Acórdão nº 419/06.3TCFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Abril de 2011

Data07 Abril 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - AA e BB intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra “CC, LDA”, pedindo a condenação desta a abster-se de: - Exercer actividade de restauração e afins na fracção “...” do “Edifício .............”; - Usar um pátio existente no piso 1 desse edifício como esplanada e serventia do restaurante; - Fazer funcionar o motor do exaustor aludido no artigo 19º da petição inicial.

Alegam, para tanto, que são donos da fracção designada pela letra "U", localizada no 2º piso, Bloco 2, do denominado "Edifício ............., em Câmara de Lobos, e que os ruídos e cheiros produzidos pelo funcionamento do restaurante da R., sito na fracção “K” do Bloco 1, piso 1, do mesmo Edifício, quer pelos trabalhadores, quer pelos clientes, tanto dentro do restaurante como na dita esplanada, instalada num pátio que constitui logradouro integrante da fracção autónoma “T”, sita nos pisos -1 e 1 do Bloco 2 e explorado também pela R., lhes retiram a paz, perturbam o sono, a concentração necessária ao estudo dos seus filhos, sendo fonte de “stress” e angústia, potenciando a depressão crónica de que a Autora sofre, sendo que também a utilização do dito pátio afecta a sua privacidade, por permitir a devassa do interior dos quartos da sua fracção que dão para o lado dessa esplanada.

A R. impugnou a existência de ruídos e cheiros que possam perturbar os Autores e filhos, alegando que a instalação do restaurante foi acompanhada de obras de isolamento sonoro e de extracção de fumos e cheiros eficazes e impugnam ainda os incómodos e perturbações invocados. .Alega ainda que, em reunião do condomínio em que a Autora esteve presente, foi aprovada, por maioria, deliberação autorizando a instalação da esplanada no dito logradouro.

Após réplica, teve lugar a audiência preliminar, procedendo-se à organização da base instrutória da causa e indicando as partes as respectivas provas, tendo sido requeridas perícia e inspecção judicial ao local, apresentando os peritos nomeados laudo unânime, que foi objecto de pedidos de esclarecimentos, oportunamente satisfeitos, sendo ainda requerida a presença dos peritos na audiência de discussão e julgamento.

Após realização da audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. abster-se de exercer a actividade de restauração e afins na fracção K do Edifício ............., a abster-se de usar o pátio existente no piso 1 como esplanada e serventia do restaurante, mas julgando improcedente o pedido de condenação da Ré de se abster de fazer funcionar o motor de exaustão do ginásio, absolvendo-a desse pedido.

Inconformada, interpôs a R. recurso de apelação, impugnando, desde logo, a matéria de facto, arguindo nulidades da sentença e questionando a solução normativa do pleito – requerendo os AA./recorridos a ampliação do objecto do recurso, no que se refere a determinados pontos da matéria de facto.

Apreciando tal impugnação, a Relação considerou parcialmente procedentes as objecções formuladas quanto à matéria de facto, mas teve por inverificadas as pretensas nulidades imputadas à sentença.

Relativamente à decisão de mérito, entendeu, porém, a Relação, no acórdão ora recorrido, que: - os factos provados permitem concluir pela violação do direito ao sossego e ao repouso do Autores e dos filhos que com eles vivem, tanto pelo funcionamento do restaurante em espaço coberto, quer em esplanada; - por aplicação e concretização dos critérios enunciados no art 335º do CC para a colisão de direitos, deve considerar- se prevalente o direito ao sossego e ao repouso dos Autores sobre o direito de iniciativa e exploração económica, exercitado pela sociedade R - o que impõe que a R. deva cessar a actividade que vem desenvolvendo no restaurante, quer na sala coberta, quer na esplanada.

Porém, e ao contrário do decidido em 1ª instância, entendeu a Relação que: a situação é susceptível de compatibilização, no que à sala coberta concerne, desde que a R. corrija as deficiências de isolamento acústico que as instalações apresentam, e que tanto o laudo pericial, como os esclarecimentos prestados pelos peritos das partes, permitem concretizar.

Assim, pode a R. substituir o vidro simples de 1 mm de espessura por vidro duplo com caixa-de-ar, em toda a parede que liga a sala coberta do restaurante ao logradouro onde até agora tem instalada a esplanada.

E pode colocar na caixa-de-ar formada entre os tectos falsos de pladur e as coberturas materiais eficazmente isoladores em termos especificamente acústicos, seja lã de rocha, seja outro qualquer disponível no mercado e que melhor assegure o isolamento acústico, isolamento que alegou ter instalado e que se veio a comprovar não existir, tanto no espaço existente fora da estrutura do edifício, como no existente sob tal estrutura.

