Acórdão nº 114/09.1GCSEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução27 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO BB...

veio interpor recurso da sentença que decidiu: 1. condená-lo pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; 2.

suspender a execução desta pena pelo período de 2 anos e 6 meses; 3.

condená-lo na pena acessória de proibição de contacto com a vítima AJ..., pelo período de 2 anos e 6 meses, salvo quando procurado e/ou assentido pela mesma tal contacto; 4. julgar totalmente procedente o pedido de indemnização cível formulado pela demandante e, em consequência condenar o arguido/demandado no pagamento de € 5.000,00.

* A sua discordância encontra‑se expressa na respectiva motivação de recurso de onde retirou as seguintes conclusões: 1- Uma vez que o arguido, com o presente recurso, e para além do mais que impugna, pretendia que o tribunal ad quem procedesse à reapreciação da prova gravada (e pretende ainda, obviamente), requereu a entrega de cópia da gravação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, para o que forneceu o competente CD.

2- O dito CD, com a referida gravação, foi-lhe entregue no dia 2 de Dezembro de 2010.

3- No dia 7 de Dezembro de 2010, o mandatário do arguido, ouvindo pela primeira vez a mencionada gravação, a fim de elaborar a parte do presente recurso para a qual o conhecimento da mesma se mostrava necessário, apercebeu-se de que, no que toca aos depoimentos das testemunhas, bem como no que se refere a algumas das declarações do arguido, as correspondentes gravações se encontram, integralmente, inaudíveis, ouvindo-se apenas e só, do princípio ao fim, um enorme ruído e zumbido, não se conseguindo discernir uma única palavra! 4- Face a esta situação, necessário é concluir-se não se ter procedido à exigida documentação de tais declarações.

5- Os depoimentos em questão mostram-se, naturalmente, mais concretamente indicados na parte relativa à fundamentação do presente recurso, com especificação do dia e hora de início e fim de cada gravação em causa.

6- Ora, com a reapreciação da prova gravada, o arguido, obviamente, pretendia, e pretende ainda, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

7- Para tanto, a audição dos depoimentos prestados pelas ditas testemunhas, assim como das declarações do arguido e ora recorrente, seria absolutamente crucial, pelos motivos supra explanados.

8- Tendo em conta o exposto, está o recorrente ilegalmente impossibilitado de impugnar, como era e é sua intenção, a decisão proferida sobre a matéria de facto, vendo assim, e designadamente, postergado o seu direito ao duplo grau de jurisdição em matéria de facto, o que, além do mais, se traduz numa violação flagrante do seu direito de defesa, direito este aliás consagrado no artigo 32º, n.º 1, da própria Constituição da República Portuguesa C.R.P.).

9- Cumpre referir que, nos termos do artigo 363° do C.P.P., «As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade».

10- A não documentação das aludidas declarações constitui pois uma violação legal cominada com nulidade, sendo assim inválida essa documentação, bem como a audiência de julgamento no seu todo, e ainda todos os actos subsequentes, incluindo, naturalmente, a sentença ora impugnada.

11- Nulidade esta que ora pois expressamente se deduz.

12- No dia 27 de Outubro de 2010 realizou-se a terceira sessão da audiência de julgamento, retomando-se a produção de prova, a qual se iniciou com a inquirição da testemunha SM..., prosseguiu com mais declarações do arguido e com os depoimentos das testemunhas, e terminou com a inquirição da testemunha AA....

13- Aliás, que a produção de prova terminou nessa altura, e portanto com a prestação do aludido depoimento da AA..., é algo que não oferece quaisquer dúvidas, até porque tal se encontra expressamente consignado na acta da sessão de audiência de julgamento realizada nesse dia 27 de Outubro.

14- Após a Mmª Juiz para o efeito lhes ter concedido a palavra, o Digníssimo Magistrado do Ministério Público e o Ilustre Mandatário da assistente produziram então as suas alegações, após o que, dado o adiantado da hora (13:00 horas), designou-se para a continuação da audiência as 15:30 horas desse mesmo dia 27 de Outubro.

15- A referida audiência acabou por ser aberta às 16 horas desse dia, tendo começado pela alegação exposta pelo Ilustre Mandatário do arguido.

16- Após tal alegação, e em cumprimento do preceituado no artigo 361° do Código de Processo Penal (C.P.P.), foi dada a palavra ao arguido para, querendo, dizer algo mais em sua defesa, o que fez.

17- Seguidamente, a Mmª Juiz designou o dia 2 de Novembro de 2010 como data para a leitura da sentença.

18- Ora, sucede que, nos termos do disposto no n.º 2 do dito artigo 361°, a discussão é encerrada após as alegações orais e as (eventuais) últimas declarações do arguido.

19- Imediatamente a seguir ao referido encerramento da discussão, ocorrido, conforme se disse, na tarde do dia 27 de Setembro de 2010, o tribunal procedeu à deliberação. Tal aliás o atesta a simples circunstância de, no final dessa sessão, se ter marcado nova data para a continuação da audiência, destinada precisamente à leitura da sentença.

