Acórdão nº 01613/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução30 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1.

A..., sociedade comercial por quotas com sede na rua ..., nº ..., em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o nº 61670, intentou acção contra a Câmara Municipal de Loures, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 141.331$00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa de 15% ao ano, desde 28 de Abril de 1994 até integral pagamento, referente ao custo da reparação dum veiculo de sua propriedade, em consequência de acidente que imputa à não conveniente sinalização pela ré de um monte de alcatrão que se encontrava na via por causa de obras de pavimentação.

1.2.

Por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 11 de Março de 2002, foi a acção julgada procedente, por provada, e condenada a ré a pagar à autora a quantia de 704,957 €, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde 28 de Abril de 1994.

1.3.

Inconformada, a ré interpôs o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formula as seguintes conclusões: "1ª Considerou o Mmo. Juiz «a quo» que o acidente «sub judice» teria ocorrido cerca das 20h15 do dia 19/3/94 e que , portanto, estaríamos perante uma situação de noite, o que era facto notório e, por isso, a sinalização da obra teria necessariamente, que incluir adequados meios de luminescência, permitindo que a presença do obstáculo fosse conhecida com antecedência pelos condutores que circulassem na via onde se posicionava, permitindo-lhes reagir com antecedência à sua presença, sendo certo que não bastaria a instalação de reflectores, que não suprem a eficácia da sinalização por luzes, de preferência vermelhas, em número suficiente e bem visíveis nos dois sentidos de trânsito.

  1. Ora, a douta sentença recorrida parte do princípio de que em 19/3/94, cerca das 20h15 estaríamos perante a noite tal como acontece actualmente, isto é, a hora seria absolutamente igual, quer no ano em que ocorreu o acidente, quer no ano em que se realizou o julgamento, que, ainda, no ano em que foi proferida a douta sentença. Nada de mais falso.

  2. Efectivamente, pelo D.L. 17/96 de 8/3, foi alterada a hora legal, determinando o seu artº 3º que nesse ano, às 00h02, do dia 27 de Outubro, a hora legal seria atrasada de 60 minutos, sendo revogado pelo seu artº 4º, o D.L. 44-B/86, de 7/3.

  3. Por seu turno, o D.L. 194/92, de 2/7, no seu artº 2º, determina que "no período de transição que decorre no ano de 1992, não se efectua a mudança da hora às 00h01 UTC do último domingo de Setembro" (junta três documentos).

  4. Assim, a partir do ano de 1996, cerca das 20h15, do dia 19/3 é notória e publicamente noite, mas entre 1992 e 1996, e, designadamente, no dia 19/3/94, cerca das 20h15 é, ainda dia, embora fim de dia.

  5. Deste modo, o Mmo. Juiz "a quo" ao decidir como decidiu, partiu de uma premissa falsa ao considerar que era pública e notoriamente noite em 19/3/94, cerca das 20h15, pois atendendo à mudança da hora, entretanto, ocorrida, não estamos, «in casu» perante facto público e notório, já que não era de noite, em 19/3/94, cerca das 20h15, pelo que a douta sentença recorrida violou o artº 514º, do C.P.Civil.

  6. Sendo assim, a sinalização que se encontrava a sinalizar o obstáculo "sub judice" era manifestamente adequada.

  7. Aliás, não é por acaso que a, ora, recorrida, nos seus articulados, nomeadamente, na petição inicial não faz qualquer referência a que no momento do acidente fosse noite, apenas o tendo feito, falsamente, em sede de alegações de direito, já no decorrer do ano 2000.

  8. Acresce que, no decorrer do próprio julgamento também as testemunhas, nos seus depoimentos, nunca referiram que no momento em que ocorreu o acidente fosse noite, o que é bem significativo e relevante para a decisão «sub judice».

  9. Deste modo, a ora, recorrente, C. M. Loures, não estaria «in casu» obrigada a ter qualquer sinalização no sentido preconizado pela douta sentença recorrida, pois não ocorreu a premissa de que esta partiu, nem o nexo de causalidade que estabeleceu.

  10. Assim, a obra em questão encontrava-se devidamente sinalizada, nos termos do Artº 3º, nº 3, do Código da Estrada, pelo que, ao decidir em sentido contrário a douta sentença recorrida violou esta disposição legal.

  11. Na douta sentença recorrida e na resposta aos quesitos foi considerado que a segunda testemunha da A., que conduzia o veiculo acidentado referiu que o embate com o monte de alcatrão já se tinha dado quando o outro veiculo (em sentido contrário) passou, não se tendo, pois, dado o embate no momento em que se cruzavam.

  12. Ora considerou o Mmo. Juiz "a quo" que perante a contradição nesta matéria entre a especificação e o questionário deve dar-se prevalência à especificação por esta assentar em elementos de força probatória especial (confissão, acordo das partes ou documentos) tendo considerado como não escrita a resposta ao quesito em sentido contrário.

  13. Pretende a douta sentença recorrida que estamos perante uma situação de confissão e, por isso, irretratável, nos termos do Artº 567º, do C.P.C, mas sem razão.

