Acórdão nº 393/10.1PCMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelJOSÉ MANUEL ARAÚJO BARROS
Data da Resolução16 de Março de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)
  1. SECÇÃO CRIMINAL – Processo nº 393/10.1PCMTS.P1 Tribunal Judicial de Matosinhos – 3º Juízo Criminal Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto IRELATÓRIO O Ministério Público recorre do despacho de fls 67 a 74 que, por a entender manifestamente infundada, visto não narrar factos susceptíveis de fundamentar a aplicação aos arguidos de uma pena, rejeita a acusação deduzida contra os arguidos, pela prática de um crime de falsificação e de um crime de burla, p e p, respectivamente, pelos artigos 256º e 217º do Código Penal.

Foi admitido o recurso, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Os arguidos não se pronunciaram.

O procurador da república junto deste tribunal apôs o seu visto.

Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso - artigos 417º, nº 9, 418º e 419º nºs 1, 2 e 3, alínea b), do Código de Processo Penal.

IIFUNDAMENTAÇÃO 1. PEÇAS PROCESSUAIS 1.1. Transcreve-se o despacho recorrido Da acusação manifestamente infundada: O Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos B… e C…, Lda, imputando-lhes a prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256.º, do CP e de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217.º, do CP.

Ora, a acusação do Ministério Público ou do assistente tem, conforme resulta dos arts. 283.º, n.º 3, al. b), e 285.º, n.º 2, do CPP, de narrar os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, sob pena de nulidade e rejeição da acusação, nos termos do art. 311.º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do CPP.

Aliás, em obediência aos princípios basilares do processo penal, a solução legal referida para a acusação que não contenha factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos típicos de um crime imputáveis ao arguido não pode ser outra, na medida em que a acusação, seja pública, seja particular, fixa o objecto do julgamento, delimitando a actividade de cognição a desenvolver pelo tribunal, de tal forma que, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, é nula a sentença que, entre outros, condene o arguido por factos diversos dos descritos na acusação.

Deste modo, quando os factos relatados na acusação não integram os elementos objectivos e subjectivos de um tipo criminal ou quando não são imputados factos que constituam crime, a prolação de sentença por outros factos que, por si ou conjugados com aqueles, integrassem um crime traduziria uma alteração substancial dos factos, conforme decorre do disposto no art. 1.º, al. f), do CPP, o que, consequentemente, determinaria a nulidade dessa decisão (art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP).

Neste enquadramento, não obstante jurisprudência em sentido contrário, entende o Tribunal que a acusação não relata factos adequados a integrar a prática dos crimes pelos quais acusa o arguido, na perspectiva em que, mesmo provando-se todos os factos alegados, a decisão seria no sentido da absolvição dos arguidos.

Concretizando: O entendimento conclusivamente afirmado no sentido de os factos da acusação não permitirem, mesmo que provados, a condenação dos arguidos prende-se com a concepção jurídica da punição do concurso de crimes e com a interpretação da lei segundo as regras legais previstas no art. 9.º do Código Civil, mas não propriamente com a virtualidade de os factos da acusação, se apreciados de forma individualista e desligada da globalidade do ordenamento jurídico, preencherem os elementos típicos dos crimes pelos quais os arguidos são acusados.

Para o efeito, constitui um elemento essencial verificar que os crimes de falsificação e de burla imputados aos arguidos respeitam, no essencial, ao alegado facto de o arguido pessoa singular, por si e/ou em representação da arguida pessoa colectiva, ter remetido ao Banco uma declaração de proibição de pagamento de um cheque pós-datado, invocando um falso extravio, com o objectivo de impedir o pagamento do cheque na data nele aposta.

Acontece que, apesar de, em abstracto, os factos em causa poderem traduzir os elementos típicos que os artigos 217.º e 256.º do CP prevêem – o que também não releva aprofundar -, a verdade é que tal não basta para que a conduta imputada seja criminalmente punida, pois que a ordem jurídica pode afastar tal punição, tal como sucede no caso em apreço, como a seguir será explicitado, convocando-se, ainda que apenas como linha de orientação, a teoria do concurso de crimes e o princípio da especialidade.

O concurso de crimes encontra tratamento legal no art. 30.º do CP, onde se dispõe, no que ora releva, que o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos.

“O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).

Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração – concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.

A determinação dos casos de concurso aparente...

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