na decisão, não deixaria de dever ser anulado o acto cm apreço.

  5. Fá-lo a partir do terceiro parágrafo da pág. 10 da douta sentença recorrida, ao longo de quatro páginas.

  6. O Tribunal a quo expôs de forma bem clara e suficiente (mesmo para além do exigível) as razões pelas quais não assiste razão à ora Recorrente, pelo que a fundamentação da douta sentença recorrida não é, de maneira alguma, obscura, contraditória ou mesmo inexistente.

  7. O Tribunal a quo interpretou e aplicou correctamente os artigos 100° e 103° do Código do Procedimento Administrativo, ao invés do que alega o ora Recorrente.

  8. A ora Recorrente não tem razão alguma quando alega, no segundo parágrafo do ponto 3 das suas alegações de recurso, que a urgência não tem de ser fundamentada: estando em causa um alegado motivo de dispensa de um acto processual com grande relevância no sistema de protecção dos particulares face à Administração Pública, tem não só a urgência de ser invocada como ainda devidamente fundamentada, designadamente de modo tendente à demonstração de que ela é de tal modo que aniquila a possibilidade de realizar no prazo mínimo da lei - nada disto foi feito.

  9. E é certo que no presente caso não estão de modo algum preenchidos os pressupostos da não realização da audiência dos interessados, como pretende a ora Recorrente.

  10. A alegada existência de urgência é em absoluto contraditória com o exposto tanto no auto de vistoria de 10 de Abril de 200l como no parecer de 4 de Maio de 200l, onde se escreve que qualquer intervenção deverá ser precedida de um estudo elaborado por equipa multidisciplinar devidamente habilitada para o efeito.

  11. Os próprios signatários do auto de vistoria e do parecer não consideraram a realização das obras efectivamente urgentes, pois de outro modo não teriam sugerido a prévia elaboração de um estudo multidisciplinar.

  12. Resulta da experiência comum que a elaboração de um tal estudo implica um maior dispêndio de tempo do que aquele que se despenderia a notificar a Recorrida para se pronunciar em sede de audiência dos interessados.

  13. Além de que a suposta urgência na realização das obras é ainda manifestamente contraditória com a própria actuação da ora Recorrente, uma vez que o parecer é datado de 4 de Maio de 2001 e a deliberação camarária, que ordena a execução de obras, é datada apenas de 19 de Dezembro de 2001, tendo a notificação respectiva ocorrido só em 25 de Fevereiro de 2002.

  14. Se a ora recorrente tivesse considerado que a...

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