Acórdão nº 0248/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Abril de 2004

Magistrado ResponsávelEDMUNDO MOSCOSO
Data da Resolução22 de Abril de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1 - O MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, junto do TAC de Coimbra, recorre para este STA da sentença daquele tribunal (fls. 730/744) que julgou improcedente a "acção" que dirigira contra A..., B..., C..., ..., e ... pedindo a "perda de mandato" dos mesmos - o 1º enquanto Presidente da Câmara Municipal de Rio Maior e os restantes enquanto Vereadores da mesma Câmara Municipal, com o fundamento de haverem votado favoravelmente deliberações onde eram partes interessadas.

Em sede de alegações, formulou as seguintes "CONCLUSÕES": I - Os RR. apresentaram queixa crime contra dois outros Vereadores da autarquia, imputando-lhe a prática dos crimes dos artº 180°, 183° e 184° do C. Penal, e 25° e 26° nº 2 al. a) do DL 85-C/75.

II - As queixas deram origem ao processo nº 5/99.2TARMR da comarca de Rio Maior, onde eram também arguidos os RR. A... e B..., por queixas apresentadas por estes Vereadores.

III - O processo seguiu para julgamento, mas na audiência, em 9.11.01 todos desistiram das queixas, o que foi homologado por despacho com a mesma data.

IV - Nas reuniões da Câmara Municipal de 27.11.2000 e 20.12.01 com o voto favorável dos RR., foi aprovado o pagamento dos honorários dos Advogados por eles constituídos naquele processo, nos montantes de 3.500.000$00 e 3.593.850$00, além da restituição da Taxa de justiça de 14.000$00 paga pelos RR ..., B... e ... .

V - Nos termos do artº 44º nº 1 al. a) do Código do Procedimento Administrativo, nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo, ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, quando nele tenham interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa.

VI - E nos termos do art° 8° n° 2 da Lei 27/96, de 1/8, incorrem em perda de mandato, os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.

VII - Os RR. ao intervir e votar favoravelmente as deliberações tomadas nas reuniões de 27.11.2000 e 20.12.2001, faziam-no em procedimento onde eram partes interessadas, uma vez que se ia decidir se devia ser o Município a suportar o pagamento dos honorários a advogados por eles constituídos.

VIII - Por outro lado, estavam no exercício das suas funções e tinham em vista a obtenção de uma vantagem patrimonial, para cada um deles, pois por força do deliberado deixaram de suportar o pagamento dos honorários aos advogados que tinham constituído.

IX - E mesmo no que toca à deliberação tomada na reunião de 27.11.2000, onde estava em causa apenas o pagamento dos honorários ao advogado dos RR. A... e ..., o certo é que os restantes RR. tinham interesse em questão semelhante decidida como se viu na deliberação de 20.12.2001, pelo que também estes últimos estavam abrangidos pelo impedimento previsto na al. c) do nº 1 do artº 44º do CPA.

X - Na verdade, as despesas do processo nº 5/99.2TARMR não se encontravam abrangidas pela previsão do artº 21º da Lei 29/87, pois trata-se de processo que não teve como causa as funções que os RR. desempenhavam como Presidente e Vereadores da Câmara Municipal de Rio Maior, mas sim num artigo publicado num jornal, questionando a sua actividade política, e que estes consideraram injurioso.

XI - Assim, a douta sentença ao considerar que as queixas apresentadas pelos RR. têm subjacente o exercício das suas funções na Câmara Municipal, viola o disposto nos artº 5º n° 1 al. q) e 21º da Lei 29/87; XII - Mas mesmo que assim não se entenda, tem de haver um limite máximo para os honorários a suportar pela autarquia, ao abrigo do disposto no art° 21º da Lei 29/87, nomeadamente neste caso em que estava em discussão uma questão simples.

XIII - Ou seja, a decisão tomada ao abrigo desta norma, não é totalmente vinculada, podendo outros autarcas decidir que o Município não devia suportar o pagamento de honorários no montante de 7.093.850$00.

XIV - Ao não conhecer, desta questão, a douta sentença incorre no vicio de omissão de pronúncia, o que importa a sua nulidade, nos termos do artº 668° n° 1 al. d) do C. P. Civil.