20- E nem poderia ter sido de outro modo, pois, de acordo com o estabelecido no artigo 365º, n.º 1, do C.P.P., «Salvo em caso de absoluta impossibilidade, declarada em despacho, a deliberação segue-se ao encerramento da discussão» - o sublinhado é nosso. E, conforme se pode verificar pela simples consulta das actas da audiência, não se procedeu a qualquer declaração de impossibilidade imediata de deliberação.

21- A leitura da sentença, a qual, normalmente, e nos termos dos artigos 372°, n.º 1, e 373º, n.º 1, ambos do C.P.P., se segue imediatamente à conclusão da deliberação, foi, como se referiu supra, designada para o dia 2 de Novembro de 2010, assim se tendo respeitado o prazo de 10 dias fixado naquele último preceito.

22- Face a tudo quanto se expôs supra, dúvidas não restam de que, no dito dia 2 de Novembro de 2010, a Mm," Juiz deveria, tão só, e conforme aliás havia já decidido, ter procedido à competente leitura da sentença.

23- Embora tal já não fosse preciso, o artigo 373°, n.º 2, do C.P.P., reforça ainda mais esta ideia, ao estipular o seguinte: «Na data fixada procede-se publicamente à leitura da sentença e ao seu depósito na secretaria, nos termos do artigo anterior».

24- Acontece que porém que no dito dia 2 de Novembro de 2010, numa atitude francamente surpreendente, ilegal, inaudita e até bizarra, o tribunal a quo, ao invés de proceder à leitura da sentença, resolveu proferir despacho a proceder a uma alteração, apelidada de não substancial, dos factos descritos na acusação.

25- Face a esta atitude, e mais a mais porquanto o arguido, apanhado de surpresa pelo insólito e inaudito da ocorrência, não prescindiu de prazo para analisar a situação e eventualmente preparar nova defesa, a leitura da sentença acabou mesmo por não ocorrer, tendo o tribunal a quo designado o dia 9 de Novembro de 2010 para a continuação da audiência de julgamento.

26- Ora, resulta de tudo quanto supra se expôs que a aludida alteração dos factos descritos na acusação, fosse ela substancial ou não, jamais poderia ter ocorrido, como ocorreu, após o encerramento da discussão, e muito menos, como igualmente se verificou, após a deliberação e em substituição da designada leitura de sentença! 27- E mais do que isso: atento o disposto nos artigos 358.°, 359.°, e 360.°, n.º 1, todos do C.P.P., e face à própria inserção sistemática dos artigos relativos à alteração dos factos descritos na acusação, é por demais evidente que esta, para ser legalmente admissível, tem de ocorrer durante a fase da produção de prova, e portanto, desde logo, antes das alegações orais! 28- Acresce que, face à concatenação do teor do despacho em que se procedeu à alteração, apelidada de não substancial, dos factos descritos na acusação, com a parte da sentença relativa aos factos provados, verifica-se que todos esses factos, ilegal e inoportunamente alterados, como se demonstrou, foram considerados como assentes, sendo assim por demais evidente estarmos perante uma condenação por factos diversos dos descritos na acusação, tendo tal sido feito fora, como igualmente se viu, dos casos e condições em que tal é possível.

29- Posto isto, e em função do disposto no artigo 379.°, n.º 1, alínea b), do C.P.P., bem como dos preceitos anteriormente citados, é por demais evidente que a presente sentença é nula, devendo tal nulidade ser arguida aqui mesmo, ou seja, em sede do presente recurso (cfr. n.° 2 da citada disposição legal).

30- Esta nulidade sai ainda mais reforçada, atingindo contornos nitidamente kafkianos, pelo facto de o tribunal a quo ter procedido à dita alteração dos factos descritos na acusação, não apenas após o terminus da produção de prova, mas inclusivamente, pasme-se, após as próprias alegações orais e as últimas declarações do arguido! 31- Com a situação acima descrita, o tribunal a quo, não apenas violou pois o princípio da acusação mas também o do contraditório.

32- Sendo indiscutível que o tribunal a quo condenou o arguido, fora dos casos e condições em que tal é legalmente admissível, por factos manifestamente não compreendidos na acusação, resta saber se o conhecimento e julgamento da matéria em questão se traduziu numa alteração substancial ou não substancial da factualidade descrita naquela peça processual.

33- Isto pelo seguinte: caso se chegue à conclusão de que a aludida alteração, ou alguma parte dela, deve ser tida por substancial, então o tribunal a quo violou também, directamente, o estabelecido no artigo 359.° do C.P.P., o que constituirá novo motivo para que a sentença ora impugnada haja de ser considerada nula.

34- Uma vez porém que a nulidade da sentença resulta já inequívoca do supra alegado, não nos deteremos pois muito sobre esta nova questão.

35- Sempre se dirá porém, e na esteira da lição de...

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