Acórdão nº 49/08.5GDAVR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução04 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo sumário n.º 49/08.5GDAVR do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, na comarca do Baixo Vouga, o arguido RD...

, devidamente identificado nos autos, por sentença transitada em julgado e datada de 20 de Maio de 2008, foi condenado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano.

Em 30/11/2010, foi revogada tal suspensão da pena de prisão, determinando-se que o arguido cumpriria a pena em causa em regime de dias livres, num total de 30 períodos, com entrada no EP às 8 h de Sábado e saída às 20 h de Domingo.

2. É deste despacho judicial que vem recorrer o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «I- Nos presentes autos foi ora recorrente julgado e condenado por sentença transitada em julgado a 19/06/2008, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.° do Código Penal, numa pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano.

  1. Durante o período de suspensão, o arguido foi julgado e condenado no âmbito do processo n.º 119/08.OGDVAR, por sentença transitada em julgado a 09/0 1/2009, pela prática em 11/09/2008 de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353° do Código Penal, em pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 6,00 Euros.

III- Na medida em que o crime de violação de imposições, proibições ou interdições foi praticado no decurso do período de suspensão da pena de prisão aplicada nos presentes autos, e depois de ouvido o arguido, foi revogada a suspensão da pena em que o ora recorrente foi condenado — 5 meses de prisão —, ordenando-se o seu cumprimento, mediante o regime da prisão por dias livres, nos termos do artigo 45º do Código Penal.

IV- Ora, sem qualquer desprimor pela Meritíssima Juíza a quo, não pode o recorrente concordar com a revogação da suspensão da pena, nem sequer com a medida da pena aplicada.

V- Ademais o despacho em crise enferma de nulidade, nos termos do artigo 379º, n.° 1 al. c) do Código de Processo Penal, porquanto o despacho de que se recorre é omisso na pronuncia relativa à apreciação concreta e de fundamentação específica da eventualidade de aplicação de uma pena substitutiva, nomeadamente não privativa de liberdade.

VI-- A revogação da suspensão da execução da pena consubstancia uma decisão que tem que ser norteada, enquanto decisão que determina ao cumprimento de uma pena de prisão, pelos princípios consagrados no artigo 71º do Código Penal.

VII- Assim, e por a decisão versar sobre matéria de direito, deve expor os fundamentos da medida da pena a aplicar, nos termos do n.º 3 do artigo 71º do CP.

IX[1]- Ora, preceitua o artigo 70.° do Código Penal, que a escolha da pena a aplicar deve ser feita, dando preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição que se consubstanciam nos termos definidos no n.° 1 do artigo 40.° do mesmo diploma legal.

X- A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade — vide artigo 40.°, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

XI- O recorrente, pese embora tivesse praticado um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, teve a oportunidade de esclarecer que esta havia sido um facto isolado, e que a sua prática, de per si, não desbaratou de forma definitiva as finalidades da suspensão.

O CRC do recorrente comprova que aquele foi um acto isolado, porquanto o recorrente tem vindo desde então a ter uma vida conforme ao direito demonstrando respeito pelas mais elementares regras de convivência em sociedade XII- Com o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo fez tábua rasa das declarações do arguido, e ora recorrente, relativamente à sua situação familiar, profissional e de saúde, em clara violação do artigo 71º, n.º 2 do CP.

XIII- O ora recorrente encontra-se devidamente integrado na sociedade, sendo trabalhador exemplar da empresa “E…, Lda.”, desde Agosto de 2001.

XIV- Além disso, o ora recorrente tem vindo a atravessar graves problemas de saúde, estando a ser seguido no Hospital da Universidade de Coimbra, E.P.E., por lhe ter sido diagnosticado uma Miocardiopatia Dilatada com Disfunção Ventricular Severa e Insuficiência Cardíaca.

XV- Decorrência deste problema de saúde, tem o arguido vindo a ser internado para ser sujeito a exames, encontrando-se inscrito na lista de espera para a realização de um pré-transplante cardíaco, tendo, inclusive, já sido sujeito a intervenção cirúrgica para a colocação de um «pacemaker» em virtude da sua insuficiência cardíaca — vide documentos comprovativos da situação clínica e laboral do ora recorrente oportunamente junta aos autos.