XV - Por outro lado, os RR. A... e B... eram também RR. no processo n° 5/99.2TARMR, por factos que nada tinham a ver com o exercício das suas funções, uma vez que a queixa teve origem em declarações prestadas à imprensa.

XVI - Por isso, os honorários respeitantes à defesa destes RR. não podiam ser suportados pela autarquia ao abrigo do disposto no artº 21º da Lei 29/87.

XVII - Não se pronunciando sobre esta questão, a douta sentença volta a incorrer no vício da omissão de pronúncia (artº 668° nº 1/d do C. P. Civil.

XVIII - Alem disso, na altura em que foi tomada a deliberação de 27.11.2000, o processo nº 5/99.1TARMR ainda não estava findo.

XIX - Sendo assim, não podia ser deferido o pedido de pagamento de provisão para despesas de honorários.

XX - Nesta altura este pagamento teria de ser suportado pelos RR (cfr. Ac. STA de 21.05.96, Rec. 38.205).

XXI - Também aqui a douta sentença incorre no vício de omissão de pronúncia, pois não conheceu desta questão (art° 668° nº 1/d do C. P. Civil).

XXII - É assim flagrante o interesse dos RR. quanto ao decidido nas reuniões de 27.11.2000 e 20.12.2001, pois desta forma a autarquia suportou o pagamento de despesas judiciais que eram da sua responsabilidade.

XXIII - Ao considerar que se tratava de uma dívida municipal e, que por isso, não se verificava qualquer impedimento, a douta sentença violou o disposto no artº 44° nº 1 al. a) e c) do C.P.A .

XXIV - Por outro lado, os RR, ao deliberarem sobre o montante dos honorários a pagar aos seus Advogados, retiraram do decidido uma vantagem patrimonial ilícita, pois transferiram para a autarquia o pagamento de despesas judiciais, pelas quais só eles eram responsáveis.

XXV - Assim, a douta sentença, ao considerar que sendo a dívida municipal, os RR. não visaram a obtenção de vantagem patrimonial ilícita, viola o disposto no artº 8º nº 2 da Lei 27/96.

XXVI - A norma do art° 21° da Lei 29/87 da forma como foi interpretada e aplicada pela douta sentença, é inconstitucional por violação dos princípios de igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, consagrado nos art°s. 13° e 266º n° 2 da Constituição, inconstitucionalidade que aqui se invoca.

XXVII - Pelo exposto, a douta sentença ao julgar a acção improcedente por não provada, viola o disposto nos art°. 8° nº 2 da Lei 27/96; 44° nº 1 als. a) e c) do CPA; 5º/1/q) e 21° da Lei nº 29/96; 13º e 266º n° 2 da Constituição e incorre na nulidade prevista no artº 668º nº 1 al. d) do C. P. Civil.

XXVIII - Deve por isso ser revogada e substituída por outra que, julgando a acção procedente declare a perda do mandato para que os RR. foram eleitos nas eleições autárquicas de 16.12.2001.

2 - Contra-alegaram os recorridos A...

e B... (fls. 774/796 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). Nas conclusões que formularam, sustentam em síntese que: O envolvimento dos requeridos no processo em causa, quer enquanto ofendidos, quer enquanto arguidos, resultou apenas e tão só das suas qualidades de Presidente da Câmara e Vereadores e não em resultado de qualquer iniciativa por eles tomada enquanto cidadãos, ou por qualquer outro motivo da sua vida particular, pelo que a sua intervenção no processo em causa tem subjacente o exercício daquelas funções, estando claramente abrangida no âmbito do preceituado no artº 21º da Lei 29/87; E, para que possa ter aplicabilidade o disposto no artº 8º nº 2 da Lei 27/96, é necessária a verificação de dois requisitos cumulativos, a saber: (i) que exista impedimento legal a intervir no procedimento administrativo; (ii) que essa intervenção ilegal vise a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.

Apenas a vantagem patrimonial ilícita, que é parte integrante do "tipo" de actuação prevista no nº 2 do artº 8º, à semelhança do que o "benefício ilegítimo" constitui elemento essencial do crime de abuso de poder previsto no artº 26º/1 da Lei 34/47 de 16 de Julho, justifica tal medida.

Ora os requeridos não actuaram com intenção de obterem uma vantagem patrimonial, já que apenas visaram...

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