Acórdão nº 52/06.0TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Março de 2011
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 24 de Março de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou uma acção contra BB – Comércio de Automóveis, CC e DD, Lda, pedindo: – a anulação do contrato de compra e venda de uma viatura ligeira usada celebrado com as rés, porque ”conheciam ou não deviam ignorar a essencialidade para o autor da veracidade da quilometragem que o 00-00-00 havia percorrido até à data da compra” e a condenação solidária dos réus no pagamento “do montante total do plano financeiro, no valor de de € 21.942,72 por contrapartida da devolução pelo A. do 00-00-00 no estado em que se encontrar”, – ou, em alternativa, a redução do preço de compra, que não deverá exceder € 5.700,00, sendo as rés condenadas solidariamente ao pagamento da diferença e à reparação da viatura.
– Em qualquer caso, a condenação solidária dos réus no pagamento dos encargos financeiros que teve de suportar enquanto esteve impossibilitado de usar a viatura, de outras despesas e de uma indemnização de € 3.000,00 por danos não patrimoniais.
Em síntese, alegou ter comprado a viatura a um dos réus, não podendo determinar a qual, em 20 de Novembro de 2004, pelo preço de € 15.000,00, com financiamento bancário; que, na sequência de avarias sofridas, que os réus se recusaram a reparar, veio a verificar que a quilometragem era muito superior à que constava do contador, que fora falsificado; que a viatura se encontra imobilizada desde Agosto de 2005; que teve de continuar a pagar o empréstimo, o seguro e a renda da garagem onde está guardada; que sofreu vários incómodos.
CC contestou. Impugnou diversos factos e alegou, por entre o mais, ter sido ele o vendedor, ser alheio ao contrato de mútuo invocado, nunca lhe ter sido denunciado qualquer defeito e ter caducado o direito de propor acção de anulação do contrato ou de indemnização; e que, de qualquer modo, a ser decretada a resolução do contrato, deveria ser abatido no montante do preço o correspondente à desvalorização do veículo, € 8.000,00.
Requereu a intervenção principal de EE (corrigido para M..... & P....., Lda.), por lhe ter cedido e posteriormente retomado a viatura. A intervenção foi admitida, mas veio a ficar sem efeito (despacho de fls. 209).
O autor replicou.
Entretanto, faleceu o réu CC, tendo sido habilitados para o substitui os seus sucessores, FF, GG e HH.
Pela sentença de fls. 437, a acção foi julgada improcedente.
Em síntese, o tribunal entendeu não ser aplicável o regime definido pela Lei nº 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), por não ter ficado provado que a viatura foi comprada exclusivamente para uso não profissional e, portanto, cair na alçada dos artigos 913º a 922º do Código Civil; não ocorrer a caducidade invocada pelo réu, mas não ter ficado provado, nem a existência de dolo do vendedor, nem que o vendedor “conhecia ou não devia ignorar a essencialidade do elementos sobre que incidiu o erro”, o que impedia a anulação e a redução do preço e, ainda, a procedência do pedido de pagamento do que pagara no âmbito do empréstimo; não haver prova nem fundamento que sustentasse os demais pedidos.
Todavia, sentença foi a revogada, “na parte impugnada”, pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 513, que decidiu declarar “anulado o contrato celebrado entre o A e o 2º R.” e condenar os sucessores de CC na restituição do que tivesse sido prestado no âmbito da compra e venda, bem como no pagamento ao autor da “quantia de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos) e o que vier a ser apurado correspondente ao reboque da viatura após a sua avaria, absolvendo-os do demais peticionado.” Para o efeito, a Relação alterou alguns pontos da decisão de facto, impugnados pelo autor, e considerou preenchidos os requisitos, quer de relevância do erro sobre o objecto do negócio (artigos 247º e 251º do Código Civil), quer do defeito, no âmbito da venda de coisas defeituosas (artigos 913º e 905º do Código Civil). Concluiu, assim, que devia “ser restituído tudo o que tiver sido prestado”, nos termos do nº 1 do artigo 289º do Código Civil. Deu ainda como provados alguns dos danos patrimoniais invocados pelo autor, mantendo a absolvição quanto aos demais.
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FF, GG e HH recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi admitido como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões: “1. O acórdão da Relação que se recorre ao dar como provado o facto respeitante à essencialidade da veracidade dos quilómetros e consequente preço, como condição do negócio, viola o disposto no art. 342º C. Civil, porquanto sendo um facto alegado pelo A. competia ao mesmo prová-lo, o que não o fez.
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