    Na verdade, 15ª A R. ora recorrida, na matéria de facto em apreço não assumiu posição expressa, pelo que foi considerada admitida, sendo vertida na especificação.

  14. Porém não estamos, como pretende a douta sentença recorrida perante uma situação de confissão (expressa), mas sim de mera admissão.

  15. Ora, os dois institutos jurídicos têm natureza e efeitos jurídicos diferentes, sendo que só a confissão (expressa) é irretratável, nos termos do Artº 567º, do C.P. Civil e não a mera admissão.

  16. Neste sentido poderemos invocar o Prof. Antunes Varela "in" "Manual de Processo Civil" - 2ª edição - Coimbra Editora, págs. 538 e 539; Dr. Rui Manuel de Freitas Rangel "in" "O Ónus da Prova em Processo Civil" - Almedina - págs.276 e segs.; Prof. Manuel de Andrade "in" "Noções elementares de Processo Civil" - págs. 161 e 162 e Dr. José Lebre de Freitas "in" "A confissão no Direito Probatório" - págs. 472 e segs.

  17. É este, sem dúvida, o entendimento que se impõe e está em consonância com a "mens legis".

  18. Acresce que, o princípio da verdade material (substancialmente reforçado com as últimas revisões e alterações do C.P.C.) aconselha a que o entendimento dado ao caso "Sub Judice" deva ser o expendido nas presentes alegações e não o sentido da douta sentença recorrida que ao decidir como decidiu violou os Artºs 567º e 646º, nº 4 do C.P. Civil.

  19. Assim, deve ser dada prevalência à resposta dada pela referida testemunha ao quesito 2º, em detrimento do que se encontra na alínea A) da especificação, pelo que, também por esta razão é reforçada a responsabilidade da A. (na pessoa do condutor do veículo) no acidente "sub judice".

    1.4.

    A autora não contra-alegou.

    1.5.

    O EMMP, no seu parecer de fls. 122, pronuncia-se pelo não provimento do recurso, por entender ser notório o facto noite, e por não ser possível alteração da resposta ao quesito 2, sob pena de violação do disposto no n.º 4 do artigo 646.º do CPC.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    1. 2.1.

      A matéria de facto dada como provada na sentença foi a seguinte: "II.1 - De facto

      a) No dia 19-03-1994, pelas 20H15, na Rua ..., em ..., Odivelas, no sentido .../..., um pouco antes do local onde esta via se encontra com a Rua ..., o veículo ...-...-..., que na altura se cruzava com outro que seguia em sentido contrário, embateu com a parte da frente num monte de alcatrão que ali se encontrava e ocupava cerca de metade da via.

      b) O veículo ...-...-... era da A .

      c) E era conduzido pelo seu empregado ....

      d) Este, ao aperceber-se do monte de alcatrão na via, não travou, nem se desviou.

      e) No local referido em A) procedia-se a obras de pavimentação.

      f) E o monte de alcatrão mencionado em A) encontrava-se numa ligeira curva.

      g) A A. enviou à R. a carta datada de 24-03-1994, cuja fotocópia se encontra junta aos autos a fls. 6 (doc.3), cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, na qual a informava de que o orçamento para a reparação da viatura ...-...-... ascendia a Esc. 141.331$00 e solicitava à R. a melhor atenção para a reparação dos danos sofridos na sua viatura.

      h) A esta carta a R. respondeu com a carta datada de ...-...-..., cuja fotocópia se encontra junta aos autos a fls. 7 (doc.4), cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, na qual informava que a obra se encontrava sinalizada e concluía pela inexistência de qualquer responsabilidade do Município.

      i) Ao aperceber-se do monte de alcatrão referido em A), o condutor do veículo ...-...-... não travou porque já não teve tempo j) A reparação do veículo ...-...-... importou em 141.331$00 k) No momento e no local referido em A), a obra encontrava-se sinalizada com placas indicativas de obras camarárias nos seus dois extremos".

      2.2.1.

      Está sob recurso a sentença do TAC de Lisboa, proferida em 11 de Março de 2002, nesta acção tendente a efectivar a responsabilidade civil extracontratual da Câmara Municipal de Loures por danos consequentes de acidente que a autora imputa à ré.

      A sentença julgou procedente o pedido da autora; consequentemente, condenou a ré, que, inconformada, deduziu o presente recurso.

      Comece-se por assinalar, tal como foi feito em decisão de incidente na 1ª instância, que os presente autos foram intentados em 29-03-1995; assim, e atento o disposto no art.º 16 do DL 329-A/95, de 12-12, com a redacção do DL 180/96, de 25-09, é o Código de Processo Civil de 1961, na redacção anterior à reforma de 1995/96, que, em geral, se aplica aos presentes autos.

      Todavia, no que toca ao registo das audiências, deve ter-se em atenção o disposto no artigo 24.º do mesmo DL 329-A/95, por isso, aliás, foi aplicado o regime do DL 39/95, de 15 de Fevereiro (o que não...

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