Acórdão nº 1179/08.9TBSTC.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução10 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- “AA”, Unipessoal Lda, com sede na Rua......, V....., propôs a presente acção com processo ordinário contra “BB”, residente na Rua …, …, Santiago do Cacém, pedindo a condenação desta na restituição da quantia de € 213.328,69 acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que a R. foi a única sócia e gerente da A. durante um período de tempo, entre 27/8/2004 e 17/12/2007, e após o falecimento do seu marido a única quota ficou a pertencer, em comum e partes iguais à R. e aos dois filhos, mantendo-se a R. como única gerente. Em 20 de Dezembro de 2007 (período em que a quota única pertencia em comum e partes iguais à R. e aos dois filhos) a R. reuniu e referindo a presença da totalidade do capital, deliberou sozinha a distribuição, a si mesma, a título de dividendos do montante de € 213.328,69 que seriam os resultados do balancete das contas até Novembro de 2007 que refere ter sido analisado. E na sequência dessa deliberação, em 26/12/2007, procedeu à transferência bancária da conta da A. no BPI para si mesma a quantia de € 213.238,69. Os sócios contitulares da quota única, “CC” e “DD”, não estiveram presentes na assembleia nem deliberaram qualquer distribuição de "lucros" ou de bens da sociedade. A deliberação em causa é ilícita e violou o princípio da intangibilidade do capital social e, por isso, a sócia, a R., que os recebeu deve restituí-los à sociedade.

A R. contestou, alegando, em síntese, que por força da cessão de quotas referida, esta ficou a pertencer à sociedade “EE” que a adquiriu pela quantia de € 1.655.408, que esta sociedade deu consentimento expresso à distribuição de dividendos referida, sendo que o actual gerente da A. é precisamente o gerente daquela sociedade. Em 18 de Janeiro de 2008 a R. entregou à A. um cheque de € 42.647,73 para pagamento da retenção na fonte referente aos dividendos distribuídos. Aceita que os demais contitulares da quota única não estiveram presentes na assembleia em que foi deliberado a distribuição de lucros, mas na escritura de cessão de quota deram o seu acordo a esta deliberação, pelo que o assentimento escrito desta deliberação, ainda que posterior, produz a sanação da irregularidade que existiu. Não houve violação da intangibilidade do capital social pois aquando da cessão de quota a A. tinha no banco a quantia de € 51.411,14 enquanto o seu capital social é de € 5.000,00 o que obriga a reservas obrigatórias de € 2.500,00.

Termina pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido e ainda que a A. seja condenada como litigante de má fé em multa e em indemnização a pagar-lhe por danos patrimoniais (honorários e demais despesas) e não patrimoniais em valor não inferior a € 75.000,00.

A A. respondeu à contestação e, depois de considerar a extemporaneidade da contestação, alegou que a R. confunde a A. e a sociedade “EE” e, reafirmando o referido na petição inicial, pede a improcedência das excepções suscitadas e do pedido de condenação como litigante de má fé.

Entendendo-se que o processo continha elementos para tomar uma decisão, proferiu-se despacho saneador/sentença (art. 510º nº 1 al. c) do CPC), que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí por acórdão de 30-6-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista excepcional pela Formação de Juízes a que alude o art. 721º A nº 3 do C.P.Civil, com efeito devolutivo.

A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- No julgamento da presente revista deverão ser tidos em conta os dois documentos juntos com a apelação, que o Tribunal da relação de Évora pura e simplesmente ignorou, acrescendo assim o seu teor à matéria de facto considerada assente.

2ª- Todos os factos considerados assentes pelas instâncias dão-se aqui por integralmente reproduzidos.

3ª- Está provado que a única quota da sociedade "AA", Unipessoal, Lda à data da deliberação de distribuição dos alegados dividendos pertencia, em conjunto, à recorrida e aos seus dois filhos.

4ª- A recorrida deliberou sozinha a distribuição dos alegados lucros que atribuiu a ela mesma em exclusivo, enquanto alegada titular única da única quota da recorrente.

5ª- Os demais titulares da quota, não estiveram presentes, nem representados em assembleia, nem ficou provado que algo tivessem recebido em consequência de tal deliberação.

