Acórdão nº 53/10.3PBMTS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução06 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 53/10.3PBMTS-A.P1)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO 1. No processo sumário nº 53/10.3PBMTS, que corre termos no 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, foi proferido em 15.12.2010, a seguinte decisão judicial: “Promove o Digno Magistrado do M°P° a notificação do despacho que converteu a pena de multa em pena de prisão subsidiária ao arguido através de via postal simples, com prova de depósito, nos termos e com os fundamentos que constam da douta promoção antecedente.

No essencial, entende o M°P° que a argumentação plasmada no Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010 é aplicável no caso dos autos.

Cumpre decidir, desde já adiantando que não só entendemos que o despacho em questão carece de notificação pessoal ao condenado, como tal notificação não poderá ser efectuada através de via postal simples, com prova de depósito.

E para sustentar a primeira afirmação dir-se-á que a pena de prisão subsidiária é uma pena de natureza completamente distinta da pena de multa fixada na sentença, não obstante a pena de prisão se apresentar aqui, como refere Figueiredo Dias (Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Lisboa, p. 147), como uma «sanção (penal) de constrangimento».

Aliás, bastará atentar na circunstância de a pena de multa não ter carácter privativo da liberdade ao contrário daquela. Por outro lado, e se é certo que fixação da prisão subsidiária decorre expressamente de lei - art. 490 nº 1 - a verdade é que a mesma não é aplicada na sentença, o que sempre significa que o condenado não se vê com ela confrontado nessa ocasião (diversamente do que acontecia antes da revisão de 1995 do CP, atento o regime então previsto no art. 46° nº 3). A pena de prisão subsidiária surge, assim, como uma modificação essencial à condenação em pena de multa - tão essencial quanto a sua natureza detentiva - e surge em momento posterior ao da sentença.

E tal circunstância impõe, por força dessa modificação essencial que é introduzida à condenação, que dela tenha pessoalmente conhecimento o condenado e já não só o seu defensor. Ou seja, todas as alterações substanciais ao conteúdo decisório da sentença condenatória, e designadamente as que têm como efeito directo a privação da liberdade do condenado, impõem a adopção de especiais cautelas, quer na perspectiva do respeito pelo princípio do contraditório (que deve ser assegurado antes da respectiva conversão, como explicam, por exemplo, os Acs. RP de 24.10.2007 e de 9.4.2008 e da RC de 14.3.2007, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), quer ainda no que concerne a respectiva notificação.

Neste contexto, mostra-se mais consentâneo com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao condenado o entendimento de que se lhe impõe a notificação de tal decisão, e não apenas ao seu defensor. Por isso se justifica, no caso, a aplicação, não da regra da parte inicial do nº 9 do artigo 113º do CPP, mas das ressalvas da segunda parte desse nº 9, que contemplam diversos outros actos e momentos processuais (acusação, decisão instrutória, designação de dia para julgamento, sentença, aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial, dedução do pedido de indemnização civil, alguns, aliás, de menor gravidade pessoal do que o presente), em que, a par da notificação do defensor, se exige a notificação do condenado.

E este é o sentido também da jurisprudência firmada no Ac. da RP de 20-04-2009, nos termos do qual, “A decisão de conversão da multa em prisão subsidiária tem de ser notificada não só ao defensor, mas também pessoalmente ao condenado”. Com argumentação próxima, e mesmo quanto à pena de multa resultante da substituição da pena de prisão (esta, por força do disposto no art. 43º n°1, já fixada na sentença), decidiu-se, no Ac. da RP de 23-04-2008 que “O despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão por falta de pagamento da multa pela qual fora substituída tem que ser notificado pessoalmente ao condenado” (ambos, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt).

São estas, no essencial e muito sumariamente, as razões pelas quais entendemos que a notificação da decisão de conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária deve ser efectuada pessoalmente ao condenado.

Cumprirá agora saber se tal decisão deve ser notificada através de via postal simples, com prova de depósito, como entende o Ministério Público.

