Acórdão nº 036758 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Julho de 2002
Magistrado Responsável | ADÉRITO SANTOS |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO A..., SA, com sede no Largo ..., em Porto Côvo, concelho de Sines, veio interpor recurso contencioso do despacho, de 03.05.94, do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território (SEALOT), que declarou a incompatibilidade do alvará n.º 1/92, emitido pela Câmara Municipal de Sines, com o Plano Regional de Ordenamento do Território (PROTALI), aprovado pelo DR 26/93, de 27 de Agosto.
Na petição, imputou ao acto recorrido os vícios de violação de lei, por falta de base legal, face á inconstitucionalidade orgânica do DL 351/93, ao abrigo do qual foi praticado, e por inconstitucionalidade material deste diploma legal; erro nos pressupostos de facto e de direito; desvio de poder, por motivo de interesse público; violação do princípio da proporcionalidade e vício de forma, por falta de audiência prévia da interessada recorrente.
Na resposta (fl. 75, ss.), a entidade recorrida começou por suscitar a questão prévia da irrecorribilidade contenciosa do acto impugnado, por ser meramente declarativo ou certificativo da situação material dos prédios, que se limita a confirmar acto anterior contido, designadamente no art. 40, n.º 3 do DL 451/93, sendo, quando muito, declarativo da caducidade deste último. Para além disso, sustenta que caducou a licença para a realização das obras, por desrespeito do prazo fixado no alvará de loteamento, e que é nula a respectiva prorrogação, concedida pelo Presidente da Câmara Municipal de Sines, em 16.09.93. E, quanto à inconstitucionalidade daquele DL 451/93, louva-se em parecer do Professor Jorge Miranda.
Ouvida a recorrente, sobre a questão prévia suscitada pala entidade recorrida, a recorrente respondeu (fl. 88, ss.), concluindo que o acto recorrido lesa direitos e interesses legalmente protegidos de que é titular, sendo, por isso, abrangido pela garantia do recurso contencioso inscrita no art. 268, 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, sobre a mesma questão prévia, emitiu douto parecer (fl. 96, ss.), no sentido de que não procede qualquer dos fundamentos, a propósito, invocados pelas recorridas, concluindo que o acto recorrido, proferido como decisão final do procedimento «instituído pelo DL 351/93 é acto lesivo e, para quem julgue operativa a terminologia da LPTA, acto definitivo e executório».
Por despacho do Relator de fl. 110., dos autos, foi relegado para final o conhecimento da questão prévia suscitada na resposta da entidades recorrida.
O recorrente apresentou alegação (fl. 112, ss.), à qual juntou dois pareceres jurídicos subscritos um pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa e o outro pelo professor Freitas do Amaral e na qual formulou as seguintes conclusões: A. O acto recorrido padece, desde logo, de violação de lei por impossibilidade do respectivo objecto ou falta de base legal, visto que o DL n.º 351/93 - em que se funda e sem o qual jamais poderia ter sido praticado - é inconstitucional, organicamente - por violação do disposto nos artigos 106, alíneas b) e s), e 17º - materialmente, por violação do disposto nos artigos 18º, n.º 3, 239º, 243º, n.º 1, e 266º, n.º 2, todos da Constituição da República; B. Mesmo, porém, que assim não fosse, o referido despacho enferma de violação de lei por erro de direito sobre os pressupostos da decisão , na medida em que o DL n.º 351/93 não atribuiu eficácia retroactiva às normas constantes da Portaria n.º 760/93 e, não obstante, foi invocada uma pretensa infracção desta para justificar o acto recorrido; C. E enferma ainda de outro vicio de violação de lei, desta feita por ofensa do princípio da proporcionalidade, uma vez que infligiu à Recorrente um prejuízo excessivo; D. Sofre ainda os despacho sob censura do vício de desvio de poder, existindo indícios bastante s de que os motivos que principalmente o determinaram não coincidem com o fim para que alei conferiu à Autoridade recorrida competência para o praticar; E. Com efeito, a Autoridade recorrida exercitou os poderes que o FDL n.º 351/93 lhe conferiu, não para aquilatar da compatibilidade da licença de loteamento titulada pela alvará n.º 1/92 com as regras de uso, ocupação e transformação do solo constantes do PROTALI, mas sim para pôr em causa a validade de um acto autárquico, que prorrogou o prazo para a realização das obras de e urbanização; F. Finalmente, o acto recorrido enferma de ilegalidade procedimental, resultante da falta de audiência do interessado, com violação do disposto nos artigos 100º e 103º, n.º 1, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo, na medida em eu não fundamentou a inexistência de audiência; G. Na medida em eu no caso dos autos está em causa a violação do conteúdo essencial do direito de propriedade - o jus aedificandi -, o acto recorrido é nulo e de nenhum efeito, nos termos do disposto no artigo 133º, n.º 2, alínea d), do Código do procedimento Administrativo; H. E ao mesmo resultado se chega por violação do núcleo essencial do direito à participação procedimental, nos termos da conclusão F supra; I. Porém, para o caso de assim nãos e julgar, os demais vícios assacados ao acto sob censura são no mínimo, geradores da respectiva anulabilidade, nos termos gerias do artigo 135º do referido Código.
