Acórdão nº 0487/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Setembro de 2002

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução26 de Setembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A..., por si e na qualidade de representante dos seus filhos menores B..., e C..., intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acção de condenação, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, contra o Município de Lisboa, pedindo que este seja condenado a pagar-lhes o montante de 150.000.000$00, acrescido de juros legais.

O T.A.C. julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar aos Autores a quantia de 140.254.160$00, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento.

Inconformado, o Réu interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações em que concluiu da seguinte forma: 1. Deve ser anulada, nos termos do n.º 4, do Artigo 712º, do Código de Processo Civil, a decisão do Digmo. Tribunal a quo, porque é deficiente, obscura e contraditória sobre pontos da matéria de facto; 2. Na verdade, na vertente de deficiência e obscuridade da matéria de facto, fica-se sem saber, ao fim e ao resto, qual o conceito de faixa de rodagem, meia faixa e rodagem e fila de trânsito; 3. O exarado na conclusão anterior potencia, aliás, a contradição entre a matéria especificada nas alíneas A), C) e E), por um lado, e a matéria dessas mesmas alíneas com a resposta ao quesito n.º 3 e, por outro lado ainda, entre a matéria especificada na alínea E) e a resposta aos quesitos n.ºs 54º e 55º; 4. Por conseguinte, face às conclusões anteriores, deve ser ordenada a repetição do julgamento; 5. O R./ Recorrente, ao afectar parte da faixa de rodagem à circulação de BUS não contrariou o estipulado no Artigo 5º, n.º 2, do Código da Estrada à época vigente, pelo que o acto não enferma de nenhum vício material ; 6. Ainda na senda das conclusões supra explanadas e, como bem acentua o Digmo. Ministério Público, o acto jurídico administrativo exteriorizado no despacho, não é de qualificar como ilícito para efeitos de subsunção na previsão legal dos respectivos pressupostos da obrigação de indemnizar - cfr. Artigos 2º, n.º 1 e 6º, do DL. 48051, de 21 de Novembro de 1967; 7. Não se verifica o pressuposto da constituição da obrigação de indemnizar, qual seja, a imputação entre o pretendido facto ilícito e o prejuízo invocado - cfr. Artigo 2º, n.º 1, do DL. 48051, de 21 de Novembro de 1967 e Artigo 563º, do Código Civil; 8. Atentas as duas conclusões anteriores, não se verificam os pressupostos da ilicitude e imputação objectiva da obrigação de indemnizar, pelo que necessariamente tem de improceder, totalmente, o pedido; 9. Sem prejuízo do concluído supra, e apenas por cautela de patrocínio, dir-se-á que são exagerados os montantes arbitrados, pois não respeitam o critério particular da justiça de cada caso, ou seja, a equidade, sendo certo que os danos não patrimoniais estabelecidos não são compatíveis com a natureza meramente compensatória da ressarcibilidade de tais danos; 10. Decidindo de forma contrária, a douta sentença recorrida, violou, entre outros, os Artigos 5º, n.º 2 do Código da Estrada (à data em vigor), Artigos 2º, n.º 1 e 6º, ambos do DL. 48051, de 21 de Novembro de 1967 e Artigos 494º, 496º e 563º, todos do Código Civil.

Nestes termos, Deve ser concedido provimento ao presente recurso, com todas as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.

Os Autores contra-alegaram afirmando o seguinte: 1. Não há deficiência e obscuridade quanto ao conceito de faixa de rodagem, meia faixa de rodagem e fila de trânsito.

  1. Pois, esses conceitos significam: 2.1. Faixa rodagem: toda a zona por onde pode circular veículos; 2.2. Meia faixa de rodagem: corresponde à semi faixa ou zona por onde circulam os veículos, tendo em conta os sentidos dos pontos cardeais; 2.3. Fila trânsito: está contida nas meias faixas de rodagem; 3. Inexistem contradições entre: 3.1.A matéria especificada nas alíneas A), C) e E); 3.2. As alíneas A), C) e E) e o quesito 3.º; 3.3.A alínea E) e as respostas aos quesitos 54.º e 55.º; 4. Assim, não deve ser repetido o julgamento.

  2. A Recorrente ao criar uma fila de trânsito para o BUS, no sentido poente-nascente, na meia faixa de rodagem de sentido nascente-poente, infringiu o disposto no art.º 5.º n.º 2 do C.E. de 1954 e por consequência a circulação de trânsito nesse BUS ficou a fazer-se pela esquerda da faixa de rodagem da Av. Duque de Loulé.

  3. A indemnização não é exagerada e foi fixada segundo o princípio da equidade e conforme Jurisprudência dos Tribunais Superiores.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos: O Município de Lisboa vem interpor recurso da sentença de 30 de Dezembro de 2001, proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo, que o condenou a pagar aos autores a quantia de 140.254.160$00, acrescida de juros de mora.