E é com base na argumentação plasmada no Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010, que se pretende ser aqui aplicável tal forma de notificação.

No citado acórdão foi fixado o entendimento segundo a qual «I- Nos termos do n.º 9 do artigo 113.° do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. II- O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada. III- A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoa!’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).» Estando em causa nestes autos a notificação da decisão que converte a pena de multa em pena de prisão subsidiária, logo se pode concluir que diversa é a questão aqui a decidir.

Importa, assim, sublinhar que a jurisprudência fixada no Ac. 6/2010 foi proferida a propósito de “questão de direito” diferente daquela a que se reportam os autos — cfr. art. 437º nº 1 do CPP.

Depois, tal jurisprudência não é obrigatória para os tribunais. Estes podem dela divergir, contando que fundamentem as respectivas divergências, conforme resulta do disposto no art. 445º nº 3 do CPP, cabendo ao Ministério Público o recurso obrigatório dessa decisão — cfr. art. 446°.

E a nossa divergência encontra essencialmente sustentação no entendimento segundo o qual, sendo o TIR uma medida de coacção, são inadmissíveis as notificação posteriores ao trânsito em julgado da sentença condenatória através de via postal simples, com prova de depósito, tal como, de resto, se decidiu no Ac. da RL de 04-06-2008, nos termos do qual “I- As obrigações decorrentes da prestação do termo de identidade e residência extinguem-se, como prevê a alínea e) do n.º 1 do artigo 214° do Código, com o trânsito em julgado da sentença condenatória. II- Não sendo aplicável ao condenado o disposto no artigo 196° do Código de Processo Penal e não existindo qualquer outra norma que preveja a sua notificação através da via postal simples, não pode, quanto a ele, ser adoptada esta modalidade de notificação” (igualmente disponível no mesmo sítio).

É que sendo o termo de identidade e residência uma medida de coacção, a mesma extingue-se, por força da lei, com o trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 214.°, n.º 1, alínea e), do CPP). E a partir do trânsito em julgado, deixa o condenado de estar juridicamente sujeito às obrigações decorrentes da aplicação dessa medida de coacção, designadamente a de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar, ao tribunal, a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado (artigo 196.°, n.º 1, alínea b), do CPP), sendo certo que no caso dos autos nem se poderá ficcionar, como acontece no Ac. de Fixação de Jurisprudência, que “a condenação em pena de prisão suspensa, (...) dela transitará tão - somente a condenação imediata do arguido na pena (substitutiva) de «suspensão da pena de prisão», ficando por transitar - já que dependente de um futuro despacho prévio de revogação da suspensão — a condenação (condicional) em pena de prisão. Assim sendo, a aplicação do artigo 214.° do CPP, «Extinção das medidas de coacção», à condenação em pena de prisão suspensa apenas teria reflexos na condenação imediata (suspensão da pena de prisão), mas já não na condenação mediata (pena de prisão suspensa).” A notificação por via postal simples com prova de depósito impõe que as obrigações decorrentes do TIR se mantenham como juridicamente válidas, O que deixa de acontecer, como já se referiu, com o trânsito em julgado da sentença, por força da genérica extinção das medidas de coacção que ocorre em tal momento processual (artigo 214.°, n.º 1, alínea e), do CPP).

E tal como muito expressivamente se refere no Ac. do Tribunal Constitucional nº 422/05 (consultado em http://www.tribunalconstitucional. Pt/tc/acordaos/20050422.html) “(...) a insubsistência da obrigação jurídica de manutenção da residência declarada e da comunicação imediata da sua alteração toma intolerável que se continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo postal da residência mencionada em termo juridicamente caduco seja meio idóneo de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade do notificando. (...) Para respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia no presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a cognoscibilidade da decisão impugnanda.” E por isso mesmo se decidiu “julgar inconstitucionais, por violação do artigo 32.°, n.° 1, da Constituição da...

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