Acórdão nº 047991 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Dezembro de 2002

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução04 de Dezembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A... interpôs, neste Supremo Tribunal, o presente recurso contencioso pedindo a anulação do despacho conjunto do Sr. Ministro da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, proferido em 14/2/01 e 14/3/01, respectivamente, o qual, concordando com a proposta da DRARA constante da informação n.º 67/2001, de 22/1/01, lhe atribuiu a indemnização global de 7.020.119$00 pela privação do recebimento de rendas dos prédios identificados na petição inicial, no período compreendido entre 7/7/75 a 5/1/94, que foram ocupados no âmbito da aplicação das Leis da Reforma Agrária.

Para tanto, e em resumo, alegou : - ser proprietária de tais prédios e que deles esteve desapossada no referido período em virtude de terem sido ocupados no âmbito da aplicação da Reforma Agrária.

- que a indemnização que lhe foi proposta para ressarcir essa privação foi calculada com base nos valores das rendas praticados à data da sua ocupação multiplicado pelo número de anos de privação, sem qualquer actualização para o valor actual e corrente, - o que é injusto e ilegal na medida em que a fixação de uma justa indemnização deverá, de acordo com o nosso sistema jurídico (designadamente os princípios decorrentes da CRP, do Código das Expropriações, do DL 199/88 e da Portaria 197-A/95), ter sempre por base o valor real ou corrente dos bens ou direitos.

- Foram, assim, violados os artigos 13.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 80/77, de 26/10, artigos 1.º, n.º 1 e 2, e 7.º, n.º 1, do DL n.º 199/88, de 31/5, artigos 5.º, n.º 4, e 14.º, n.º 4, do DL n.º 38/95, de 14/2, artigo 2.º, n.º 4, da Portaria n.º 197-A/95, de 17/3, artigos 22.º e 23.º, do Cod. das Expropriações, e dos artigos 2.º, 13.º, 22.º e 62.º, n.º 2, da CRP.

O Sr. Ministro da Agricultura respondeu para dizer que não existia nesta matéria qualquer lacuna legal, pois que "o critério para indemnização correspondente à privação temporária pelo não recebimento das rendas e consequente actualização está regulado na legislação concernente à Reforma Agrária." Por outro lado, acrescentou, não era verdade que os titulares do direito de indemnização decorrente da ocupação de prédios no âmbito da Reforma Agrária tenham sido descriminados relativamente aos cidadãos expropriados noutras circunstâncias, porquanto as suas rendas "estão sujeitas à devida actualização através dos mecanismos previstos no art. 24.º da Lei 80/77".

Assim, e considerando que a justificação de uma e outra dessas expropriações radica em pressupostos inteiramente diferentes, concluiu que nenhum dos dispositivos apontados pela Recorrente tinha sido violado e que a indemnização proposta obedece aos dispositivos legais aplicáveis.

A Recorrente concluiu assim as suas alegações finais : 1. Depois de calculado o valor da renda pelos valores que seriam devidos ao proprietário caso a relação contratual não fosse interrompida, esse valor terá de ser actualizada para valores de 94/95.

  1. A indemnização a que se referem os autos é devida pela privação temporária do uso e fruição de prédios rústicos indevidamente expropriados e ocupados.

  2. Trata-se de uma indemnização devida pelos lucros cessantes que o proprietário deixou de auferir, o qual deve ser colocado na mesma situação, caso não se tivesse verificado a ocupação e expropriação do prédio. rec.s. 44.044 e 44.146 (Pleno).

  3. Esta indemnização está subtraída ao princípio nominalista, devendo ser reconstituída a situação que existiria se não tivesse ocorrido a expropriação e ocupação do prédio, art. 562 do C.P.C. e Rec. 44.146.

  4. A indemnização em causa corresponde ao princípio de que o valor do bem expropriado deve ser calculado, em momento tão próximo quanto possível da data em que a indemnização vem a ser fixada e paga.

  5. Não seria justo que o expropriado além do prejuízo sofrido pela privação do bem viesse ainda a suportar os prejuízos emergentes do atraso da fixação e pagamento da indemnização.

  6. Seria profundamente injusto fixar uma indemnização sem atender à actualização do rendimento do prédio concretamente ao valor das rendas, quando são decorridos mais da 26 anos do início da privação desse rendimento e 8 anos da data em que cessou essa privação.

  7. Não existe proximidade temporal entre a privação do recebimento das rendas e o pagamento da sua indemnização, tendo decorridos mais de 26 anos data do início da sua privação.

  8. As indemnizações da Reforma Agrária "serão fixadas com base no valor real e corrente desses bens e direitos..." de modo a assegurar uma justa compensação pela privação dos mesmos bens e direitos, art. 7 n° 1 do Decreto-Lei 199/88 de 31/05.

  9. A indemnização para ser justa tem de garantir ao expropriado o valor real do bem no momento do pagamento.

  10. Todos os bens e direitos objecto de indemnização da Reforma Agrária, foram actualizados para preços correntes ou valores de 94/95, art. 11 n° 5 e 6 do DL 38/95 de 14/02, art. 2 n° 1 e art. 3 a), b) e c) da Portaria 197-A/95, de 17/03.