6ª- A recorrente só teve conhecimento da acta onde constava tal deliberação após lhe ter sido entregue o respectivo livro de actas, em 27/12/2007.

7ª- Da declaração unilateral de garantia prestada por todos os cedentes, recorrida e filhos, na escritura pública de cessão de quota, entre outras, consta: «Que não se encontra pendente nem prevêem que venha a ser intentada qualquer acção que afecte o seu património ou a sua situação económico-financeira, com excepção do levantamento efectuado pelos primeiros outorgantes dos saldos bancários e do saldo de caixa da sociedade existentes até 27 de Dezembro de 2007, a título de distribuição de dividendos».

8ª- De tal declaração não resulta qualquer manifestação de concordância com tal deliberação, mas antes o reconhecimento de sobre tal deliberação pudesse vir a ser intentada acção judicial.

9ª- A declaração efectuada pelo gerente da cessionária, "“EE”, LDA", «Que tem conhecimento do levantamento já efectuado pelos Primeiros Outorgantes dos saldos bancários e do saldo de caixa da sociedade existentes até 27 de Dezembro de 2007, a titulo de distribuição de dividendos, facto a que não se opõe, em nome da sua representada», apenas vincula a sociedade Cessionária, sua representada e nunca a própria Recorrente, enquanto pessoa jurídica distinta daquela (art. 5° do C.S.C.) 10ª- A transferência bancária da conta da Recorrente para a conta da Recorrida no montante de 213.238,69 euros, para nesse mesmo dia pagar a sua divida à Recorrente no montante de 166.493, 16 €, tudo no dia imediatamente à data da celebração da escritura pública de cessão de quota é uma alteração relevante na situação económico-financeira da Recorrente.

11ª - Os cedentes declararam na escritura pública de cessão de quota ter levantado saldos bancários e saldo de caixa e não lucros distribuíveis.

12ª- Os cedentes declararam igualmente que efectuaram tais levantamentos de saldos bancários e saldo de caixa da sociedade existentes até 27 de Dezembro e não até Novembro de 2007, data a que alegadamente se reportou a deliberação de distribuição de bens da sociedade (cfr. Cópia da acta) 13ª- Os cedentes tiveram o cuidado de nunca referirem qual o valor levantado! 14ª- Não pode considerar-se que o teor da deliberação tomada pela Recorrida e constante da respectiva acta inserta no livro de actas da assembleia geral da sociedade não pode ser afastado pelo facto dos filhos e da Recorrida vir a declarar posteriormente numa escritura pública que efectuaram um levantamento, quando de tal acta e dos demais documentos juntos aos autos (extractos bancários) se conclui, de forma evidente, o contrário.

15ª - Não tem assim aplicação ao caso concreto o disposto no art. 222°, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais.

16ª- Não houve pois qualquer ratificação e/ou consentimento dos filhos da Recorrida, co-titulares da quota única da Recorrente, pelo que foi violado o art.

31°, n° 1 do Código das Sociedades Comerciais, o que determina a nulidade da deliberação tomada pela Recorrida. Acresce que, 17ª- Refere o acórdão recorrido que, "Quanto ao mérito da deliberação da distribuição de dividendos, registe-se que a mesma teve em consideração o balancete até Novembro de 2007 e resultados transitados".

18ª- Dos artigos arts. 32° e 33° do Código das Sociedades Comerciais resulta, em síntese, que não podem ser distribuídos aos sócios quaisquer bens da sociedade quando a situação líquida desta for inferior à soma do capital e de reservas não distribuíveis.

19ª- Ou seja, se o balanço (sublinhado nosso) evidenciar que o património líquido é inferior à soma do capital social com as reservas, a sociedade está, em termos patrimoniais, numa situação de prejuízo, pelo que não poderá distribuir dividendos aos sócios. Se o contrário se verificar, uma vez que a situação é constatada em face do balanço (que é o documento contabilístico que evidencia a situação patrimonial da sociedade), pode a sociedade ter lucros de balanço de duas proveniências: lucros de exercício; e reservas distribuíveis, ou seja, lucros entesourados em exercícios anteriores sob a forma de reservas susceptíveis de serem distribuídas pelos sócios.

20ª- Em regra, os...

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