Acórdão nº 146/08.7TTABT.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução02 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 26 de Junho de 2008, no Tribunal do Trabalho de Abrantes, AA e BB intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CC – SOLUÇÕES COMERCIAIS, S. A., na qual pedem que se declare «que os AA. e as empresas integradas ou pertencentes ao grupo CC para as quais trabalharam, estiveram vinculados por um contrato de trabalho», que a ré fosse condenada a readmiti-los ao serviço e a integrá-los no respectivo quadro de pessoal, «o AA, com antiguidade reportada a 1 de Março de 1984 e o BB a Agosto de 1983», ou a pagar-lhes uma indemnização por despedimento ilícito, «a calcular à data da decisão que vier a transitar — conforme opção a final», e, em qualquer das hipóteses, a pagar-lhes, acrescidos de juros, desde a citação até integral pagamento, € 14.755, a título de subsídios de Natal, € 15.940, relativos a férias, e igual montante atinente a subsídio de férias, e, ainda, caso optem pela indemnização em substituição da reintegração, a pagar, a cada um deles, € 592, referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, proporcionais ao trabalho prestado em 2008.

A acção, contestada pela ré, foi julgada procedente, tendo a sentença da 1.ª instância declarado que os autores e as empresas integradas ou pertencentes ao grupo CC, para as quais trabalharam, estiveram vinculados por um contrato de trabalho, e condenado a ré a readmitir os autores ao serviço e a integrá-los no quadro de pessoal, nos termos peticionados, e, bem assim, a pagar-lhes as quantias respeitantes a férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, pertinentes aos anos de 1985 a 2008, em montante a apurar em incidente de liquidação.

  1. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, sendo que o Tribunal da Relação de Évora decidiu «julgar a apelação procedente, assim revogando a sentença recorrida, e, em consequência, absolvendo a R. dos pedidos contra ela deduzidos pelos AA», sendo contra aquela decisão que os autores agora se insurgem, mediante recurso de revista, em que requereram o julgamento ampliado da revista, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, para uniformização da jurisprudência, tendo formulado as conclusões seguintes: «1ª- A subordinação jurídica é o elemento típico do contrato de trabalho que o distingue dos contratos afins.

    1. - São sinais dessa subordinação o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato em causa; o fornecimento de meios para a execução do trabalho, sem ajuda, ou entreajuda de outrem; definição do lugar e tempo de trabalho pelo empregador, que também fornece instrumentos de trabalho; a não existência de assalariados por conta do trabalhador e a exclusividade da actividade laborativa em benefício de uma só entidade.

    2. - Esses sinais revelam-se nos seguintes factos: a) Os AA. foram contratados para exercer funções de leitores-cobradores efectuando as leituras dos contadores que a Ré lhes indicava, registavam os consumos de electricidade de cada consumidor da forma ordenada pela Ré e prestavam informações sobre locais de cobrança e factos anómalos verificados nos contadores — ver resposta positiva aos artigos 2.º, 5.º, 8.º e 9.º da base instrutória.

      b) Os locais onde os AA. efectuaram as leituras e cobranças foram sempre decididos pela Ré, tal como os dias e locais de entrega dos registos de leituras — ver resposta positiva ao art. 7.º da base instrutória.

      c) Inicialmente, o autor BB trabalhou somente no concelho de Vila de Rei e a partir de 1992 passou a executar as suas funções nos concelhos de Abrantes, Vila de Rei, Sardoal, Mação, Entroncamento, Constância e Vila Nova da Barquinha, por ordens da Ré (resposta positiva [ao] artigo 10.º da base instrutória).

      d) A partir de 1992, o autor AA, também por ordens da Ré, passou a executar as suas funções nos concelhos de Abrantes, Vila de Rei, Sardoal, Mação, Entroncamento, Constância e Vila Nova da Barquinha (resposta positiva ao art. 12.º da base instrutória).

      e) Os AA., desde a sua admissão ao serviço da Ré, trabalharam exclusivamente para esta (resposta positiva ao artigo 13.º da base instrutória).

      f) Os AA. sempre estiveram sujeitos a um prazo para executar o trabalho que a Ré lhes destinava, pois o trabalho que lhes era destinado num dia tinha de ser executado no prazo de 48 horas, isto a partir do momento em que passaram a utilizar o TFL e quando a leitura era efectuada com cartões iam diariamente às instalações da Ré entregar e levantar cartões (ver resposta positiva aos artigos 14.º e 15.º da base instrutória).

      g) A Ré foi sempre quem estipulou a remuneração dos autores, a forma e prazos de pagamento.

      h) A Ré determinava o trabalho a realizar pelos autores, mediante a entrega de listagens dos consumidores, e determinava o período em que a leitura deveria ser efectuada. A ordem da leitura era determinada pela Ré que fixava o itinerário e inscrevia os consumidores (ver resposta[s] positivas aos artigos 17.º e 18.º da base instrutória).

