Acórdão nº 301/18.1T8ORM.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: A intentou a presente acção comum contra R-SA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe 3.890€ a título de danos patrimoniais e 1.500€ a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros moratórios desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em suma, que em 09/04/2016 adquiriu à ré um veículo usado que logo apresentou vários problemas e teve de ser sujeito a várias reparações, sem êxito; em Junho de 2017, na sequência de problemas, entregou o veículo nas instalações da ré, que o levou para uma oficina onde ainda se encontra; o autor acabou por adquirir outro veículo e perdeu interesse naquele veículo, pelo que resolveu o contrato.

A ré contestou, excepcionando a caducidade (embora sem a especificar como tal), porque tinha sido acordado o prazo de garantia de um ano que terminou em 09/04/2017.

Impugnou parte dos factos e dos documentos apresentados: até aquela data assumiu todas as despesas relativas aos defeitos denunciados e procedeu às reparações. Os danos no veículo, de Junho de 2017, devem-se à actuação do autor.

Deduziu reconvenção: caso seja resolvido o contrato e a ré condenada no pagamento de indemnização, deve ser descontado o valor referente à desvalorização do veículo pelo decurso do tempo e dos km efectuados pelo autor no âmbito da utilização da viatura e pelo parqueamento do veículo na oficina.

O autor replicou, impugnando os factos base da reconvenção e das excepções deduzidas.

Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença condenando a ré a pagar ao autor 3.000€ (tendo em conta uma desvalorização de 890€) + 1.000€ de danos morais, acrescidos de juros de mora à taxa legal supletiva civil desde a citação até efectivo e integral pagamento. A reconvenção foi julgada improcedente e o autor absolvido do pedido reconvencional.

A ré recorreu desta sentença, impugnando parte da decisão da matéria de facto, arguindo nulidades da sentença e dizendo que ela tinha violado o art. 5/2 do DL 67/2003.

O autor recorreu subordinadamente, pondo em causa a desvalorização do veículo durante a vigência do contrato; não respondeu ao recurso da ré.

A ré não respondeu ao recurso do autor.

* Questões que importa decidir: se a matéria de facto deve ser alterada; se se verificam as nulidades invocadas; se o veículo deve ser restituído sem o desconto de desvalorização.

* Foram dados como provados os seguintes factos que importa para a decisão daquelas questões: 1.–A ré dedica-se, entre outras actividades, ao comércio de veículos automóveis ligeiros.

  1. –A ré dispõe de um stand onde expõe e vende veículos automóveis ligeiros […].

  2. –No dia 09/04/2016, o autor deslocou-se ao stand da ré, tendo sido atendido pelo vendedor TM, trabalhador ao serviço desta, que lhe mostrou e vendeu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, usado, marca Renault, modelo Laguna, com a matrícula 00-00-AA, do ano 2003.

  3. –No dia 09/04/2016, o autor comprou o veículo, tendo pago à ré, em numerário, o preço de 3.890€, ficando com o mesmo em sua posse.

  4. –A ré emitiu a respectiva factura no dia 10/05/2016 (documento de fls. 8 dos autos).

  5. –Em Abril de 2016, a solicitação do autor, a ré procedeu a reparação do veículo, tendo substituído o turbo, colocado dois pneus novos e reparado o ar condicionado.

  6. –Em 28/06/2016, o autor remeteu à ré, que a recebeu, a carta de fls. 8/verso dos autos, cujo teor se dá por reproduzido [conta a sua versão dos factos, exige a reparação dos defeitos – síntese feita por este TRL].

  7. –O autor procedeu a reparação do veículo na Renault de L, no valor de 133,68€, em 13/07/2016, cujo valor a ré lhe pagou (documento de fls. 9/verso).

  8. –Após 13/07/2016, o autor deixou o veículo nas instalações da ré, a fim de a ré proceder a mudança/reparação de “Disco do travão, 1 uni; Pastilha Trv 040201; Captor; Tampa; Kit suspensão; Substituição de dois discos travão da frente; Verific. Calculadores; Reparação sensor choque lateral; Reparação apoio suspensão Pend. Mot.; Reparação conjunto Filtr Amortece”.

  9. –O veículo foi entregue ao autor cerca de duas semanas depois.

  10. –Em 26/06/2017, o veículo foi transportado, por reboque, para as instalações da ré (documento de fls. 10/verso).

  11. –Após, o veículo do autor foi levado para oficina da C-Lda, local onde ainda hoje se encontra.

  12. –O autor adquiriu um veículo em 16/02/2018 (documento de fls. 66).

  13. –Em Junho de 2017, o autor detectou que o carro começou a fazer um barulho anormal.

  14. –Em Junho de 2017, o autor contactou a ré, tendo informado que o carro se encontrava a fazer um barulho anormal e foi aconselhado pelo funcionário que o atendeu para imobilizar o referido veículo e chamar a assistência.

  15. –No dia 26/06/2017, o autor decidiu levar o veículo para as instalações da ré.

  16. –No trajecto realizado para o efeito entre T e F, no IC9, o carro parou, ficando imobilizado.

  17. –A C-Lda, apresentou orçamento no valor de 1.000€ para a reparação do veículo.

