Acórdão nº 1589/09.4TAVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelPAULA GUERREIRO
Data da Resolução18 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal no processo nº 1589/09.4TAVLG.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1 – Relatório Nos autos de processo comum nº 1589/09.4TAVLG do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, foi ao abrigo do disposto no art. 311 do CPP proferido despacho que decidiu rejeitar a acusação deduzida pelo M.Público por manifestamente infundada: «porque os factos imputados ao arguido B… na acusação pública contra ele deduzida, a fls. 98 a 100, pelo do Ministério Público são insusceptíveis de integrarem a prática de um crime previsto e punido pelo art.º 348, n.º 1, alínea b), do Código Penal.» Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o M. Público extraindo-se da motivação e conclusões do seu recurso os seguintes argumentos: O tipo penal de desobediência surgiu e mantém-se no nosso enquadramento jurídico-criminal, como uma forma de dotar a Administração Pública de um comando que permita o seu funcionamento junto do comum dos cidadãos - cfr. acta da 358ª Sessão da Comissão de Revisão do Código Penal. Do cotejo da respectiva acta se percebe que o referido preceito mantém a sua acuidade, embora de âmbito mais limitado relativamente ao anterior art. 388 do Código Penal, tendo em conta a necessidade de não “desarmar” a Administração Pública portuguesa, impedindo a anarquia no respeito das suas determinações.

É certo que se não defende o alargamento do âmbito da punibilidade a qualquer ordem emanada de agente da Administração, porém, também não concebemos, de igual modo e em antítese, que alguém que recebe uma ordem de uma Mmª. Juíza, em que se lhe impõe o cumprimento de uma obrigação, com a advertência de que não o fazendo incorre em ilícito de desobediência, não possa ser criminalmente responsabilizado pela sua omissão.

Parece-nos não poder interpretar-se o que é indiscutivelmente uma ordem judicial como uma notificação “com carácter informativo”, assim como se impõe concluir que a expressão “fica o arguido advertido de que tem o prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente sentença para entregar a sua carta de condução, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência” – traduz uma inequívoca cominação da prática do crime de desobediência, no caso do não acatamento da ordem proferida, como decorre do próprio texto.

O estatuído no art.500 CPP em nada abala a legalidade formal e substancial da ordem em causa nos autos e proferida no processo nº 432/08.6PBVLG. O simples facto de a lei prever a apreensão coerciva da carta de condução do arguido caso este não cumpra o dever legal de a entregar em nada abala ou belisca a legitimidade da ordem proferida pela Mmª. Juíza, já que esta (apreensão) traduz a mera consequência de decisão judicial transitada em julgado, enquanto a cominação de desobediência visa consciencializar o arguido das suas obrigações de cidadão e evitar o desperdício de recursos da administração no cumprimento coercivo (através da apreensão) daquela decisão jurisdicional baseada no dever de entregar a carta vertido no citado art. 500.

A entender-se de modo distinto, estaremos a incorrer em violação de lei, por desrespeito absoluto ao estatuído no art. 348º, nº 1, al. b) CP, que visa prevenir um “vazio de punibilidade” (segundo Helena Moniz, in “Comentário Conimbricense do CP”, T. III, p. …) e não um vazio de regulamentação. A nosso ver, a punibilidade é um conceito substancialmente diverso do de regulamentação legal, bem mais amplo.

Aliás, a entender-se do modo defendido na douta decisão sub judice, ocorreria um vazio de consequências legais para o incumprimento da ordem de entrega da carta em determinadas circunstâncias, facto ilegítimo e que o preceito incriminador em causa se propõe, efectivamente, acautelar. Na verdade, entendendo-se como vem sendo cada vez mais defendido, que a contagem do período de proibição de conduzir se inicia com o trânsito em julgado da sentença proferida e não com a sua efectiva apreensão, e dado o volume processual pendente dos tribunais que o legislador bem conhece, poderia em muitas circunstâncias ocorrer que, quando o OPC estivesse em condições de apreender o título de condução, já estaria terminado ou próximo do fim o período de proibição de conduzir judicialmente fixado, frustrando em absoluto a previsão legal.

A interpretação sistemática e em globo do sistema jurídico convocado para a matéria em apreço não poderá deixar de inculcar diversa decisão da ora em causa, perfilhando-se a interpretação constante da acusação deduzida, por forma a compatibilizar sistematicamente o estatuído no art. 69 nº 4 do Código Penal - comunicando ao MP o facto de o arguido não ter entregue a carta em 10 dias - tal comunicação pressupõe a cominação do crime de desobediência, sob pena de irrelevância do preceito legal – cfr. também neste sentido Ac TRLx de 24/03/2010, in www.dgsi.pt.

O art. 160 do Código da Estrada (CE) prevê no seu nº 4 “a punição por desobediência, se o condutor não proceder à entrega da carta ou licença de condução nos termos do número anterior…” para cumprimento de inibição de conduzir decorrente da aplicação de contra-ordenação grave ou muito grave. Seria incompreensível e, a nosso ver, ofensiva do senso comum, uma interpretação jurídica que permitisse a punição por crime de desobediência do agente que não entregasse a sua carta de condução para cumprir inibição de conduzir decorrente de aplicação de contra-ordenação grave ou muito grave, mas já não permitisse tal punição por o agente ter sido condenado pela prática de um crime estradal punido com pena acessória de proibição de conduzir.

Tal significa(ria), em abstracto, que uma mesma ordem poderia ser legítima (e produzir consequências penais) desde que emanada de uma autoridade administrativa (art. 169º nº 4 CE) e relativa a matéria contra-ordenacional, mas já seria ilegítima e insusceptível de qualquer efeito penal se, (a mesma ordem e) relativamente a factos idênticos mas com natureza criminal fosse emanada pelo Mmº Juiz de um processo penal.

Cremos que os elementos histórico e sistemático da interpretação da lei (com manifesto apoio no elemento literal), impõem que se considere que o agente incorre na prática do crime de...

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