Acórdão nº 1017/08.2TAAVR.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução06 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que, alterou a qualificação jurídica dos factos da acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido: - AV..., solteiro, residente na Rua …. .

Sendo decidido: I. Absolver o arguido do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas que lhe era imputado.

  1. Condenar o mesmo arguido como autor material de uma contra-ordenação, p. e p. pelos arts. 81 nºs 1, 4 e 5 b) e 146 m) e 147 nºs 1 e 2 do Código da Estrada, na coima de €600 (seiscentos euros) e na sanção acessória da inibição da faculdade de conduzir por um período de 3 (três) meses.

  2. Por forma a cumprir a sanção acessória atrás decretada, deverá o arguido no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da presente sentença entregar a sua carta de condução na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá a esta Secretaria.

***Desta sentença interpôs recurso o Magistrado do Mº Pº, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objecto: 1. A decisão recorrida viola o disposto nos artºs 292, nº 2 do Cód. Penal e o princípio da descoberta da verdade material.

  1. O art. 292, nº 2 do Cód. Penal preceitua que, incorre em pena de prisão até um ano ou em pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal (conforme punição do nº 1 do mesmo preceito, para o qual aliás se remete), a pessoa que, "… pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer em segurança, por se encontrar sob a influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos análogos perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica".

  2. "Os crimes descritos no art. 292 do Cód. Penal inserem-se nos chamados crimes de perigo comum, os quais resultam de razões de política criminal que acha necessária a intervenção do direito penal para salvaguardar certos bens jurídicos que a nossa sociedade tecnológica põe em perigo, culminando nos crimes que prevêem a violação das regras de segurança das comunicações.

  3. No caso em concreto, trata-se de um crime contra a segurança das comunicações rodoviárias.

  4. Para a verificação do tipo previsto no nº 2 do art. 292 do Cód. Penal, a Lei criou uma cláusula geral penal "não estando em condições de o fazer com segurança" e uma cláusula específica "por se encontrar sob a influência de estupefacientes ... " .

  5. O nº 2 do art. 292 do Cód. Penal, que prevê o crime de condução sob a influência de substâncias psicotrópicas, foi introduzido pela Lei nº 77/2001 e teve por base a proposta de Lei nº 69/VIII, a qual foi discutida em 02.05.2001 e se encontra publicada no Diário da Assembleia da República – Iª Série - de 03.05. e de onde resulta a ratio legis desse mesmo preceito legal.

  6. Decorre da referida proposta de Lei que, com a previsão em causa: a) - se visa criminalizar a condução sob a influência de droga, nos casos em que esta cause uma diminuição da capacidade do condutor e que; b) - este crime passa a constituir um patamar intermédio entre a simples contra-ordenação, prevista no Código da Estrada, e o crime de condução perigosa, já contemplado no Código Penal.

  7. O elemento subjacente à supra referida "cláusula geral penal" de "não estar em condições de o fazer com segurança", não configura um elemento essencial para a descrição factual do tipo de crime, mas sim, uma decorrência da conduta do arguido, 9. Há que ponderar, para o efeito, as circunstâncias da acção, as regras da lógica e senso comum, conjugadas estas com as regras da experiência e aqueles que são os conhecimentos (comuns) dos efeitos do produto estupefaciente nas funções sensoriais do corpo humano.

  8. Das circunstâncias da acção, confessa, resulta o consumo de produto de estupefaciente e a ocorrência de acidente.

  9. O acto da condução, porque fruto de uma vontade humana, está sujeito às vicissitudes da vontade do indivíduo, incluindo aquelas que decorrem do facto de voluntariamente se colocar numa situação em que vê as suas naturais aptidões diminuídas.

  10. É o que sucede com o consumo de estupefaciente.

  11. Esse dado, como se viu, estava na posse do Mmº Juiz, bem como estava, por provado, que ocorreu um acidente de viação.

  12. A ocorrência de acidente não constitui o fim último da condução automóvel, pelo que, naturalmente, esse evento há-de considerar-se anómalo.

  13. Com a matéria de facto provada haveria de ponderar-se, pelo menos, a possibilidade de o acidente se ter devido, exactamente, ao consumo de produto estupefaciente, conhecido que é que tal consumo diminuiu as aptidões para a condução.

  14. Ponderação essa que, de todo, não se fez.

  15. Acresce que, não se provam quaisquer circunstâncias que pudessem ter concorrido para a produção do acidente, nomeadamente circunstâncias relativas á via, ao tráfego, ou ao veículo conduzido pelo arguido, sendo certo que não podemos presumir que tivessem existido ou pudessem existir.

  16. A única conclusão possível, é, pois, aquela de que a causa do embate foi, exactamente, a diminuição das capacidades do Arguido para o acto da condução, Arguido que, como o comum das pessoas, é dotado de uma natural capacidade para a condução (a condução só se ensina a pessoas humanas e não a outros mamíferos, por exemplo, exactamente por aqueles não terem essa capacidade de...

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