Acórdão nº 0605/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução27 de Abril de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…, requereu no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Lisboa a intimação do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) a satisfazer, integralmente, o pedido, que lhe dirigira, em 29/10/2009, de cópias ou certidões de documentos referentes a processos disciplinares em curso ou findos no MNE, assim como a consulta de diversos documentos igualmente constantes naqueles processos disciplinares.

Por sentença de 29/01/2010, o TAF indeferiu o pedido, por ter considerado justificada a recusa do MNE, na medida em que os documentos, cuja consulta se requeria, continham matéria classificada e ainda porque continham referências que considerou abrangidas pela reserva da intimidade da vida privada, não sendo possível expurgá-las de modo a permitir a consulta por parte do Autor (A.) requerente.

Inconformado, este interpôs recurso para o Tribunal Administrativo-Sul (TCAS) que, por Acórdão de 27/05/2010, confirmou a decisão recorrida, na parte em que indeferiu o pedido respeitante a matéria classificada do MNE, mas revogou-a, no restante, e decidiu intimar o MNE a fornecer ao A. cópia simples ou certidão de diversos documentos, que são identificados a fls. 382 dos autos, expurgados de dados nominativos que pudessem conter.

Desse acórdão do TCAS, o MNE veio, então, recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150°, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Apresentou alegação (fls. 410 a 425, dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões: A. Está em causa nos autos a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão de recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

B. Efectivamente, o aresto de que ora se recorre entende que, apesar de os elementos solicitados pelo jornalista, aqui Recorrido, com o objectivo de preparar uma peça jornalística, estarem em segredo de justiça, quer por via dos artigos 86.º do Código Penal e artigos 167.º e 168.º do Código de Processo Civil, artigo 6º, n.º 2 da LARDA e por imposição constitucional (artigos 20º, n.° 3 e 268.º, n.° 2), os mesmos devem ser facultados pelo MNE, expurgando-se os dados nominativos (nome, função e posto dos visados); C. Ora a questão jurídica que importa conhecer é a de saber se - uma vez expurgados os dados nominativos (o nome, função e posto dos visados) nos documentos que fazem parte de processos disciplinares e que o ora Recorrido solicita a consulta e ou reprodução, documentos esses que posteriormente integraram um processo penal ou um processo administrativo - a Administração (MNE) tem o dever de os facultar: i) por se entender, como entendeu o Tribunal a quo, que o acesso a cópia desses documentos que está na posse da Administração não viola os artigos 86.º do Código Penal, artigos 167.º e 168.° do Código de Processo Civil, artigo 6º, nº 2 da LARDA e ainda os artigos 20.º, n.º 3 e 268.º, n.º 2 da CRP; ou, ao invés, ii) e como é entendimento do ora Recorrente, que, logo que os documentos sejam juntos aos autos de um processo judicial (criminal ou administrativo), a cópia ou o original que fica, eventualmente, na posse da Administração deixa de estar sujeita ao principio da Administração aberta (artigo 65.º do CPA e 5.º da LARDA) e, consequentemente, o MNE está legal e constitucionalmente impedido de facultar a informação, ainda que expurgando o elementos nome, função e posto do visado, dos documentos que o ora Recorrido requer a consulta ou cópia; D. É expectável que esta questão se venha a colocar com frequência, sendo, portanto, de utilidade para outras situações que venham a ocorrer no futuro, porquanto, se verifica um inegável crescimento de pedidos de consulta a documentos na posse na Administração Publica a par de processos judiciais, cujos documentos solicitados são juntos aos autos por imposição legal; E. O Supremo Tribunal Administrativo já teve oportunidade de se pronunciar em sede de restrições de acesso aos documentos em posse da Administração, todavia, não se pronunciou sobre ainda sobre a situação dos autos, ie, em que moldes e quais os limites do segredo de justiça no que respeita aos documentos que foram juntos a processos judiciais e em relação aos quais a Administração tem, eventualmente, cópia ou original; F. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos também já se pronunciou considerando não serem de disponibilizar os documentos; G. A Administração está vinculada ao cumprimento do bloco de legalidade, ficando, em certos casos e por efeito da Constituição e/ou, da lei, impossibilitada de transmitir a informação aos requerentes da mesma, nos termos e para os efeitos dos artigos 167.º e 168.º do Código de Processo Civil e por imposição constitucional (artigo 20.°, n.º 3) sob segredo de justiça, impendendo sob o ora Recorrente o dever de não os disponibilizar (artigo 11. °, n.º 2 do CPTA).