  11. A actualização do valor da indemnização para o valor real e corrente previsto no Decreto-Lei 199/88 de 31/05, Decreto-Lei 38/95 de 14/02 e Portaria 197-A/95 de 17/03 decorre da necessidade de repor o valor real e corrente do bem à data do pagamento da indemnização ou tão próximo quanto desta.

  12. Quando da publicação do Decreto- Lei 199/88 que veio atribuir o direito à indemnização pela privação temporária do uso e fruição dos bens, já haviam decorridos 13 anos sobre a data da privação desses bens.

  13. Quando da publicação da Portaria 197-A/95 de 17/03 que nos termos do art. 16 do Decreto-Lei 38/95 de 14/02, veio fixar as formulas técnicas necessárias à determinação da indemnização, já haviam decorridos 20 anos sobre a data da privação do uso e fruição dos bens a indemnizar.

  14. A Lei 80/77 de 26/10 e o Decreto-Lei 213/79 de 14/07 só são aplicáveis as indemnizações pela perda de património.

  15. A capitalização e juros previstos nos arts. 19.º e 24.º da Lei 80/77 apenas são aplicáveis às indemnizações pela perda de património, art. 1.º n° 2 da Portaria 197-A/95 de 17/03 e não à indemnização pela privação temporária do uso e fruição que é o caso dos presentes autos.

  16. Mesmo que fosse aplicável à indemnização pela privação do uso e fruição o disposto nos arts. 19.º e 24.º da Lei 80/77, o acréscimo decorrente dessa aplicação ao valor das rendas reportado a valores fixados desde 1976 a 1990, nunca atingiria o valor real e corrente por forma a alcançar a justa indemnização, como é imposto pelo art. 7 n° 1 do Decreto- Lei 199/88.

  17. Os juros a que se reporta o art. 24.º da Lei 80/77 de 26/10 são remuneratórios, não se destinando a atender a qualquer actualização da moeda. Rec. 44.146.

  18. Os juros e capitalização previstos nos arts. 19 e 24 da Lei 80/77, são igualmente aplicáveis aos demais componentes indemnizatórios actualizados para valores de 94/95. Rec. 46.298.

  19. E a própria entidade recorrida que expressamente o reconhece, na declaração junta aos autos, que a Lei 80/77 não é aplicável à indemnização pela privação temporária do uso e fruição.

  20. A actualização da renda para o valor real e corrente não está dependente da aplicação dos arts. 22.º e 23.º do Código das Expropriações, mas da aplicação dos princípios de actualização previstos na lei especial das indemnizações da Reforma Agrária, Portaria 197-A/95 como decidiram os rec.s. do S.T.A. 14.144, 44.145, 45.608 e 46.298.

  21. As normas de direito internacional sobre indemnizações por expropriação acolhidas no direito constitucional, art. 8.º e no direito interno, preâmbulo do DL 199/88 e bem assim as normas do ordenamento jurídico português sobre indemnizações, impõem a actualização dos danos à data da respectiva liquidação e pagamento.

  22. O conceito jurídico de valor real e corrente para efeitos do pagamento das indemnizações da Reforma Agrária significa o mesmo que o valor actual, (preâmbulo do Decreto-Lei 199/88 e art. 7 n° 1).

  23. Valor real e corrente, só existe um, ou seja, o valor do bem a indemnizar actualizado para data do pagamento ou tão próximo quanto possível, por forma a reintegra no património do expropriado o quantum de que foi desapossado, art. 7.º, n° 1, do Decreto- Lei 199/88.

  24. Pela CRP os critérios de avaliação e direitos a indemnizar têm de respeitar os princípios de Justiça, Igualdade e Proporcionalidade.

  25. Todos estes princípios se encontram ausentes no acto impugnado, quando negou a actualização dos valores da renda calculada pelos valores históricos entre a ocupação e a devolução do prédio, para valores de 94/95.

  26. O critério de cálculo da indemnização defendido pelo despacho recorrido ao não proceder à actualização dos valores históricos da renda para valores de 94/95, é incompatível com o principio da justa indemnização consignado no art. 62 n° 2 da CRP.

  27. O despacho recorrido por errada interpretação dos dispositivos normativos da Lei Especial das indemnizações da Reforma Agrária, afronta o principio da igualdade do art. 13.º , n° 1, da Constituição.

  28. A recorrente, no que se refere à não actualização da renda foi tratada de forma particularmente desfavorável e sem qualquer fundamento legal, relativamente a outros cidadãos que receberam os bens indemnizáveis actualizados por valores se 94/95.

  29. O despacho recorrido ao não proceder à actualização da renda, por erro de interpretação violou o disposto no art. 1 n° 1 e n° 2 e art. 7 do DL 199/88 de 31/05, art. 13 n° 1 e 2 da Lei 80/77 de 26/10, o art. 4 n° 4 do DL 38/95 de 14/02, o art. 2 n° 1 e art. 3 a), b) e c) da Portaria 197-A/95 de 17/03, os artigos 22 e 23 do Código das Expropriações e os arts. 10 e 551 do CC.

  30. A interpretação que o despacho recorrido fez dos arts. 19° e 24 da Lei 80/77 de 26/10, como fundamentação para a não actualização da renda, ter-se-á de considerar, nessa parte inconstitucional, uma vez que viola o disposto nos arts. 62 n° 2 e 13° n° 1 da Constituição da República, por colocar a recorrente em situação de manifesta desigualdade relativa aos demais titulares de indemnização da Reforma Agrária...

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