Acórdão nº 581/08.0TAVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelMOREIRA RAMOS
Data da Resolução06 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 581/08.0 TAVCD.P1 Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial) Origem: Tribunal Judicial de Vila do Conde (1º Juízo Criminal) Espécie: recurso penal (sentença).

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório: No processo supra identificado, por sentença datada de 27/10/2010, depositada na mesma data, e no que ora importa salientar, foi decidido julgar a acusação pública e a acusação particular procedentes e, em consequência, condenar a arguida B…, pela prática, em autoria material e em concurso real: – de um crime de ameaça, p. e p. pelos artigos 14º, nº 1, 26º e 153°, n°1, do Código Penal, na pena de quarenta e cinco dias de multa, à razão diária de dez euros; – de um crime de injúria, p. e p. pelos artigos 14º, nº 1, 26º e 181°, n°1, do Código Penal, na pena de trinta e cinco dias de multa, à razão diária de dez euros; – e, em cúmulo jurídico, na pena única de sessenta e três dias de multa, à mesma taxa diária, o que perfaz o montante global de seiscentos e trinta euros.

A par, decidiu-se julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil e, em consequência: – condenar a arguida/demandada a pagar ao demandante C… a quantia global de quinhentos euros, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa anual de 4%, desde a respectiva notificação para contestar os pedidos cíveis até integral pagamento.

– absolver a demandada do demais peticionado.

Inconformada com a sobredita decisão, veio a arguida interpor recurso da mesma nos termos constantes de fls. 384 a 393 dos autos (via fax, com original a fls. 406 a 415), aqui tidos como especificados.

Na motivação apresentada formulou as seguintes conclusões (transcrição): 1ª – A arguida foi condenada por um crime de ameaça e por um crime de injúria, com base nas declarações do assistente e das testemunhas.

  1. – Os pontos 2, 3, 5 e 8 dos factos provados estão erroneamente julgados porquanto as testemunhas mentiram e os seus depoimentos revelaram-se contraditórios.

  2. – A arguida negou a prática dos factos, depondo de forma coerente, sincera e esclarecedora.

  3. – A prova produzida está cheia de incoerências e discrepâncias.

  4. – O assistente não teve um depoimento sereno, objectivo e coerente como o Tribunal considerou.

  5. – O assistente apresentou novas expressões em sede de julgamento, passados mais de 2 anos e meio da data da prática dos factos, que não se “lembrou” aquando da apresentação da queixa crime, como seria o mais natural.

  6. – Mais se contradiz, quando refere em julgamento que a chamada recebida em 14/02/2008, por volta das 11.00h provêm de um n.° 259, propriedade de um familiar da arguida, quando na queixa havia referido tratar-se de um número privado.

  7. – Pior, na realidade nenhuma das versões vence, pois realmente a chamada foi efectuada do local de trabalho da arguida - “D…”, cujo indicativo é 255!!! 9ª – Tal discrepância assume especial relevância, pois vindo de uma pessoa que estaria a ser alvo de telefonemas ameaçadores, não é credível que o mesmo não se recorde desta discrepância.

  8. – Quanto ao depoimento da testemunha E… revelou-se parcial e comprometido, pois não obstante ter corroborado no essencial a versão do assistente, nomeadamente quanto ao dia e hora dos factos e algumas expressões proferidas, não é credível que o mesmo consiga reconhecer de imediato a voz de uma pessoa com quem falou apenas presencialmente 2 ou 3 vezes.

  9. – Finalmente, ainda que fosse verdadeira a conduta imputada à arguida, tal não seria subsumível no tipo legal do crime de ameaça, pois não era adequada a causar medo ou inquietação, como não causou qualquer receio no assistente.

  10. – No caso vertente não ficou provado o resultado danoso que constituiria o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O Ministério Público apresentou a resposta constante de fls. 425 a 441 dos autos, aqui tida como reproduzida, concluindo no sentido de que deveria ser negado provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida.

Por seu turno, o assistente C… apresentou a resposta constante de fls. 442 a 446 dos autos (via fax, com original a fls. 447 a 450), aqui tida como reproduzida, concluindo no sentido de que o recurso deveria ser considerado improcedente, com todas as consequências.

O recurso foi admitido (cfr. fls. 446 dos autos).

Nesta instância, o Ex.mo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer junto a fls. 461 a 468 dos autos, aqui tido como especificado, tendo sustentado que o recurso não se mostra apto a proceder.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.

II – FUNDAMENTAÇÃO: a) a decisão recorrida: No que ora importa destacar, a sentença recorrida é do teor seguinte: Discutida a causa e com relevância para a sua decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto:

  1. Da acusação pública a fls. 157-159 e do pedido de indemnização civil a fls. 185-187: 1. No dia 14 de Fevereiro de 2008, entre as 10.55 e as 10.58 horas, a arguida B… telefonou do n.º …………, registado em nome de “D…, Lda.”, sita em …, Lousada, local de trabalho daquela desde Janeiro de 2008, para o n.º ………, registado em nome de “F…, e utilizado pelo assistente C…, que, na altura, exercia funções de coordenação na “F…”, delegação de Vila do Conde.