Alternativamente, pode mesmo substituir os painéis tipo ”sandwich” por outros cujo material dos elementos interiores realize eficaz e especificamente o mesmo tipo de isolamento acústico.

Se dos autos resulta que com a realização de tais modificações é possível eliminar eficazmente a passagem de ruídos das instalações cobertas do restaurante para a fracção dos Autores, não há razão para que se não estabeleça um limite temporal (ainda que sem termo certo) à cessação da actividade de restauração e similar, que assim apenas perdurará até que as mesmas se concretizem.

E daí que conclua: Impõe-se, deste modo, alterar a sentença, na parte em que foi determinada à R. a abstenção de exercício da actividade de restauração e afins na fracção “K” (correspondente à parte coberta do restaurante) do Edifício “.............”, por forma a determinar que tal abstenção perdurará até que se realizem na mesma fracção obras que assegurem eficazmente o isolamento acústico da mesma, por forma a que o exercício de tal actividade não perturbe o direito ao sossego e ao repouso dos Autores e respectivo agregado familiar, nomeadamente substituindo o vidro simples que separa a sala do logradouro em que tem funcionado a esplanada por vidro duplo com caixa de ar e colocando materiais especificamente isoladores acústicos sob a cobertura do restaurante e sob a placa que o separa do piso imediatamente superior, mantendo no mais a sentença.

E, em consonância com este entendimento, julgou parcialmente procedente a apelação, condenando a R. a abster-se de exercer a actividade de restauração e afins na fracção K do Edifício ............. até que se realizem na mesma fracção obras que assegurem eficazmente o isolamento acústico da mesma, por forma a que o exercício de tal actividade não perturbe o direito ao sossego e ao repouso dos Autores e respectivo agregado familiar, nomeadamente substituindo o vidro simples que separa a sala do logradouro em que tem funcionado uma esplanada por vidro duplo com caixa de ar e colocando materiais especificamente isoladores acústicos sob a cobertura do restaurante e sob a placa que o separa do piso imediatamente superior.

  1. Inconformadas com o decidido, interpuseram os AA. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe definem o objecto: 1) A decisão recorrida é inconciliável e contraditória com a matéria de facto definitivamente fixada pelo tribunal "a quo", designadamente com a resposta dada à matéria do quesito 19.° da base instrutória, segundo a qual "O ruído produzido pelos clientes quando estão no restaurante e respectiva esplanada, a sua entrada e saída, a própria azáfama dos funcionários do restaurante e o funcionamento da maquinaria deste, embora variável quanto à sua intensidade, causa desassossego, desconforto, stress e dificuldade em conciliar o sono e consequente perda da qualidade deste, aos Autores, aos seus filhos e neta - resposta ao quesito 19.°, além do mais porque, como é óbvio, quaisquer obras no interior do restaurante seriam sempre inermes relativamente ao ruído produzido, por exemplo, pela entrada, saída e permanência dos clientes do restaurante junto às áreas de acesso e ao impacto ambiental globalmente negativo que está natural e necessariamente associado ao seu funcionamento; 2) A decisão recorrida contraria flagrantemente o princípio do dispositivo, quer no plano da disponibilidade quer no plano da conformação da instância porque a Ré, em todo o processo, jamais se predispôs a realizar obras ou sequer introduziu a questão e formulou semelhante pretensão, defendendo apenas e só que o restaurante funciona numa estrutura com bom desempenho acústico, sem necessidade da realização de quaisquer obras; 3) A solução (salomónica) que o acórdão sob recurso noticia só podia ser enunciada se a Ré, na contestação, em pedido reconvencional, principal ou subsidiariamente, se tivesse proposto realizar obras concretamente adequadas à eliminação da incomodidade experimentada pelos Autores na sua residência, as quais teriam de ser descritas e especificadas, quer quanto aos processos construtivos quer quanto aos materiais a aplicar quer ainda quanto à aptidão do agente executor, caso em que teriam de ser objecto de prova e de averiguação da sua adequação e efectividade na fase da instrução do processo em primeira instância; 4) A Ré acabou por receber uma tutela jurisdicional mais ampla do que aquela que, nos limites do litígio por ela configurado, poderia ser-lhe concedida; 5) A decisão recorrida contraria flagrantemente o princípio do contraditório porque a observância regular dos ditames deste impunha que se facultasse aos Autores a possibilidade de contraditarem e produzirem prova acerca da questão da remoção das...

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