Acórdão nº 1530/04.0TTCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução08 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 6 de Julho de 2006, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, 2.º Juízo, AA instaurou acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho contra BB– ..., S. A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 51.250, a título de danos não patrimoniais (€ 25.000) e metade dos danos patrimoniais que discrimina na petição inicial (€ 26.250), acrescida dos juros moratórios devidos.

Alegou, em suma, que é mãe de CC, falecido em 17 de Setembro de 2001, vítima de acidente de trabalho, ocorrido nesse dia, quando trabalhava para a ré e que, por se encontrar em carência económica e dependente dos proventos do trabalho do sinistrado, foi-lhe atribuída uma pensão pelos prejuízos patrimoniais emergentes daquela morte, no Processo n.º 423/01-AT, do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Coimbra; o certo é, porém, que a morte do filho causou-lhe elevados danos de natureza não patrimonial, para além de outros danos patrimoniais, sendo que o acidente se ficou a dever à violação de normas de segurança no trabalho por parte da ré, que é, assim, responsável pelo ressarcimento dos invocados danos.

Requereu, ainda, a intervenção provocada do pai do sinistrado.

A ré contestou, alegando a ilegitimidade activa da autora, por preterição de litisconsórcio necessário activo, a ilegitimidade passiva da ré, por ter transferido para a seguradora DD toda a responsabilidade por acidentes de trabalho, a excepção do caso julgado, por se verificar a repetição de causa com identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, e a caducidade do direito de acção, mais aduzindo que não violou regras de segurança que estivessem na origem da eclosão do acidente.

No despacho saneador, foram julgadas improcedentes todas as excepções deduzidas pela ré e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e à elaboração da pertinente base instrutória, sendo que a ré, não se conformando com o despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção de caducidade invocada, dele interpôs recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir a final e com efeito meramente devolutivo, tendo a autora produzido a atinente contra-alegação.

Após o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

  1. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra julgado «a apelação interposta do despacho saneador totalmente improcedente, com integral confirmação do despacho recorrido» e, pese embora com diverso fundamento, «totalmente improcedente a apelação interposta da sentença final, com integral confirmação da sentença impugnada», sendo contra esta decisão que a autora agora se insurge, mediante recurso de revista, em que conclui: «1.ª Os factos alegados e tidos por confessados sob os n.

    os 10 e 17 da p.i. e 51, 52 e 53 da contestação deviam ser seleccionados e vertidos na matéria assente.

    2.ª Também os factos quesitados sob os pontos 2, 3, 5, 11, 12, 15, 43 [e] 44, atenta a prova produzida, mereciam resposta diferente e conforme o retro alegado. Sem condescender, 3.ª Atenta a prova produzida, analisada e apreciada de forma crítica, reflexiva e à luz da experiência comum, dúvidas não haverá de o acidente de trabalho em apreço ter ocorrido por falta de observância das regras de segurança no trabalho, por parte da aqui recorrida, na medida em que não assegurou as condições mínimas exigíveis de segurança, como sendo, formação prévia, sinalização ao longo do percurso, colocação de protecção e resguardos nas zonas perigosas e ter destinado, logo no primeiro dia, tarefas e funções de elevado risco. Ainda que, 4.ª Caso assim se não entendesse, o ónus da prova de não culpa da entidade patronal, incumbia à recorrida, o que não alegou, nem demonstrou.

    5.ª Mostram-se verificados os fundamentos legais para o agravamento das prestações destinadas à reparação dos danos, por acidente de trabalho.

    6.ª Por erro de interpretação e/ou aplicação, não se mostram correctamente observados, os princípios gerais do direito laboral, em particular, em matéria de segurança no trabalho e, por isso, foram violados, de entre outros, os comandos previstos nos arts. 483.º, n.º 1, 483.º, n.º 2, 562.º e 799.º do Código Civil, n.º 1 do art. 9.º do DL n.º 441/91, de 14 de Novembro, art. 3.º do DL n.º 324/95, de 29 Novembro, Port.ª n.º 197/96, de 4 de Junho, que procedeu à transposição das directivas comunitárias do Conselho n.º 91/92/CEE de 03/11 e 92/104/CEE de 03/12.

    7.ª Deve o recurso merecer provimento, concedendo-se REVISTA.» A ré não contra-alegou.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.

    ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista devia improceder, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

  2. Corridos os vistos, o processo foi, entretanto, redistribuído, por jubilação do primitivo relator, tendo o novo relator determinado a recolha de novos «vistos».

    No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: – Se ocorreu erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto (conclusões 1.ª, 2.ª e 7.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista); – Se o acidente de trabalho ocorreu por falta de observância das regras de segurança no trabalho, por parte da empregadora (conclusões 3.ª a 6.ª e 7.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista).

