Acórdão nº 0178/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelROSENDO JOSÉ
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do STA: I - Relatório.

A...

Recorre contenciosamente do despacho do Senhor SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DO MINISTRO DA SAÚDE De 2 de Outubro de 2002 que homologou a lista definitiva dos candidatos não acreditados no processo de regularização dos odontologistas determinado pela Lei 4/99, de 27 de Janeiro, na redacção da Lei 16/2002, de 22 de Fevereiro.

Alega ser concorrente à acreditação como profissional na actividade que vem desenvolvendo e para a qual se inscreveu nos termos do Despacho Normativo n.º 1/90, de 3 de Janeiro e ter sido afastado da acreditação por não fazer prova suficiente do exercício profissional, de acordo com os critérios definidos em actas do Conselho Ético e Profissional de Odontologia.

Considera, no entanto que o autor do acto não detinha os poderes jurídicos para o praticar, por estarem conferidos ao referido Conselho pala alínea a) do artigo 5.º da Lei 4/99, em relação ao qual não existe sujeição hierárquica ao membro do Governo que praticou o acto. E, alega ainda que o Conselho efectuou uma restrição ilegal e contrária aos artigos 87.º n.º 1 e 56.º do CPA; 112.º n.º 6 e 266.º n.º 2 bem como ao princípio da ponderação e da proporcionalidade.

Ataca também o acto por violação do princípio da igualdade afirmando que foi admitida prova documental a determinadas pessoas que no seu caso foi desconsiderada.

Entende ainda que o reconhecimento como odontologista estava efectuado desde que foi admitida a sua inscrição ao abrigo do DN 190, pelo que o acto recorrido viola o princípio da boa fé e a proibição de "venire contra factum proprium".

E considera que o seu processo de inscrição mostra que reúne os requisitos de antiguidade no exercício da profissão, pelo que o acto sofre de erro nos pressupostos de facto.

Por último considera que o art.º 2.º da Lei 4/99 sofre de inconstitucionalidade por condicionar com efeito retroactivo o acesso à profissão, introduzindo restrições que não existiam e que se revelam desnecessárias e injustificadas racionalmente.

A entidade recorrida na resposta refere que aprovou uma grelha dos documentos admitidos como prova do exercício da actividade durante 18 anos, por forma a assegurar a objectividade e rigor que os interesses em presença impunham, evitando o arbítrio e a desigualdade e sustentou a legalidade do acto.

Em alegações finais o recorrente formula as conclusões seguintes: I - O acto impugnado é inválido por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos do disposto no Art.º 135º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que não resulta de qualquer disposição da Lei nº. 4/99 de 27 de Janeiro a atribuição desse poder ao Senhor Ministro da Saúde (não se encontrando abrangido por qualquer delegação), nem tal resulta da aplicação de princípios gerais relativos ao exercício da competência administrativa.

II - O acto objecto de recurso, é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado no nº. 1 do Art.º 87º do Código do Procedimento Administrativo e nos termos do qual os factos, que carecem de prova podem sê-lo por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito. Ora, o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal e, sobretudo, através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal.

Nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do nº. 6 do Art.º 112º da Constituição, devendo, com tal, ser declarado nulo.

III - O despacho recorrido sempre seria inválido por violação de Lei, dado desrespeitar a directiva legal, relativa à descoberta da verdade material, subjacente ao princípio do inquisitório, estabelecido no Art.º 56º do Código do Procedimento Administrativo, devendo, consequentemente, ser anulado nos termos do Art.º 135º do mesmo Diploma Legal.

IV - O acto contestado é também inválido, por violação de Lei, a que equivale a violação do princípio da proporcionalidade constante do nº. 2 do Art.º 266º da nossa Lei Fundamental e no Art.º 5º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que procede a uma restrição administrativa dos meios com valor probatório no procedimento de acreditação dos odontologistas, sem que exista qualquer racionalidade que a suporte, evidenciando-se a sua desnecessidade, desadequação e aleatoriedade.

V - O acto "sub juditio" viola o princípio da igualdade, previsto no nº. 2 do Art.º 266º da Constituição e no nº. 1 do Art.º 5º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinados odontologistas, documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação ao recorrente.

