Acórdão nº 637/08.0GBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução23 de Maio de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO No processo nº 637/08.0GBVVD.G1 do Tribunal Judicial de Vila Verde, o Ministério Público veio interpor recurso do despacho da Mma. Juiz, constante fls. 70 a 72, que rejeitou a acusação, por manifestamente infundada, por ter entendido que os factos na mesma relatados não se subsumiam ao crime de ameaça, cuja autoria aí era imputada à arguida Rosa M....

No recurso interposto, a recorrente formulou as seguintes conclusões (transcritas): “I - O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida Lúcia Susana Pimenta da Mota, imputando-lhe a prática de um crime de ameaça, previsto e punível pelo artigo 153°, nº l, do Código Penal, porquanto, nas circunstâncias de tempo e lugar aí melhor descritas, se dirigiu à ofendida Rosa M... e lhe disse, com foros de seriedade, "se voltas a envenenar-me o cão dou-te dois estalos"; II - Na Douta decisão recorrida, a Mmª. Juíza a quo após conhecer das questões a que se refere o artigo 311°, n'T, do Código de Processo Penal, decidiu, nos termos do artigo 31º, n° 2, aI. a) e 3, aI. d), do Código de Processo Penal, rejeitar a acusação pública deduzida por manifestamente infundada, por ter entendido que os factos na mesma relatados não constituem crime; III - Considerou, pois, que os factos descritos na acusação não põem em causa o bem jurídico tutelado pela norma, ou seja a liberdade de decisão e de acção, porque tal liberdade implica a prática de um crime, o de dano, cuja concretização depende da vontade da vítima; IV - E mais considerou que, as palavras alegadamente proferidas pela arguida não têm a virtualidade de, nem são adequadas a, causar medo ou inquietação, poderão vir a ter, no futuro, caso a ofendida tente envenenar o dito cão; V - Assim, estriba-se a Mmª. Juíza no argumento fundamental de que o mal futuro anunciado pela arguida se encontra na dependência da própria vítima, concluindo, portanto, que a conduta descrita, objecto da acusação, não é susceptível de consubstanciar, sequer em abstracto, o crime de ameaça, previsto e punível pelo artigo 153°, n"l , do Código Penal, por não ser violadora dos bens jurídicos protegidos pela incriminação - a liberdade de decisão e de acção; VI - Todavia, entende a recorrente não resultar da acusação qualquer facto que objectivamente permita concluir como concluiu a Mm". Juíza a quo; VII - Com efeito, não se vê que na acusação se tenha dito que a ofendida tenha envenenado algum cão. O que se diz na acusação é que" a arguida (...) dirigiu-se-Ihe e disse-lhe com foros de seriedade "se voltas a envenenar-me o cão dou-te dois estalos"; VIII - Na verdade, não resulta do texto da acusação, nem podia resultar, antes da audiência de discussão e julgamento, a autoria do envenenamento do animal. E assim não resultando, não podia a Mm3• Juíza concluir desde logo que a conduta da arguida que anunciou à ofendida que lhe daria dois estalos caso voltasse a envenenar-lhe o cão, não é subsumível ao crime de ameaça.

IX -Tal conclusão só seria susceptível de ser alcançada após produção de prova em audiência de discussão e julgamento, pelo que se impunha o recebimento da acusação; X - Assim, a conduta descrita na acusação pública imputada à arguida, é subsumível ao crime de ameaça, previsto e punível pelo artigo 153°, n'T, do Código Penal.

XI - Logo, a acusação é fundada e viável, devendo ter sida recebida e designada data para audiência de julgamento.

XII - Decidindo como decidiu, violou a Mm3• Juíza os artigos l°, alínea a) e 153°, nº I, do Código Penal, 311°, n02, alínea a) e nº 3, alínea d) e 312°, n'T, do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, deve ser revogada a decisão proferida e substituída por outra que receba a acusação deduzida pelo Ministério Público contra a arguida e que agende data para julgamento da mesma pela autoria material do crime de ameaça, previsto e punível pelo artigo 153°, n" 1, do Código Penal.

Porém, Vossas Excelências decidirão como for de JUSTIÇA”.

A Recorrida não ofereceu resposta ao presente recurso.

Nesta Relação, aquando da vista a que se reporta o art. 416.º do C.P.Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fls. 135 a 139).

Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.

Foram colhidos os vistos legais.

Procedeu-se à conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O teor do despacho recorrido é o seguinte: “O Tribunal é competente.

* O Ministério Público deduziu acusação contra Lúcia M..., imputando-lhe os seguintes factos: «Cerca das 17h00 do dia 08 de Outubro de 2008, a arguida dirigiu-se a casa da ofendida Rosa M... sita no Lugar de T..., da freguesia de Pico de Regalados, em Vila Verde e, avistando-a, através da janela do automóvel que conduzia, sentada nas escadas exteriores daquela residência, dirigiu-se-lhe e disse-lhe com foros de seriedade «se voltas a envenenar-me o cão dou-te dois estalos na cara».

Ao proferir estas palavras, a arguida quis com elas significar que atentaria contra a integridade física da ofendida e foi também esse o sentido que lhes atribuiu a mesma, que, desde então, ficou receosa de que venha a consumar o mal anunciado, temendo pela sua integridade física.

Ao actuar pela forma acima descrita, a arguida agiu livre e deliberadamente, com o propósito concretizado de causar medo e intranquilidade à ofendida, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.» Dispõe o art. 153° n.º 1, do Cod. Penal, que “quem ameaçar outra pessoa com a pratica de crime...

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