    Tudo visto, cumpre decidir.

    II 1.

    O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) A autora é mãe do sinistrado CC, falecido em 17/9/2001, sem descendentes ou disposição de última vontade, sendo o outro progenitor EE; 2) A autora e o pai do sinistrado são os únicos e universais herdeiros deste; 3) Em razão do acidente aqui invocado, foi já fixada uma pensão, em benefício da autora, nos autos 423/01, [do] 2.º Juízo [do tribunal de 1.ª instância]; 4) A ré é uma sociedade com um capital de 1.000.000 euros, titulado por acções, com a matrícula n.º 209 da Conservatória do Registo Comercial de Pombal, que se dedica a exploração e comercialização de inertes (pedreira), tendo uma unidade de exploração e produção junto à localidade do ..., na zona da Serra de Sicó; 5) Naquela exploração, diariamente, movimentam-se pessoas e circulam máquinas de grande porte, veículos pesados, «dumpers», trabalhadores e clientes, que ali abastecem e carregam pedra, brita e pó de pedra, nomeadamente para a construção civil, estradas, betão pronto e outros fins; 6) Por contrato de trabalho junto aos autos, reduzido a escrito em 17.09.2001 e a termo certo, o sinistrado CC foi admitido ao serviço da ré; 7) Para, sob a autoridade, direcção, fiscalização e subordinação económica, exercer e desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de manobrador de equipamento, bem como outras tarefas determinadas pelo empregador; 8) Com a prestação de quarenta horas semanais, de segunda-feira a sexta-‑feira, das 7h30 as 12h00 e das 13h00 às 17h00, com interrupção de uma hora para almoço; 9) Na ocasião do acidente, em 17/09/2001, pelas 12,00 horas, o sinistrado CC conduzia um veículo «Dumper» (marca Volvo, modelo BM A 25), veículo com o peso de cerca de uma tonelada e uma carga bruta superior a 15 toneladas [redacção alterada pelo Tribunal da Relação]; 10) O sinistrado devia fazer circular aquele veículo carregado na zona da pedreira, das instalações sitas em ... – Pombal, seguindo em sentido ascendente até à zona da exploração, onde carregava pedra e pó de pedra, que depois transportava em sentido descendente, da encosta poente da Serra de Sicó até à base desta, percorrendo um caminho sem qualquer sinalização; 11) O «Dumper» acabou por se despenhar na ribanceira, de uma altura de cerca de vinte e cinco metros, quase na vertical, ficando bastante danificado e com a carga espalhada; 12) O sinistrado caiu totalmente desamparado, tendo sofrido múltiplas fracturas ósseas, designadamente ao nível do crânio, traumatismos e fortes hemorragias internas, que foram causa directa e necessária da sua morte; 13) O sinistrado CC acabou por vir a falecer, devido à descida completamente desgovernada e queda da viatura que conduzia e onde se transportava, em razão das lesões sofridas e pese embora tivesse sido socorrido pelo INEM e transportado ao Hospital Distrital de Pombal pelos Bombeiros Voluntários; 14) No hospital, veio a ser constatado o óbito e realizada a autópsia do sinistrado; 15) O CC era um jovem adulto, alegre, robusto e saudável, sem antecedentes médicos ou cirúrgicos; 16) Era trabalhador, muito activo e dinâmico; 17) Na tentativa de conciliação — folhas 248/249 dos autos — a ré disse «que não aceita conciliar-se por entender que há caducidade do direito à acção e por não haver, por banda da empresa, violação de qualquer regra de segurança»; 18) A autora é de condição modesta, sobrevivendo apenas com a pensão referida em C) [correspondente ao facto 3)]; 19) O percurso referido em J) dos Factos Assentes [correspondente ao facto 10)] era em terra batida; 20) O «Dumper» em causa tinha mais de 4 anos de uso continuado; 21) O sinistrado procedia ao transporte de uma carga de pedra e pó de pedra, no sentido descendente, pela encosta, entrando em total descontrolo de condução, desgovernado; 22) A zona do circuito em que o sinistrado laborava quando sofreu o acidente não tinha, à data dos factos, qualquer protecção ou resguardo — resposta ao quesito 12.º [redacção alterada pelo Tribunal da Relação]; 23) Logo no primeiro dia, foi destinado ao sinistrado o trabalho de condução de um veículo com um peso total, em carga, superior a 15 toneladas e com mais de 4 anos de uso continuado, para fazer, designadamente, um percurso ascendente, quando em vazio, e um percurso inverso, descendente, quando carregado, não sendo uniforme a inclinação de tal percurso; 24) A ré não deu formação ao sinistrado, apenas se assegurando de que este já tinha experiência laboral anterior com o mesmo tipo de veículos; 25) O sinistrado CC tinha gosto pela vida e era amigo dos seus pais...

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