Acórdão nº 912/14.4T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução08 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 912/14.4T8PRT.P1 Da Comarca do Porto – Instância Local - Secção Cível – J5, onde deu entrada em 29/9/2014.

*Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B…, Juiz de Direito, e mulher, C…, Educadora de Infância, residentes na Rua …, n.º …, ..º Esq., Porto, instauraram o presente procedimento cautelar comum contra D…, S.A., com sede na Rua …, n.º ., Lisboa, pedindo:

  1. Que se ordene “que a Requerida cesse de imediato e se abstenha de produzir qualquer emissão de barulhos ou ruídos resultantes da actividade de comércio ou outra no seu estabelecimento sito na Rua …, n.º …/…, Porto, designadamente através de aparelhos de refrigeração, de compressores, de aparelhos de ar condicionado, de aparelhos sonoros, designadamente do altifalante interno, do manuseamento, carga e descarga de mercadorias, maxime através de porta paletes, de vozearia e de passos no respectivo pavimento, e que venham a invadir o interior da habitação dos Requerentes”; b) Que se fixe “a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento das medidas decretadas”.

    Para tanto, alegaram, em resumo, que têm sido vítimas de barulhos causados pela requerida no exercício da sua actividade comercial no seu estabelecimento, sito no piso imediatamente inferior à sua residência, a várias horas do dia e da noite, perturbando o seu descanso, sossego e bem-estar, desde a sua abertura, em Setembro de 2000.

    Foi determinada a citação da requerida, a qual deduziu oposição, alegando, em síntese, que está devidamente autorizada para exercer a sua actividade no local indicado, tem vindo a providenciar pela eliminação ou redução do impacto do seu funcionamento nas habitações, na sequência de queixas apresentadas pelos condóminos, e propõe-se implementar mais medidas; desconhece se o impacto do funcionamento da loja vai ao ponto de perturbar o sossego e repouso dos requerentes, não se justificando qualquer providência. Concluiu pela improcedência da providência requerida ou, para o caso de se concluir pela ofensa de algum dos direitos dos requerentes, que aquela seja substituída por outras que contemplem as medidas que tomará brevemente “ou, eventualmente, por outras que se mostrem mais adaptadas à eliminação dos efeitos dos ruídos e impactos apurados na habitação dos Requerentes”.

    A requerida apresentou, ainda, articulado superveniente, que foi admitido, onde alegou ter realizado todas as obras prometidas no art.º 78.º da oposição, designadamente reforço do isolamento da casa das máquinas, isolamento acústico do corredor e das dependências, colocação do tapete de borracha e aplicação de canópias nos altifalantes.

    Teve lugar a audiência final, após o que, em 16/3/2015, foi proferida sentença que decidiu julgar a providência cautelar totalmente improcedente.