  18. –O autor enviou à R carta registada a indicar o prazo de quinze dias para devolução do pagamento de 3.890€ e resolução do contrato ou a reparação da viatura, conforme documento de fls. 11 e 12, cujo ter se dá por reproduzido [a 16/08/2017 – conforme se pode confirmar no carimbo do registo da carta: acrescento feito por este TRL tendo em conta que o documento foi dado por reproduzido].

  19. –O mandatário do autor enviou à ré carta registada com aviso de recepção, datada de 07/02/2018, a resolver o contrato de compra e venda do veículo 00-00-AA, solicitando a devolução, no prazo de 15 dias, do preço pago pelo mesmo, carta que não foi recebida pela ré, constando do verso do envelope a informação aposta pelos CTT “não atendeu… a pedido do cliente” (documentos de fls. 12/v.º a 15).

  20. –O veículo foi sujeito a inspecção periódica em 09/01/2016, apresentava 216.836 km, inexistindo anotação de deficiências (documento de fls. 34/v.º).

  21. –O veículo foi sujeito a inspecção periódica em 17/02/2017, apresentava 234.163 km, inexistindo anotação de deficiências (documento de fls. 100).

  22. –O veículo automóvel Renault Laguna com a matrícula 00-00-AA apresentava, em Novembro de 2019, diversos defeitos/avarias: ausência de componentes no motor, nomeadamente cabeça do motor, sistema de injecção, entre outros; motor parcialmente desmontado; ausência do comutador do vidro eléctrico da porta do condutor e do botão de accionamento dos espelhos retrovisores; ausência do comutador do vidro eléctrico da porta traseira direita; ausência da capa protectora da fechadura exterior da porta do condutor; banco do condutor com um furo; banco dos passageiros traseiro sem fixação no lado esquerdo (“solto”); faróis dianteiros opacos e foscos; escova traseira totalmente ressequida; escova do limpa pára-brisas totalmente ressequida; disco(s) de travão e pastilhas com elevado índice de corrosão; travões bloqueados; danos na pintura lateral direita; danos na pintura lateral esquerda; pneu dianteiro esquerdo sem ar (relatório pericial de fls. 169 a 174).

  23. –Em Novembro de 2019, o veículo apresentava 238.997 km (relatório pericial de fls. 169 a 174, nomeadamente fls. 169/v.º).

  24. –O autor teve de pedir emprestado o veículo de familiar.

  25. –O autor ficou perturbado com esta situação.

  26. –O autor teve dificuldades em dormir.

    * Da impugnação da decisão da matéria de facto A ré entende que devem dar-se como provados os seguintes afirmações de facto que a sentença recorrida considerou não provadas: D:O autor acordou verbalmente com a ré a garantia de um ano, tendo em conta que o veículo era de 2003, portanto, usado, e o normal desgaste do mesmo pelo seu uso, bem como o desconto de 1.000€ no valor do preço.

    E:O período de garantia acordado entre as partes terminou no dia 09/04/2017.

    F:O autor continuou a conduzir após a data em que verificou as alegadas anomalias, durante mais de 4 meses, aumentando assim exponencialmente a gravidade da situação, provocando danos graves e irreparáveis no motor e muito mais oneroso.

    G:Em 26/06/2017, a ré informou o autor que não assumiria os custos da reparação do veículo, uma vez que o prazo de garantia tinha terminado, e propôs ao autor levar a viatura para a oficina da C-Lda, para averiguação dos danos do referido veículo e do respectivo orçamento da reparação dos mesmos, o que o autor aceitou.

    H:Na oficina da C-Lda, verificou-se que os danos causados no veículo, no motor, tinham sido causados por negligência do autor.

    No corpo das alegações também refere a afirmação I, mas não a reproduz nas conclusões.

    Para o efeito invoca na íntegra as declarações de parte da ré (através do seu gerente) e o depoimento das suas testemunhas TM e TS, mas depois transcreve, apenas, passagens das declarações de parte e do depoimento da testemunha TM. E invoca ainda o documento com a informação ao autor de que o prazo de garantia era de um ano, apesar do mesmo não ter assinado tal documento. Tanto assim é, acrescenta, que era este o procedimento adoptado pela ré nas negociações e vendas de carros usados. Mais, diz, dos documentos juntos, nomeadamente da ficha de inspecção, o veículo em discussão nos presentes autos tinha sido submetido à inspecção periódica no dia 09/01/2016, não tendo apresentado quaisquer anomalias.

    Na sentença recorrida, consta a seguinte fundamentação que importa à apreciação da prova daquelas afirmações: “[…] O doc.3 junto com a contestação, a fls. 35 dos autos, não demonstra que tenha sido acordada entre as partes a garantia de um ano. O documento não se mostra assinado pelo comprador/autor. A circunstância de ser a prática adoptada pela ré e/ou ser comunicado aos compradores que a garantia era de um ano (como referido pelas testemunhas AS, TM, TS) não configura um acordo entre vendedor e comprador, tratando-se de uma imposição unilateral e, acrescente-se, ilegal. Assim, tal factualidade não se considera provada.

    […] AT, casada com o autor, esteve presente na aquisição do veículo. Não foi referido pelo vendedor qualquer...

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