Deste modo, deve o acto em causa ser declarado nulo, nos termos da alínea d) do nº. 2 do Art.º 133º do Código do Procedimento Administrativo.

VI - A homologação, objecto do presente recurso, é também inválida por violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança, previsto no nº. 2 do Art.º 266º da Constituição e no Art.º 6º-A do Código do Procedimento Administrativo, a que corresponde o "venire contra factum proprium" administrativo, consubstanciado na desconsideração de reconhecimentos anteriores, uma vez que o recorrente se encontra inscrito como odontologista no Departamento de Modernização e Recursos da Saúde ao abrigo do Despacho Normativo nº. 1/90 de 23 de Janeiro da Senhora Ministra da Saúde, tendo o Ministério da Saúde reconhecido desde então, expressamente, o exercício desta profissão pelo recorrente bem como a sua qualificação.

VII - O acto impugnado é ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que o recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: antiguidade relevante e formação profissional.

Deste modo, o acto administrativo em questão deve ser anulado de acordo com o disposto no Art.º 135º do Código do Procedimento Administrativo.

VIII - Finalmente, o Art.º 2º da Lei nº. 4/99 de 27 de Janeiro, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, conforme garantida pelo Art.º 47º da Constituição, viola a regra da retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no nº. 3 do Art.º 18º da nossa lei Fundamental, bem como o princípio da confiança subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático.

Consequentemente, o acto recorrido, enquanto acto administrativo de aplicação de disposições inconstitucionais, é um acto inválido, devendo ser declarado nulo A entidade recorrida sustenta em contra legações o acto recorrido.

O EMMP emitiu douto parecer do seguinte teor: "O recorrente imputa ao acto os vícios de incompetência do seu autor e violação de lei, por quebra dos princípios da hierarquia dos actos normativos, do inquisitório, da proporcionalidade e da igualdade, por erro sobre os pressupostos de facto e ainda por inconstitucionalidade da Lei nº. 4/99 de 27 de Janeiro.

Quanto ao vício de incompetência constata-se ter havido delegação de poderes no autor do acto, - o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde - através do despacho ministerial nº. 12376/2002 (2ª Série) de 9.05.02, com o aditamento do despacho nº. 13431/2002 (2ª Série) de 15.07.02, sendo certo, por outro lado, que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia, nos termos do artº 4º da Lei nº. 4/99 de 27 de Janeiro "funciona sob tutela do Ministério da Saúde".

É sob esta acção tutelar que o Conselho, de harmonia com o disposto no art.º 5º, exerce as competências que lhe são atribuídas, e, dentre elas, a de "iniciar e concluir o processo de acreditação profissional dos profissionais abrangidos..." (al. a)), e a de "manter actualizada a lista de profissionais odontologistas acreditados pelo Ministério da Saúde" (al. g)), (sublinhado nosso).

Afigura-se-me, pois, face à redacção da citada Lei, e particularmente destas alíneas atrás sublinhadas, que é, em última análise, ao Ministro da Saúde que cabe a acreditação final dos odontologistas, cujo processo lhe é concluído, pelo referido Conselho, devidamente municiado de todos os elementos necessários para tal.

Não ocorre, assim, o alegado vício de incompetência.

No que concerne à alegada violação dos princípios da hierarquia, do inquisitório, da proporcionalidade e da igualdade, o recorrente considera que o acto impugnado procedeu a uma restrição ilegal dos meios de prova, uma vez que o princípio geral admite todos os meios de prova permitidos em direito, e não resulta evidenciada nem a ponderação, nem a necessidade, nem a adequação dessa restrição perante as finalidades do procedimento de acreditação, apresentando-se aleatórios e discriminatórios os meios de prova elegidos.

Não nos parece que tal se verifique.

Na verdade, é a Lei nº. 4/99, de 27 de Janeiro, que "regula e disciplina a actividade profissional de odontologia (art. 1º) e atribui ao Conselho Ético a competência de "iniciar e concluir o processo de acreditação..."...

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