XVI- Não se conforma o ora recorrente com a mera verificação da prática de um crime no decurso da suspensão da execução da pena, para afastar o dever de ponderação dos pressupostos da aplicação de uma pena substitutiva, nomeadamente por uma pena não preventiva da liberdade.

XVII- O tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 1 ano, terá sempre de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da aplicação de urna pena substitutiva.

XVIII- Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, entende o ora recorrente que o Tribunal “a quo” foi completamente omisso na eventual opção por uma pena que não pusesse em causa a sociabilização do recorrente, designadamente trabalho a favor da comunidade.

XIX – A não apreciação e fundamentação pelo tribunal a quo da eventual verificação dos pressupostos da aplicação de uma pena substitutiva traduz-se, em nosso entender, numa omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.°, n.° 1, al. c), do CPP, logo, numa nulidade do despacho.

XX- Acresce ainda que o Tribunal “a quo”, ao não ter ponderado convenientemente as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente o facto de o ora recorrente se encontrar perfeitamente inserido na sociedade, sendo a sua conduta pautada pelo estrito respeito pelas mais elementares regras de convivência em sociedade, não considerando a sua situação laborai estável e descurando a sua situação de saúde debilitada, clinicamente comprovada nos autos, violou o princípio da proporcionalidade que deve sempre nortear a decisão de escolha da pena a aplicar ao agente.

XXI- O cometimento de novos crimes, no decurso da suspensão, não determina a revogação automática da suspensão — vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11/01/2006 (Desembargadora Isabel Pais Martins) entre outros.

XXII- A decisão de revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão, deve ser uma decisão ponderada e proporcional, considerando que as consequências do cumprimento de uma pena de prisão, em certos casos, pode ter um efeito inverso ao que se pretende com a aplicação de uma pena de prisão.

XXIII- Ou seja, se a decisão de aplicação de uma pena de prisão, não for uma decisão norteada pela ponderação e proporcional a todos os circunstancialismos sociais, laborais e clínicos do agente, em vez de o reintegrar socialmente, pode ter um efeito nefasto.

XXIV- É esse, aliás o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 26/05/2010, no processo 73/05, onde é Relator o Venerando Desembargador Eduardo Martins: “Na verdade, estando em causa a privação da liberdade do arguido, o Tribunal deve ser cauteloso e ponderado antes de tomar qualquer decisão, impondo-se como a lei manda, ouvir sempre o arguido e proceder à recolha de prova. Afastado o efeito automático que a condenação por crime doloso, no período de suspensão, tinha sobre a revogação da suspensão da pena [modelo vigente até ao Código Penal de 1995], o tribunal não pode precipitar uma decisão tão gravosa como é a reclusão prisional sem avaliar, em concreto, as circunstâncias em que ocorreu a prática do novo crime e a actual condição de vida do arguido, de forma a aquilatar se as finalidades que justificaram a suspensão da execução da pena alcançadas, ou foram definitivamente desbaratadas”.

XXV - É o modesto entendimento do ora recorrente, com o devido respeito por opinião contrária, que o douto Despacho proferido pelo Tribunal “a quo” violou o artigo 56.°, n.° 1 al. b) do Código Penal porquanto não basta a mera constatação da prática de um crime no decurso da suspensão da execução da pena de prisão, necessário se torna verificar se, na realidade, as finalidades que estiveram na base da suspensão ainda podem ser alcançadas.

XXVI - Com o instituto da suspensão da pena, a lei visa, não é demais relembrar, essencialmente, o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes — artigo 50.°, n.° 1, do Código Penal. Logo, é a prognose favorável de socialização e de “prevenção da reincidência” que determina a suspensão da execução da pena, e só a demonstração da sua posterior negação ou dissipação poderá determinar a revogação da pena.

XXVII – Ora, com o devido respeito no caso concreto o Tribunal a quo não cumpriu o dever de fundamentação, pois não relaciona os factos entre si e com a personalidade do arguido, nem avalia o impacto que a nova condenação teve sobre as finalidades que haviam justificado a suspensão da execução da pena.

XXVIII - O que está aqui em causa é saber se o crime cometido pelo ora recorrente no decurso do período da suspensão da execução da pena, contradiz a finalidade dessa mesma suspensão, tornando-a inalcançável. Isto é, saber se a revogação é a única forma e a última ratio de lograr a consecução das finalidades...

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