Acórdão nº 0197/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MADUREIRA
Data da Resolução22 de Janeiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO A..., com os devidos sinais nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde de 22/10/2 002, publicado no DR, II Série, de 22/11/2002, na parte em que, homologando as listas definitivas dos profissionais não acreditados e acreditados, no âmbito do processo de regularização dos odontologistas, incluiu o recorrente na lista de não acreditados.

Imputou-lhe os vícios de incompetência e de violação de lei, este decorrente de: i) restrição dos meios de prova admitidos no procedimento administrativo (artigo 87.º, n.º 1 do CPA) e violação directa do princípio da hierarquia consagrado no n.º 6 do artigo 112.º da CRP; ii) violação do princípio do inquisitório (artigo 56.º do CPA); iii) violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade; iv) violação do princípio da boa fé; v) erro nos pressupostos de facto; vi) inconstitucionalidade do artigo 2.º da Lei n.º 4/99, de 27/1, por condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista.

Respondeu a autoridade recorrida, defendendo a legalidade do acto recorrido.

Tendo prosseguido o processo, a recorrente apresentou as suas alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: 1.ª) - O acto impugnado é inválido por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos do disposto no Art.° 135° do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que não resulta de qualquer disposição da Lei n.° 4/99, de 27 de Janeiro, a atribuição desse poder ao Senhor Ministro da Saúde (não se encontrando abrangido por qualquer delegação), nem tal resulta da aplicação de princípios gerais relativos ao exercício da competência administrativa.

  1. ) - O acto, objecto de recurso, é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado no n.° l do Art.° 87° do Código do Procedimento Administrativo e nos termos do qual os factos, que carecem de prova, podem sê-lo por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito. Ora, o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal e, sobretudo, através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal. Nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do n.° 6 do Art.° 112.° da Constituição, devendo, como tal, ser declarado nulo.

  2. ) - O despacho recorrido sempre seria inválido por violação de Lei, dado desrespeitar a directiva legal, relativa à descoberta da verdade material, subjacente ao princípio do inquisitório, estabelecido no Art.° 56.° do Código do Procedimento Administrativo, devendo, consequentemente, ser anulado nos termos do Art.° 135.° mesmo Diploma Legal.

  3. ) - O acto contestado é também inválido, por violação de lei, a que equivale a violação do princípio da proporcionalidade constante do n.° 2 do Art.° 266.° da nossa Lei Fundamental e no Art.° 5.° do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que procede a uma restrição administrativa dos meios com valor probatório no procedimento de acreditação dos odontologistas, sem que exista qualquer racionalidade que a suporte, evidenciando-se a sua desnecessidade, desadequação e aleatoriedade.

  4. ) - O acto «sub judicio» viola o princípio da igualdade, previsto no n.° 2 do Art.° 266.° da Constituição e no n.° l do Art.° 5.° do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinados odontologistas, documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação à recorrente. Deste modo, deve o acto em causa ser declarado nulo, nos termos da alínea d) do n.° 2 do Art.º 133.º do Código do Procedimento Administrativo.

  5. ) - O acto impugnado é ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que a recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: antiguidade relevante e formação profissional. Deste modo, o acto administrativo em questão deve ser anulado de acordo com o disposto no Art.° 135° do Código do Procedimento Administrativo.

  6. ) - Finalmente, o Art.° 2° da Lei n.° 4/99, de 27 de Janeiro, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, conforme garantida pelo Art.° 47.º da Constituição, viola a regra da retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no n.° 3 do Art.° 18° da nossa lei Fundamental, bem como o princípio da confiança subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático. Consequentemente, o acto recorrido, enquanto acto administrativo de aplicação de disposições inconstitucionais, é um acto inválido, devendo ser declarado nulo.

