Acórdão nº 74/09.9GAMDA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução01 de Junho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Nos autos supra identificados, decidiu o tribunal rejeitar “a acusação deduzida por ser a mesma manifestamente infundada, nos termos do disposto no art.º 311.º n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d), do CPP.” Inconformado com o decidido, o assistente interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição): “1 - Entendeu o douto tribunal a quo que a imputação feita ao ora recorrente "não constitui a formulação de um juízo de valor mas sim a mera imputação de um determinado facto ou comportamento", interpretação esta com a qual o ora recorrente não pode concordar.

2 - Em primeiro lugar, porque constitui um juízo de valor a escolha de, pela primeira vez e sem que nunca tal tivesse ocorrido, incluir numa lista de "dadores", 11m "não dador"; depois, porque tal "opção" não deveria ter sido tomada, precisamente porque traduz um juízo de valor na distinção entre os dignos, respeitados e honrados "dadores", contra os indignos, desonestos e desonrados "não dadores"; finalmente, porque volta a traduzir um juízo de valor a escolha do nome do assistente para ser anunciado publicamente como "não dador".

3 - Ao contrário do alegado no douto despacho recorrido, o "anúncio" de quem não entregou nada à Comissão - correcção: de que o assistente não entregou nada à Comissão - é muito mais do que um "mero facto objectivo", encerrando claramente um juízo de valor depreciativo acerca do carácter do ora recorrente, ofensivo da sua honra e consideração.

4 - Para se tratar de um "mero facto objectivo", teria de conter o nome de todas a." pessoas que, como o ora recorrente, optaram por contribuir para a festa através do peditório da eucaristia a tal destinado, bem como de todas aquelas que pura e simples mente não quiseram, ou não puderam, para ela contribuir - e ainda assim, a divulgação/anúncio de tal "lista" não deixaria de se traduzir num juízo de valor depreciativo: os "sovinas e indignos da festa", comparativamente à lista "dos bons", os que contribuíram, com pouco que fosse ...

5 - Não existe qualquer tipo de explicação, motivo, ou razão atendível para que um tal anúncio seja feito numa qualquer igreja, por uma qualquer comissão de festas ou do que quer que seja, e muito menos numa terra pequena como K... ...

6 - Independentemente da veracidade da imputação que lhe é feita pelos arguidos, sempre o ora recorrente a reputaria de ofensiva, dado ser o tipo de "facto" que não pode/deve ser divulgado, por se referir à esfera íntima e pessoal da vida privada de cada um - abrangida, portanto, pelo nº 3 do artigo 180º do Código Penal - o que deixou bem expresso nos artigos 5° e 6° da acusação particular por si deduzida.

7 - A conduta dos arguidos é censurável criminalmente, uma vez que o juízo de valor ínsito no "facto" anunciado, que faz parte da intimidade da vida privada de qualquer pessoa e também do ora recorrente, é ofensivo do seu bom nome, honra, fama e consideração e este sentiu-se, efectivamente, ofendido no seu bom nome, honra. fama e consideração, encontrando-se, consequentemente, preenchidos todos os requisitos do tipo legal do crime de difamação, não assistindo. consequentemente, qualquer razão ao douto despacho recorrido quando entende que os factos não constituem crime.

8 - Também não assiste qualquer razão ao douto despacho recorrido, quando entende que o ora recorrente "desistiu ou renunciou ao exercício do direito de queixa contra um dos comparticipantes", no caso, o pároco de K.... o que beneficiaria os restantes, pois "o procedimento criminal não poderia prosseguir contra qualquer um dos denunciados".

9 - Com efeito, o ora recorrente apresentou queixa contra "incertos", precisamente por não saber quem havia feito o quê, quem tinha elaborado o comunicado e quem havia decidido a sua leitura (tendo, obviamente, conhecimento do teor do comunicado) - os autores destes comportamentos seriam os autores do crime de difamação cometido contra o ora recorrente.

10 - O ora recorrente nada "escolheu" - limitou-se a denunciar os factos, requerendo que os "incertos" que os praticaram fossem descobertos e identificados pelo Ministério Público, após o que, notificado para o efeito, contra estes deduziu acusação particular.

11 - Está o ora recorrente absolutamente convencido de que o Sr. Pároco de K... não teve conhecimento do teor do documento senão no momento da sua leitura e por causa dela e que, portanto, em nada contribuiu para o cometimento do crime planeado pelos arguidos e ainda de que, se o pároco tivesse tido conhecimento prévio do teor do documento, o não teria lido.

12 - No entanto, se assim não for, se em sede de audiência de discussão e julgamento se vier a demonstrar que o pároco de K... conhecia o teor do documento e que, ainda assim, quis lê-lo, então terá o ora recorrente prazo para contra ele concretamente participar criminalmente pela prática do crime de difamação de que, agora, por indicação do Ministério Público, apenas acusou os arguidos.

13- Temos, pois, que os factos denunciados constituem crime, existem indícios suficientes de o mesmo se ter verificado e os seus autores foram identificados pelo Ministério Público e indicados ao ora recorrente, que contra eles deduziu acusação particular, pelo que podia e devia a acusação particular deduzida ter sido recebida e, consequentemente, admitido o pedido cível deduzido.

14 - Ao decidir da forma explanada no douto acórdão recorrido, violou, entre outros, o douto despacho recorrido, os artigos 283°, 285° e 311º do Código de Processo Penal e os princípios, penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade e do acusatório.

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, ser o douto despacho proferido revogado e substituído por outro que receba a acusação e admita o pedido de indemnização civil deduzidos, com todas as legais consequências.” Respondeu o Ministério Público defendendo a procedência do recurso.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs visto.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Questões a decidir: - não apresentação de queixa contra um dos co-autores de um crime de difamação, previsto e punido pelo art. 180°, nº 1, do Código Penal - erro do tribunal a quo ao rejeitar a acusação com o fundamento de que a mesma é manifestamente infundada por os factos não constituírem crime - não admissão do pedido de indemnização civil O despacho sob recurso tem o seguinte teor (transcrição): “O tribunal é competente.

Não existem nulidades, ilegitimidades, outras excepções ou quaisquer outras questões prévias que cumpre conhecer.

* Nos presentes autos deduziu o assistente SF... acusação contra os arguidos NN…, FM…, AR…, nos termos da qual lhes imputa a prática, em co-autoria, de um crime de difamação, previsto e punido pelo art. 180.º do Código Penal, cfr. fls. 122 e 123.

Assenta a aludida acusação na seguinte factualidade: “Durante a celebração Eucarística de Domingo 13 de Setembro de 2009, em K..., Concelho de Mêda, foi lido pelo pároco um comunicado, alegadamente destinado a publicitar as ofertas que haviam sido recebidas para a festa em honra de Nª Srª de Z..., designadamente quem havia efectuado ofertas e quais os seus montantes.

Tal comunicado foi...

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