      i) Pelo menos até ao início de 2006, diariamente, os AA., de segunda a sexta-feira, dirigiam-se às instalações da Ré para ir buscar os seus instrumentos e elementos de trabalho, que eram organizados e de propriedade da Ré (TPL, roteiro e postais para deixar aos clientes da Ré quando as leituras não eram conseguidas) — ver resposta positiva ao art. 17.º da base instrutória.

      j) Pelo menos até ao início de 2006, os AA. procediam à leitura que registavam e descarregavam o consumidor no roteiro, entregavam diariamente os recibos, cartões ou TPL e roteiro e recebiam-nos para o dia seguinte (resposta positiva ao art. 20.º da base instrutória).

      l) Depois desta data os AA. [deixaram] de se deslocar às instalações da Ré, uma vez que os novos aparelhos TPL permitem a transmissão de dados através de meios electrónicos, pelo que os resultados das leituras passaram a ser enviados por essa forma (resposta positiva ao art. 53.º da base instrutória).

      m) Os roteiros semestrais efectuados pela Ré nem sempre coincidiam, sendo determinados pela Ré — ver resposta positiva ao art. 22.º da base instrutória.

      n) Existiam leitores que faziam parte do quadro de pessoal da Ré e que executavam, para além de outras, as mesmas funções que faziam os AA. — ver resposta positiva ao art. 23.º da base instrutória.

      o) A Ré foi quem ensinou os AA. a trabalhar com os TPL (s), fornecendo-lhes formação adequada à correcta operação dos equipamentos. Este equipamento controlava o local onde os AA. estiveram e o tempo de trabalho que executavam, ocupando-os a tempo inteiro (resposta positiva aos artigos 25.º, 26.º e 34.º da base instrutória).

      p) Até 1991/1992, os AA. obrigaram-se a executar o serviço de leituras de contadores e cobrança dos recibos de energia eléctrica, emitidos por empresas do grupo CC, respeitantes a consumidores de determinadas áreas geográficas e comprometeram-se a comunicar à CC eventuais avarias ou irregularidades que detectassem nas instalações dos consumidores que visitassem. Até esta altura as leituras eram efectuadas por impressos fornecidos pela Ré para garantir que a informação recolhida fosse toda ela coerente e uniforme, sendo pela mesma razão fornecidos os postais de auto-consumo, que eram deixados nos locais de consumo sempre que a leitura não era possível por ausência do cliente.

      Depois dos anos 1991/1992, os AA. passaram a efectuar o serviço de leituras em Terminais Portáteis de Leitura (TPL), que lhes foram fornecidos pela CC (ver respostas positivas aos artigos 31.º a 33.º da base instrutória).

      q) Os A.A. não obtiveram o resultado do seu trabalho em regime de autonomia — respostas aos art.s 5.º, 7.º, 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 24.º e 26.º da B.I.

      r) Os A.A. estavam sujeitos a um horário de trabalho — art.s 14.º, 15.º e 21.º da B.I.

      s) O local da execução da prestação de trabalho era definido pelo empregador — art.s 7.º, 10.º, 12.º, 17.º, 21.º, 22.º e 26.º da B.I.

      t) O modo como era prestado o trabalho era controlado pelo empregador — art.s 5.º, 15.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 25.º da BI.

      u) Esses mesmos factos revelam que havia uma obediência a ordens do empregador.

      v) Não há factos que revelem que o incumprimento de ordens não seria sancionado.

      x) Os instrumentos de trabalho eram do empregador — art. 17.º da B.I.

      z) A remuneração foi estipulada pelo empregador e fixada em função do tempo de trabalho: os A.A. tinham que trabalhar de 2.ª a 6.ª feira, porque tinham prazos para proceder às leituras e só se as fizessem receberiam o valor contratado — art.s 14.º, 15.º e 16.º da B.I.

    3. - Estes factos são elementos indiciários e reveladores da existência de subordinação jurídica, que é o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho.

    4. - A vontade das partes, num contrato em que a supremacia de uma sobre a outra é manifesta, não se revela na forma e conteúdo do contrato e menos ainda no “nomem juris”. Por alguma razão abundam os direitos indisponíveis nos contratos de trabalho.

    5. - Além de que a qualificação de um contrato resulta das efectivas cláusulas que o regem.

      Um contrato será regulado em função do regime que resulta daquelas cláusulas que o moldaram e não do título que lhe foi dado por quem o redigiu.

    6. - Os A.A. cumpriram o art. 342.º, n.º 1, do C.C.

    7. - Não se ignora que foram provados factos que indiciariam a existência de um contrato de prestação de serviços.

    8. - Indiciá-lo-iam se não se tivessem provado os factos supra realçados.

    9. - Por fim, não será que, se dúvidas subsistissem, na análise dos factos e caracterização da natureza jurídica do vínculo existente entre as partes, não deverá prevalecer o princípio, que vigora no direito do trabalho, do favorecimento do trabalhador? 11ª- Deverá, assim, ser revogada a douta decisão recorrida, concluindo-se que os contratos que vincularam as partes foram...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
4 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT