Acórdão nº 3082/09.6PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Março de 2011

Data16 Março 2011
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo comum singular n.º 3082/09.6PCCBR do 4º Juízo Criminal de Coimbra, o arguido PS...

, devidamente identificado nos autos, por sentença datada de 2 de Novembro de 2010, foi condenado, · como autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º/1 e 204º/1 b) do CP, na pena de 350 dias de multa, à taxa diária de € 6, o que perfaz a quantia de € 2100.

2.

Inconformado, o arguido recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. EXISTE A FLS.4 UM ACTO PROCESSUAL INOMINADO, TRATANDO-SE TOAVIA. PELOS SEUS CONTORNOS, DE UMA REVISTA.

  1. TAL REVISTA É NULA, UMA VEZ QUE: 3. A) SÓ SE PODE PROCEDER A REVISTAS A SUSPEITOS, E O ARGUIDO NÃO PODERIA SEQUER SER SUSPEITO (A QUEIXA DO CRIME DOS AUTOS -22:49H E POSTERIOR A DETENÇÃO-22:30H). NA AUSÊNCIA DE QUEIXA, só PODERIA O OPC IDENTIFICAR O SUSPEITO (ART 250 DO CP).

  2. B) E UMA VEZ QUE NÃO VEM DOCUMENTADA/FUNDAMENTADA NOS AUTOS COM QUALQUER FUGA IMINENTE; NEM SE PODIA PROCEDER À DETENÇÃO DO ARGUIDO.

  3. DE FACTO TAL DETENÇÃO, NÃO FOI EFECTUADA NEM EM FLAGRANTE DELITO (NÃO FORA VISTO A COMETER CRIME PELO 0PC) NEM FORA DE FLAGRANTE DELITO (NÃO ESTAVA NO LOCAL DO CRIME), PELO QUE É NULA - O QUE SE ARGUIU E ARGUI. É INSUFICIENTE A CIRCUNSTÂNCIA DE O ARGUIDO SE ENCONTRAR PRÓXIMO (QUÃO PRÓXIMO?) DO LOCAL.

  4. POR OUTRO LADO, A ILEGAL ABORDAGEM E FORÇA PERSUASIVA DA POLICIA FORA ATENTATÕRIA DOS SEUS DIREITOS E É SUFICIENTEMENTE RESTRITIVA E CONFORMADORA DA SUA ACTUAÇÃO POSTERIOR/CONFISSÃO PERANTE OPC, QUE DE OUTRA FORMA NÃO TERIA TIDO.

  5. A CONFISSÃO NÃO PODE SER VALORADA, COMO FOI, POR SER ATENTATÓRIA DO DIREITO SILÉNCIO DO ARGUIDO (ASSIM CONSTITUIDO ÀS 00.04) E POR SE BASEAR NO TESTEMUNHO DE OUVIR DIZER DE CONVERSAS INFORMAIS (Acórdão STJ DE 15-02-2007, IN.WWW.DGSI.PT).

  6. EXISTE NESTE PARTICULAR CONTRADIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO EM APREÇO. VISTA COMO UM TODO: POR UM LADO, INDEFERE-SE ARGUIDA NULIDADE DA REVISTA, COM BASE, ALÉM DO MAIS, EM QUE “OS FACTOS DESCRITOS APONTAM PARA UMA ENTREGA VOLUNTÁRIA DOS OBJECTOS POR PARTE DO ARGUIDO” E UMA CONFISSÃO: POR OUTRO LADO, JÁ QUANTO À DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA, BASEIA-SE TAMBÉM NO FACTOR DE OS OBJECTOS HAVEREM SIDO RECUPERADOS, “EMBORA NÃO O TENDO SIDO POR ACTO VOLUNTÁRIO DO ARGUIDO”’ (SIC).

  7. OU BEM QUE O ARGUIDO ENTREGOU VOLUNTARIAMENTE OS BENS SEM QUALQUER COACÇÃO (E ASSIM TEVE UM ACTO EFECTIVAMENTE VOLUNTARIO), OU BEM QUE SÓ ENTREGOU TAIS BENS APÓS UMA CONFISSÃO FORÇADA- FORÇADA NO SENTIDO DE QUE ESTE HAVIA PRIMEIRAMENTE DITO QUE TAIS BENS LHE PERTENCIAM E O 01°C INSISTIU NO CONTRÁRIO (O QUE FAZ PREVER O ALCANCE DA ILEGALIDADE DA ACTUAÇÃO DA POLICIA). NO PRIMEIRO CASO, A MEDIDA DA PENA PODERIA TER SIDO MAIS BENEVOLENTE. NO SEGUNDO, IMPUNHA-SE A ABSOLVIÇÃO, POR TAL ACTUAÇÃO DE TRATAR DE MÉTODO PROIBIDO DE PROVA.

  8. POR OUTRO LADO, A REVISTA NÃO FORA VALIDADA PELO MMO JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL, NULIDADE QUE SE ARGUI E ARGUIU.

  9. EXISTE AINDA OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUANTO A ESSA ALEGADA NULIDADE (A MMA JUIZ A QUO I.IMITA A SUA DECISÃO À DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÂO PREVIA, NADA DIZ QUANTO À VALIDAÇÃO), PELO QUE A SENTENÇA É NULA, NOS TERMOS DO ARTIGO 379º, N°1 AL B) DO CPP.

    SUBSIDIARIAMENTE: 12. Caso assim se não entenda, a medida da pena do arguido deveria ter sido pautada pela moldura respeitante ao crime de furto simples e não pela moldura penal da qualificação, uma vez que não é de aplicar a alínea b) do artigo 204º do CP (ou outra) aos factos em apreço.

  10. De facto, «a qualificativa do artigo 204º, n.º 1, alínea b) do CP apenas abrange as coisas móveis que se encontram numa relação de transporte com um veículo automóvel, e não noutra conexão com este, como sucede quando o objecto foi deixado no veículo» (Acórdão do STJ, datado de 8 de Maio de 2003 e publicado na CJ, Ano XI-2003, Tomo II, pág. 177), o que foi manifestamente o caso.

  11. Foram violados os artigos 1º, n.º 1, 203º e 204º, n.º 1, alínea b), todos do CP, os artigos 126º, 338º e 356º do CPP e 32º da CRP.

    Nestes termos e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão que indefere as nulidades arguidas, com todas as consequências legais quanto à prova (proibida) existente nos autos.

    Caso assim se não entenda, por falta de validação do Juiz de Instrução da revista operada, se declare a nulidade da revista, com todas as consequências legais; Declarar-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

    Só subsidiariamente revogar-se a decisão que condena o arguido por um crime de furto qualificado, substituindo-a por outra, face aos factos provados, que o puna pela moldura respeitante ao crime de furto simples p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do CP».

    3.

    O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando, a final, e em tom conclusivo, que: «1. A douta sentença recorrida fez uma correcta subsunção jurídica e aplicação do direito.

  12. Designadamente, no que concerne à alegada nulidade da detenção, revista e apreensão de bens ao arguido, entendemos que a mesma não se mostra verificada.

  13. Também no que diz respeito à qualificativa da alínea b), do n.° 1 do artigo 204.°, do Código Penal, é para nós inequívoco que a mesma se verifica.

  14. Assim sendo, não se vislumbram motivos que justifiquem a alteração da douta sentença recorrida.

  15. Termos em que deverá, por isso, manter-se a mesma, negando-se, em consequência, provimento ao recurso».

    4.

    Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República pronunciou-se, a fls. 262-263, no sentido de que o recurso não merece provimento, aderindo, no essencial, à fundamentação do MP de 1ª instância.

    5.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber: - se existe contradição entre a fundamentação e a decisão - se a revista efectuada ao arguido pelo OPC é nula - se houve omissão de pronúncia pelo tribunal recorrido - se o furto praticado pode ser qualificado à luz do artigo 204º, n.º 1, alínea b) do CP.

    2.

    DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1.

    O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: a. No dia 29 de Novembro de 2009, cerca das 22.00 horas, o arguido decidiu abrir o veículo automóvel de marca “Rover”, de matrícula …, pertencente CF..., que se encontrava estacionado na Rua A... ..., em C..., a fim de fazer seus os objectos que ali se encontrassem.

    1. Em execução de tal propósito, o arguido PS...aproximou-se desse veículo e com o auxílio de um fio com um pedaço de porcelana atada numa extremidade, partiu o vidro da porta traseira do lado esquerdo.

    2. Depois do seu interior retirou uma mochila preta, da marca Puma, que continha a uma máquina digital, da marca “Sonny”, modelo DCR, respectivo tripé, carregadores e cabos, no valor aproximado de € 1.000,00.

    3. Colocou então a mochila às costas e abandonou o local a pé, em direcção à Avenida G..., onde, pouco depois, veio a ser interceptado pela PSP, ainda com todo o material subtraído em seu poder.

    4. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de fazer sua a mochila, bem como a máquina de filmar digital e os restantes componentes, que se encontravam dentro do referido veículo automóvel, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo dono.

    5. Bem sabia o arguido que aqueles objectos não lhe pertenciam e que tal conduta lhe estava vedada por lei.

    6. O arguido foi condenado: · Em 24.09.2009, por sentença transitada em julgado em 30.10.2009, pela prática de um crime de furto qualificado, ocorrido em 23.09.2009, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 10,00; · Em 29.10.2009, por sentença transitada em julgado em 04.02.2010, pela prática de um crime de furto simples, praticado em 24.09.2009, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 10,00; · Em 27.10.2009, por acórdão transitado em julgado em 29.03.2010, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, ocorrido em 17.02.2007, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00».

    2.2. Inexistindo factos não provados, o tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição): «Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.

    Valoramos, assim, e desde logo as declarações do agente da PSP AM..., que, de forma isenta e credível, explicou que no dia a que se reportam os autos, cerca das 22.00 horas, se encontrava ao serviço, quando foi alertado que tinha ocorrido um assalto a um veículo, com a destruição do vidro. Dirigiram-se ao local, tendo encontrado o arguido na Avenida G..., que já era referenciado pela polícia pela prática de assaltos semelhantes. Abordaram-no e os objectos furtados estavam na sua posse.

    A testemunha CF..., proprietário dos bens furtados, explicou que quando chegou ao seu carro, já lá estava a polícia, que havia recuperado os seus bens. Explicou também que o seu carro tinha o vidro partido e que os bens recuperados eram seus, e o valor dos mesmos (a máquina valeria cerca dos € 900,00 ao que acresce o valor dos demais objectos). Valoramos, ainda, os autos de apreensão de...

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