    Inconformados com o assim decidido, os requerentes interpuseram recurso de apelação para este Tribunal e apresentaram a sua alegação com as seguintes conclusões: “1ª-) A Meritíssima Juiz “a quo” fez uma errada subsunção dos factos ao direito, em violação do nº 3 do artigo 607º do C.P.Civil; 2ª-) A fundamentação expendida na sentença é não só de per si contraditória como colide também frontal e flagrantemente com a abundante matéria de facto dada como provada e que implicaria necessariamente a sua procedência; 3ª-) Tendo a sentença recorrida dado como assente que os Requerentes lograram demonstrar os requisitos essenciais plasmados no nº 1 do artigo 362º, a providência deveria ter sido julgada procedente; 4ª-) A sentença recorrida, ao ter decidido que os ruídos provocados pelo funcionamento do estabelecimento comercial da Requerida, impedem os mesmos de repousar durante a noite e que, como tal, se mostra fundado e sério o receio dos Requerentes de que, a persistir tal situação, resulte lesão grave e dificilmente reparável para o seu direito ao repouso, ao descanso e tranquilidade, enquanto manifestação do direito à integridade física e moral e a um ambiente de vida sadio, constitucionalmente consagrado, deveria ter desde logo julgado procedente a providência solicitada, obrigando a Requerida a cessar a produção de tais ruídos violadores dos reconhecidos direitos dos Requerentes; 5ª-) A sentença recorrida, ao ter considerado que a Requerida, já depois de ter sido intentada a presente providência, e após ter sido deduzida oposição, efectuou algumas obras tendentes a minimizar os ruídos alegados pelos Requerentes, mas que, não obstante isso, são ainda perceptíveis pelos Requerentes os ruídos provenientes da actividade da Requerida e que os perturbam de forma séria e grave, e ao não ter decretado a providência solicitada, caiu em evidente contradição; 6ª-) Se a própria sentença sindicanda reconhece que a lesão dos direitos de personalidade dos Requerentes, tais como o seu direito ao repouso, ao sossego e à tranquilidade, se iniciou com a actividade da Requerida, e que a mesma se prolonga até hoje e da qual pode resultar lesão grave e dificilmente reparável para tais direitos, não se entende como veio a final julgar a presente providência improcedente; 7ª-) A sentença recorrida padece de flagrante contradição ou oposição entre a fundamentação e a decisão, que a fere de absoluta nulidade, que importa ser apreciada e decidida, com as legais consequências (cfr. alínea c) do nº 1 do artigo 615º); 8ª-) A sentença recorrida fez uma errada ponderação do conflito de interesses ou de direitos em causa; 9ª-) A sentença recorrida errou ao julgar que a presente providência não poderia ser decretada por ser uma providência abstracta e cuja implementação implicaria a cessação da actividade desenvolvida pela Requerida e, consequentemente, ao encerramento do seu estabelecimento, o que redundaria num sacrifício desproporcionado do direito da Requerida ao desenvolvimento da sua actividade; 10ª-) A sentença em apreço não contém factos, que à Requerida caberia alegar e provar, que permitissem à Juiz “a quo” dizer com a segurança e certeza com que o faz na sentença que a providência, a ser decretada, implicaria a cessação da actividade desenvolvida pela Requerida e, por arrastamento, o encerramento do seu estabelecimento; 11ª-) Em momento algum os Requerentes pediram o encerramento (temporário ou definitivo) do estabelecimento comercial da Requerida, sendo que a Juiz “a quo” leu no pedido formulado o que nele não se continha, bastando ler devida e atentamente o pedido formulado para se inferir que nunca os Requerentes pediram tal encerramento; 12ª-) Os Requerentes apenas pediam nesta providência que se ordenasse que a Requerida cessasse de imediato e se abstivesse de produzir qualquer emissão de barulhos ou ruídos incomodativos para os Requerentes e que se fixasse uma quantia a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento das medidas que viessem a ser decretadas; 13ª-) Atenta a lapidar factualidade dada como provada, e o pedido formulado pelos Requerentes, o Tribunal deveria ter julgado a providência procedente, condenando a Requerida a abster-se de produzir ruídos que perturbam o sossego, o repouso, o descanso e o sono dos Requerentes e da sua filha, sem que tal implicasse necessariamente o encerramento do estabelecimento da Requerida, como sugere o Tribunal recorrido; 14ª-) A sentença recorrida não fundamentou ou justificou, como deveria, por que razão o estabelecimento da Requerida teria que ser encerrado para deixar de produzir ruídos que perturbassem os Requerentes e o seu direito ao descanso, ao repouso e ao sossego; 15ª-) Mesmo admitindo-se estarmos perante uma colisão de direitos, o Tribunal “a quo”, perante a factualidade apurada, e não tendo os Requerentes pedido o encerramento do estabelecimento da Requerida, estava em condições de condenar esta a efectuar as diligências que reputasse de necessárias à cessação da violação reiterada e persistente dos direitos dos Requerentes, já devida e exaustivamente provados; 16ª-) A Meritíssima Juiz “a quo” errou ao acabar por transferir para os Requerentes o ónus de alegar e de provar quais as medidas concretas que a Requerida deveria tomar com vista à cessação da violação dos direitos dos Requerentes em que ela própria ilicitamente incorreu, pois tal ónus não impedia, nem impende, sobre os Requerentes; 17ª-) Os Requerentes alegaram e provaram todos os requisitos plasmados no artigo 362º do C.P.Civil e conducentes ao decretamento da providência requerida, não lhes competindo especificar quais as medidas ou actos que a Requerida deveria ou deve encetar no sentido de cessar a produção dos ruídos invocados pelos Requerentes, e que se continuam a manifestar, como exaustivamente está provado; 18ª-) Tendo os Requerentes logrado provar que a Requerida produz efectivamente ruídos provenientes do estabelecimento comercial situado imediatamente por debaixo da sua fracção autónoma e que tais ruídos, que ainda hoje são perceptíveis, causam nos Requerentes enorme desgaste a nível físico e psicológico, vivendo os Requerentes num estado permanente de sofrimento, ansiedade e irritação, sentindo-se permanentemente cansados, por dormirem pouco, e revoltados com a situação criada pela Requerida, o que se reflecte negativamente, quer nos seus locais de trabalho, quer nas relações inter-familiares, não cabia aos Requerentes alegar e provar, como sugere a sentença recorrida, que medidas em concreto é que a Requerida deveria ou deve tomar para fazer cessar os ruídos perturbadores do sossego e descanso dos Requerentes; 19ª-) A sentença errou ao defender que a presente providência é abstracta, cuja implementação implicaria, de resto, a cessação da actividade desenvolvida pela Requerente e, consequentemente, ao encerramento do seu estabelecimento; 20ª-) Não obstante o lapso de tempo decorrido desde a propositura da acção e a data da prolação da sentença, e pese embora as...

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