    1. No momento indicado em 1), seguindo em viagem no seu automóvel, para Lisboa, e apercebendo-se que era a arguida quem estava a ligar-lhe, o assistente atendeu a chamada e, colocando-a em sistema de alta-voz, ouviu aquela dizer-lhe, em voz alta, com foros de seriedade e em tom alterado: “Ó C… … não sabe com quem se meteu… sou transmontana…anda a escrever cartas anónimas aos agricultores… já tenho gente que lhe vai tratar da saúde…não tem salvação, eles já sabem quem é…não vai escapar”.

    2. Ao dirigir as expressões referidas em 2) ao assistente, designadamente ao dizer-lhe que lhe iam “tratar da saúde”, que não tinha “salvação” e que não ia “escapar”, a arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, querendo significar que, por si ou com o auxílio de terceiros, atentaria contra a integridade física daquele, sabendo que tais expressões eram adequadas a fazer o assistente recear pela sua integridade física, o que quis e conseguiu. 4. A arguida sabia que a sua conduta supra descrita era proibida e punida por lei.

  2. Da acusação particular a fls. 169-171 e do pedido de indemnização civil a fls. 173-175: 5. No telefonema referido em 1), a arguida disse ao assistente: “você é um cabrão”.

    1. Durante o telefonema indicado em 1), o assistente dizia à arguida que não sabia do que esta estava a falar.

    2. O telefonema referido em 1) foi ouvido pelo Eng.º E…, presidente da direcção da “F…”, que, na altura, era entidade patronal do assistente e seguia de automóvel para Lisboa com este, o qual havia posto o telemóvel em sistema de alta-voz, como indicado em 2).

    3. Ao dirigir ao assistente a palavra “cabrão, a arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, sabendo que tal expressão era adequada a atingir aquele na sua honra e consideração, o que quis e conseguiu.

    4. A arguida sabia que a sua conduta descrita em 5) e 8) era proibida e punida por lei.

    5. O telefonema referido em 1) ocorreu na sequência de anteriores telefonemas anónimos recebidos quer pelo assistente, quer por colegas de trabalho deste, tendo o primeiro ficado perturbado e revoltado com aqueles telefonemas anónimos.

    6. O assistente é uma pessoa educada e goza de boa reputação entre os seus colegas de trabalho e superiores hierárquicos.

    7. Em consequência do descrito em 5) e 8), o demandante civil ficou envergonhado e revoltado naquele momento.

  3. Mais se provou que: 13. A arguida é engenheira agrónoma, auferindo, no exercício dessa actividade, o vencimento mensal de 1.500 €.

    1. A arguida é casada e reside com o marido e o filho do casal, recém-nascido.

    2. O casal reside em casa própria, tendo a seu cargo uma prestação no valor mensal de 1.200 €, atinente ao empréstimo bancário contraído para a aquisição da habitação.

    3. A arguida é licenciada em Engenharia Agrónoma.

    4. Do certificado do registo criminal da arguida nada consta.

    II.2. Factos não provados Não se provaram outros factos com interesse para a justa decisão da causa, designadamente que: Da acusação pública a fls. 157-159:

  4. No telefonema indicado em 1), a arguida disse ao assistente: “…e não se meta com os transmontanos…não sabe o que lhe vai acontecer…se mais alguém receber outra carta…a difamar-me…que eu fui despedida por justa causa…por ter ficado com o dinheiro dos agricultores…nem sabe o que lhe vai acontecer.” Da acusação particular a fls. 169-171: b) Durante o telefonema indicado em 1), o assistente dizia à arguida que não lhe tinha escrito carta alguma e que não lhe admitia o tom de voz nem as palavras referidas em 2) e 5).

    Do pedido de indemnização civil a fls. 173-175: c) O assistente ficou angustiado com a conduta da demandada descrita em 5) e 8).

  5. O descrito em 2), 5) e os telefonemas mencionados em 10) foram objecto de comentário entre os colegas de trabalho do demandante, nos dias que se seguiram.

  6. Em consequência do descrito em 10), a conduta da arguida descrita em 5) e 8) provocou humilhação e angústia no assistente.

  7. O sentimento de revolta mencionado em 11) perdurou para além da data indicada em 1).

    Do pedido de indemnização civil a fls. 185-187: g) O descrito em 2) a 3) causou angústia no demandante civil.

  8. Em consequência do descrito em 1) e 2), o demandante civil receou caminhar e viajar sozinho.

  9. Outros factos, constantes das acusações, dos pedidos de indemnização civil e da contestação, que não se encontrem descritos entre os provados ou estejam em contradição com estes, sendo a demais matéria irrelevante, conclusiva ou de direito.

    II.3. Motivação de facto O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou...

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