O recorrido SEALOT apresentou alegação (106, ss.) a que juntou pareceres jurídicos do Professor Jorge Miranda, de Rui Chancerelle de Machete e de Mário Esteves de Oliveira e na qual sustenta, em resumo, o seguinte: - a licença contida no alvará n.º 1/92 e respectivos averbamentos é nula, tendo infringido aos artes 2, 3 al. b), 3, 1 e 2 , al. b) e 17, 4 do DL 400/94, por força dos artes. 14 e 65 do mesmo diploma, violando mesmo alvará, ainda, os arts. 42, 2 do DR 26/93 e 1 a 7 da port. 760/93; - a nulidade é invocável a todo o tempo, o que a recorrida faz com todas as consequências; - qualquer autoridade pode, a todo o tempo, declarar a nulidade do acto, assim como qualquer tribunal perante o qual seja incidentalmente invocada; - a recorrente não fez prova dos factos que alegou, estando demonstrada a caducidade da licença e a suspensão das obras, pelo que inexiste qualquer vicio de violação de lei; - o acto impugnado é irrecorrível, por ser meramente declarativo ou confirmativo do PROT; - a recorrente carece de legitimidade, por não ter reclamado do PROTALI durante a fase de inquérito público, nem dele ter interposto recurso contencioso; - a recorrente pretende ver reconhecido um direito, pelo que o recurso contencioso é meio processual idóneo; - a recorrente configurou incorrectamente a relação processual subjacente, não tendo solicitado a citação da Câmara Municipal de Sines; - sendo o acto de licenciamento nulo, não ocorreu a respectiva revogação; - a recorrente foi ouvida durante o procedimento especial, previsto no DL 351/93, ao qual não é aplicável o CPA; - o DL 351/93 não sofre de qualquer inconstitucionalidade orgânica ou material; - não colhe a alegação da recorrente de ter sido revogado acto constitutivo de direitos, pois ao acto recorrido é nulo, por ter infringido um instrumento de planeamento e as regras que impõem a audição de outras entidades, sendo os actos nulos não podem ser revogados.
Pelo que conclui no sentido de que «deve manter-se o acto recorrido e o presente recurso ser rejeitado por irrecorribilidade do acto ou, se assim nãos e entender por ilegitimidade da recorrente, ou negar-se provimento ao recurso, por se não verificar o vício invocado, declarando-se nulo o alvará 1/92 e respectivos averbamentos, já identificados, como é de Justiça» A Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer final (fl. 457, ss.), no sentido de que o recurso não merece provimento. Salienta que a recorrente não contesta a nulidade do alvará de loteamento n.º 1/92, em face da qual a entidade recorrida não poderia reconhecer-lhe qualquer valor jurídico, não fazendo sentido que declarasse a compatibilidade desse alvará com as normas do DL 351/93, sob pena de dar origem a mais um acto nulo. Daí que não se verifique o alegado desvio de poder, tanto mais que, sendo este vício privativo dos actos praticados no exercício de poderes discricionários, tratava-se, no caso, de obedecer a critérios de legalidade estrita, consagrados no DL 400/84. E sendo improcedente a alegação deste vício, não se justifica, segundo defende, o conhecimento dos restantes vícios imputados pela recorrente ao acto recorrido.
Para o caso de assim se não julgar, sustenta, ainda, o mesmo parecer que o acto recorrido não padece de...
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