Alega o recorrente que a sentença se apresenta deficiente, obscura e contraditória sobre alguns pontos da matéria de facto.

Assim, na alínea A) da especificação diz-se que «em 12 de Agosto de 1989 a Av.ª Duque de Loulé tinha (e ainda tem) duas meias faixas de rodagem, com duas filas de trânsito cada, e era dividida por uma placa central», quando, na realidade, há duas faixas de rodagem separadas por uma faixa central, como é público e notório, além de que a mesma alínea A), quando refere que a Av.ª Duque de Loulé é constituída apenas por uma faixa de rodagem, torna incompreensíveis as alíneas C) e E), sendo certo que, com elas, se contradiz a resposta ao quesito n.º 53, como também a alínea E) se contradiz com a resposta aos quesitos n.ºs 54 e 55.

Porém, em nosso entender, a sentença não apresenta a alegada deficiência, obscuridade de contradição.

Na verdade, se se tiver em atenção que se considerou como faixa de rodagem toda a via pública rodoviária na Avenida Duque de Loulé, com dois sentidos de trânsito opostos e duas filas de trânsito em cada sentido, separados por uma faixa central (placa em termos menos rigorosos, mas perfeitamente perceptíveis), compreende-se, sem esforço, que se refira na alínea A da especificação, a das meias faixas de rodagem naquela Avenida, com duas filas de trânsito cada uma.

Por sua vez, a alínea C) refere que «fila de trânsito da direita dessa faixa de rodagem», que a alínea B) identifica, e bem, como a «... meia faixa de rodagem no sentido nascente/poente ...», passou a destinar-se a veículos que circulassem no sentido nascente/poente e a da esquerda a trânsito que seguisse de poente para nascente (sendo certo que foi nesta fila que se verificou a alteração da Câmara Municipal).

Por seu turno, quando a alínea E) da especificação refere que o trânsito de veículos, pela fila da esquerda da meia faixa de rodagem do sentido nascente/poente, passou a fazer-se pela esquerda da faixa de rodagem , não significa qualquer contradição com a resposta ao quesito 54.º, uma vez que, assim, também a circulação automóvel se fazia pela direita (meia faixa de rodagem direita) considerando o sentido nascente/poente e as duas faixas de trânsito nesse sentido, ambas à direita do separador da via.

Alega também o recorrente que não praticou qualquer ilícito dado que o Tribunal "a quo" deu como provado, na resposta ao quesito 54.º, que a circulação automóvel se fazia pela direita que por isso não violou o art. 5.º n.º 2 do Código da Estrada.

Contudo, se se atentar que a resposta não se refere à circulação de BUS, concluir-se-á que a implantação do corredor de BUS, no sentido poente/nascente, na fila da esquerda da meia faixa de rodagem por onde circulavam veículos no sentido nascente/poente é ilícita, por violar a referida norma, como bem se decide na sentença recorrida.

Assim, verificando-se os pressupostos da obrigação de indemnizar e não apresentando a sentença as alegadas deficiência, obscuridade e contradição, deve, a nosso ver, o recurso improceder.

Notificada deste parecer, o Recorrente respondeu, nos termos que constam de fls. 266-268, terminando com a afirmação de concluir como nas alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto: Alin. A) Esp.- Em 12 de Agosto de 1989 a Av.ª Duque de Loulé tinha (e ainda tem) duas meias faixas de rodagem, com duas filas de trânsito cada, e era dividida por uma placa central.

Alin. B) Esp. - Antes daquela data, a circulação de trânsito da meia faixa de rodagem, no sentido nascente/poente, foi alterada pelo Réu; Alia. C) Esp. - A fila de trânsito da direita dessa faixa de rodagem passou a destinar-se a veículos que circulassem no sentido nascente/poente e a da esquerda a trânsito que seguisse de poente para nascente; Alin. D) Esp. - A meia faixa de rodagem no sentido poente/nascente continuou com a circulação de duas filas de trânsito nesse sentido; Alin. E) Esp. - O trânsito de veículos pela fila da esquerda da meia faixa de rodagem de sentido nascente/poente passou a fazer-se pela esquerda da faixa de rodagem; Alin. F) Esp. - O Réu tinha alterado a situação do trânsito para que o mesmo se fizesse pela esquerda noutras vias de Lisboa; Alin. G) Esp. - O que deu origem a muitos acidentes, tendo o Réu reposto a situação anterior; Alin. H) Esp. - O D... faleceu em 14/8/89 no estado de casado com a Autora A..., e tinha nascido em 28/12/49; Alin. l) Esp. - Os Autores C... e B... são filhos do falecido e nasceram em 7/7/83 e 11/5/88, respectivamente; Resp. Qº 1º - No dia 12.08.89, pelas 22h40m, D... foi atropelado pelo veículo automóvel de matrícula ... na Av.ª Duque de Loulé, em Lisboa; Resp. Qº 2º - O...

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