H. Nesta data, todos os documentos que foram solicitados pelo ora Recorrido, foram copiados e entregues nos Tribunais, por exigência legal e na sequência de impugnações judiciais das penas disciplinares aplicadas ou (num único caso) de impugnação judicial de um despacho de arquivamento, em concreto, correm termos: I. Em uma das situações (processo de inquérito n.º 38/08.0ZCLB-07.00, 7ª secção do DIAP do Distrito Judicial de Lisboa e processo judicial que corre termos na 3ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, Processo n.º 2236/09.0BELSB) os documentos solicitados (queixa, acusação e decisão) contêm referências que integram a esfera íntima do visado; J. As cópias dos documentos que foram chamados ao processo penal não podem ser disponibilizados sob pena de o ora Recorrente incorrer, para além de eventual responsabilidade civil, em crime de violação do segredo de justiça (artigo 20.º, n.º 3 da CRP e 86.° do CPP). A não ser assim, ficava gorado o segredo de justiça, pois, permitir-se-ia "fazer sair pela janela o que o legislador proíbe que saia pela porta"; K. Todos os documentos que integram a instrução do processo penal deixaram de poder ser entendidos como incluídos num processo administrativo, para efeitos do disposto no artigo 61° do CPA ou da LARDA (cfr. no mesmo sentido Parecer n.º 140/2007, de 6 de Junho de 2007, Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos). Ou seja, quando os documentos são chamados a um processo judicial ainda que sejam apenas juntas cópias, os documentos que ficaram na posse da Administração deixaram ser entendidos sujeitos ao principio da Administração aberta, para efeitos do artigo 61° do CPA ou da LARDA, pois, entendimento diverso, permitiria facultar a todos os que o solicitassem informações, por via administrativa, que não são admitidas por via judicial, dadas as regras de segredo de justiça que os documentos juntos aos autos estão submetidos; L. Todos aos documentos que foram chamados aos processos administrativos em curso, também seguem regime idêntico ao indicado nas presentes conclusões, pois, todos as processos judiciais estão, por mero efeito da lei (artigos 167.º e 168.º do Código de Processo Civil) e por imposição constitucional (artigo 20.°, n.º 3) sob segredo de justiça, impendendo sob o ora Recorrente o dever de não as disponibilizar (artigo 11.º, n.º 2 do CPTA); M. Em um dos processos que corre termos no Tribunal Administrativo e que o ora Recorrido consultou (após o ora Recorrente ter informado o número desse processo, a unidade/secção onde corre e o tipo de processo em causa), o Tribunal decidiu não facultar o processo administrativo e acedeu na consulta muito limitada aos restantes elementos do processo, decisão com a qual o Recorrido se conformou; N. Em outro processo que o que o ora Recorrido também consultou (após o ora Recorrente ter informado o número desse processo, a unidade/secção onde corre e o tipo de processo em causa), o Tribunal decidiu não facultar qualquer informação ou acesso ao processo, decisão com a qual o ora Recorrido se conformou.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRAO, REQUER-SE; A.) SEJA ADMITIDO O PRESENTE RECURSO DE REVISTA POR SE ENCONTRAREM PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGALMENTE PREVISTOS PARA O EFEITO; B.) SEJA DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE REVISTA E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGADO ACÓRDÃO RECORRIDO E, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, SEJA PROFERIDO ACÓRDÃO QUE NEGUE O ACESSO ÀS INFORMAÇÕES SOLICITADAS, POR TAL RESULTAR DOS ARTIGOS 167.º E 168.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL) E POR IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL (ARTIGO 20.°, N.° 3) SOB SEGREDO DE JUSTIÇA, IMPENDENDO SOB O ORA RECORRENTE O DEVER DE NÃO OS DISPONIBILIZAR (ARTIGO 11.°, N.° 2 DO CPTA).

Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA! O recorrido A… apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões: 1. Não se encontram preenchidos os pressupostos legais previstos no artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para o recurso administrativo extraordinário.

  1. Na verdade, não se encontrando qualquer um dos processos sujeitos ao regime do "segredo de justiça" não existe qualquer motivo pelo qual, o Supremo Tribunal Administrativo se deva pronunciar sobre se, no caso concreto, os documentos devem ou não ser facultados ao Recorrido.

  2. Isto é, defende o Recorrente que, o Supremo Tribunal Administrativo "...ainda não se decidiu em que moldes e quais os limites do segredo de justiça no que respeita aos documentos que foram juntos a processos judiciais e em relação aos quais a Administração tenha, eventualmente, cópia ou original".

  3. Contudo, em momento algum dos autos se alegou ou fez prova que qualquer um daqueles processos se encontrasse efectivamente, sujeito ao regime do segredo de justiça.

  4. Não se encontrando os processos em segredo de justiça, não tem o Supremo Tribunal Administrativo de se pronunciar sobre a questão que o Recorrente levanta no seu recurso de Revista.

  5. Isto é, não se...

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