Contra-alegou a autoridade recorrida, sustentando, em síntese, a posição defendida na sua resposta, que foi a da inverificação de todos os vícios imputados ao acto impugnado, que considerou legal.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 2. 1. OS FACTOS: Consideram-se provados, com interesse para a decisão do presente recurso, os seguintes factos: 1. O recorrente encontra-se inscrito como odontologista no Departamento de Recursos Humanos do Ministério da Saúde, nos termos e para os efeitos do Despacho Normativo n.º 1/90, de 3/1 (fls 36-49 dos autos, a que se referirão futuras citações sem qualquer menção, e que se dão por reproduzidas, tal como as que vierem a ser mencionadas); 2. Por despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde de 22/10/2002, foram homologadas as listas dos candidatos não acreditados e acreditados, figurando a requerente na lista dos não acreditados, lista essa publicada no Diário da República n.º 270, II Série, de 22/11/2 002 (Aviso n.º 12 418/2 002 (2.ª série)) - fls 24 dos autos; 3. O fundamento da sua inclusão na lista de não acreditados foi a requerente não ter feito prova suficiente do exercício profissional nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 16/2002, de 22 de Fevereiro, de acordo com os critérios definidos pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia (doravante CEPO)constantes das actas VII, XIII e XIX - fls 22; 4. Acta VII, referente à reunião realizada pelo CEPO em 24-11-00, da qual consta ter sido aprovada a metodologia de apreciação dos processos, tendo sido definida a grelha com os parâmetros da apreciação, conforme o seu Anexo, que é do seguinte teor (fls 52-53): "Metodologia da apreciação dos processos de acreditação dos odontologistas ao abrigo da Lei nº 4/99, de 27 de Janeiro: 1 - Verificar se os requerentes reúnem os requisitos previstos na Lei nº 4/99, de 27 de Janeiro; 1.1 Nos termos do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 4/99, de 27 de Janeiro: 1.1.1 Inscrição no Departamento de Recurso Humanos da Saúde do Ministério da Saúde, ao abrigo do Despacho de 28 de Janeiro de 1977 do Secretário de Estado da Saúde (Diário da República, 2ª Série, de 14 de Fevereiro de 1977); 1.1.2 Inscritos ao abrigo do Despacho de 30 de Julho de 1982 do Ministério dos Assuntos Sociais (Diário da República, 2ª Série, de 25 de Agosto de 1982); 1.1.3 Constam da Lista Nominativa entrada no Ministério da Saúde em 1981; 1.1.4 Exercício público da actividade de odontologia há pelo menos 20 anos, contados a partir da data da entrada em vigor da Lei nº 4/99, de 27 de Janeiro.

    Nos termos do nº 2 do artigo 2º da Lei nº 4/99, de 27 de Janeiro: 1.2.1 Inscritos ao abrigo do Despacho de 1/90, de 3 de Janeiro, da Ministra da Saúde (Diário da República, 2ª Série, de 23 de Janeiro de 1990); 1.2.2 Exercício público da actividade de odontologia há pelo menos 18 anos, contados a partir da data da entrada em vigor da Lei nº 4/99, de 27 de Janeiro.

    1.3 Nos termos do nº 3 do artigo 2º da Lei nº 4/99, de 27 de Janeiro: 1.3.1 Exercício público da actividade de odontologia há pelo menos 18 anos, contados a partir da data de entrada em vigor da Lei nº 4/99, de 27 de Janeiro.

    2 - Grelha dos documentos admitidos como prova do exercício há mais de 18 anos da actividade de odontologia pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia: 2.1 Cópia da Declaração de Inscrição no Registo/Início de Actividade com data de 1981 ou anterior; 2.2 Certidão emitida pela Direcção-Geral de Contribuições e Impostos - Repartição de Finanças onde conste a data de início, de 1981 ou anterior, e a actividade de odontologia; 2.3 Cópia de recibo de Imposto Profissional de odontologia com data de 1981 ou anterior; 2.4 Cópia de Declaração de Rendimentos da actividade de odontologista com data de 1981 ou anterior; 2.5 Sentenças dos Tribunais transitadas em julgado onde tenha sido dado como...

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