Acórdão nº 1/08.0GAPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Janeiro de 2011

Data19 Janeiro 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça --- Nos autos de processo comum nº 1/08.0GAPRT.S1, com intervenção do tribunal singular, do 3º Juízo Criminal da comarca de Vila Nova de Gaia, foi submetido a julgamento o arguido AA, com os demais sinais dos autos, na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público que lhe imputava a prática de um crime de consumo, p. e p. nos termos do artº 40º,nº 2, e tabela I-C, do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.

- Realizado o julgamento, foi proferida sentença em 30 de Setembro de 2009, que decidiu: “

a) Recusar, por padecer de inconstitucionalidade, em violação do disposto no art. 29.°, n.ºs 1 e 3, da CRP, a aplicação do art. 28.° da lei n.º 30/2000, de 29.11, e, por inerência, do art. 40.°, n.º2, do DL n.º15/93, de 22.01, na dimensão normativa da interpretação da jurisprudência fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.o 8/2008, ou seja, no sentido de que «.Não obstante a derrogação operada pelo art. 28.º da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só "quanto ao cultivo" como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias»; E, em conformidade, b) Absolver o arguido AA da prática de um crime de consumo, p. e p. pelo art. 40.°, n.o 2, do DL n.o 15/93, de 22.01, por que vinha acusado. “ Ordenou o demais de lei.

- Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, nos termos dos artigos 399º, 401º nº 1, al. a), 410º, 411º, nº 1, 446º, nº 2, todos do CPP, concluindo em síntese que a decisão recorrida contraria a jurisprudência fixada pelo acórdão do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, nº 8/2008 publicado no Diário da República, I Série, de 5 de Agosto de 2008, não tendo ocorrido alterações legislativas que tivessem revogado a doutrina deste acórdão, nem foi produzida jurisprudência que o neutralizasse, pelo que pediu a revogação da sentença, “substituindo-se por outra que aplique a jurisprudência fixada no Acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2008” - O Tribunal da Relação do Porto, por seu acórdão de 12 de Maio de 2010, (com voto de vencido) rejeitou o recurso nos termos do artº 420º nº 1 al. b) do C.P.P.

- De novo inconformado, o Ministério Público na 1ª instância, veio interpor em 1 de Julho de 2010 recurso extraordinário, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 399º, 401º, al. a), 410º, 411º, nº 1, 446º, nºs 1 e 2 e 448º, todos do CPP, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso: “1. Foi interposto pelo M.P. recurso ordinário para o Venerando Tribunal da Relação do Porto da sentença de fls. 125 a 141, que absolveu o arguido AA da prática do crime de consumo, previsto e punido pelo artigo 40°, n.º 2 e Tabela l-C do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01, pelo qual vinha acusado.

  1. Tal como consta de fls. 194 a 206 o Tribunal da Relação do Porto rejeitou-o, pelos fundamentos aí aduzidos (tendo um voto vencido da Sra. Juiz Desembargadora Paula Cristina Guerreiro a fls. 207).

  2. A decisão de absolvição contraria claramente o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 8/2008, publicado no Diário da República, Série I, de 5 de Agosto de 2008.

  3. Pelo Acórdão n.º8/2008, publicado no Diário da República, Série I, de 5 de Agosto de 2008, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça deliberou fixar jurisprudência no seguinte sentido: "Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28. o da Lei n. o 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40. o n. o 2 do Decreto-Lei n. o 15/93, de 22 e Janeiro, manteve-se em vigor não só "quanto ao cultivo ", como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual pelo período de 1O dias".

    5 O recurso de decisões que não apliquem jurisprudência fixada pelo pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça é obrigatório para o Ministério Público - artigo 446.° n.º 2 do Código de Processo Penal.

  4. Contraria a jurisprudência fixada por aquele Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2008, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a decisão que considere, após a entrada em vigor da Lei n.º 30/2000 de 29.11., a detenção de substâncias estupefacientes para consumo próprio em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias, uma contra-ordenação.

  5. Entre a data da prolação do douto Acórdão Uniformizador não foram introduzidas alterações legislativas que tivessem revogado a doutrina do supra citado Acórdão nem foi produzida jurisprudência que o neutralizasse.

    8 - Tal como já considerou esse Venerando Tribunal no Ac. de 3.06.2009, disponível para consulta em www.dgsi.pt, para que a jurisprudência fixada possa ser considerada ultrapassada importa que os juízes na conferência constatem que a questão é de novo controvertida, por haver argumentos novos e ponderosos que justifiquem o reexame dessa jurisprudência fixada, sendo certo de que, estar perante um novo argumento há-de ser um que não tenha sido ponderado no acórdão uniformizador (incluindo os votos de vencido) e que seja susceptível de alterar os dados da discussão da questão controvertida - uma evolução jurisprudencial ou doutrinal que tenha retirado força aos argumentos que sustentaram o Acórdão, ou uma alteração da composição do pleno do SIJ que tome claro que a tese fixada já não é sufragada pela maioria dos juízes com funções nas secções nessas secções criminais..

    9 - Como facilmente se constata da leitura dos argumentos aduzidos na decisão recorrida, nada de novo e de relevante é invocado pelo Sr. Juiz que possa levar o STJ a rever a posição que adoptou no Acórdão 8/2008.

    10 - Existe uma efectiva e clara contradição entre os fundamentos invocados na decisão proferida pelo tribunal da lª. Instância que absolveu o arguido da prática do crime por que vinha acusado e a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo que, deverá ser revogada a sentença e substituída por outra que, nos termos do disposto no artigo 446°, n.º 3 do C.P.P. aplique a jurisprudência fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2008, publicado no Diário da República, I série, n.º 150 de 5.08.2008.

    Face ao exposto, deverá a douta sentença ser revogada, substituindo-se por outra que aplique a jurisprudência fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2008, com o que se fará, JUSTIÇA. “ - Neste Supremo, o Dig.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer, onde alega: “O recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ relaciona-se, quanto aos seus pressupostos, com os efeitos, ou seja, com a eficácia, das decisões de fixação de jurisprudência.

    A chamada eficácia externa destas ultimas, prevista no n° 3 do art. 4450 do C P P, obedece a um desígnio de unificação jurisprudencial.

    Ora, apesar desse objectivo, o acórdão de fixação de jurisprudência não constitui jurisprudência obrigatória" (cf. art. 445º n° 3 do C P P) mas vincula tão só ao respectivo seguimento, na falta de fundamentação cabal para as divergências que se perfilhem. Isto, na esteira do acórdão com força obrigatória geral do Tribunal Constitucional 743/96, de 28 de Maio (D R, I Serie-A, de 18/7/1996), a que se deve, quanto ao ponto em apreço, a redacção dada ao preceito apontado pela Lei 59/98 de 25 de Agosto.

    No dizer de P. P. Albuquerque, “A decisão que resolve a oposição de julgados não tem força normativa geral nem mesmo vinculatividade no foro, mas apenas uma força argumentativa especial 11 (in “Comentário do Código de Processo Penal" pago 1189). Dai que se não esteja perante uma vinculação "pela positiva" dos tribunais, em relação a jurisprudência fixada, e antes face a uma obediência pela negativa. No caso de não acatamento, há que apresentar uma especial argumentação para a divergência.

    Complementarmente, o art. 446 n° 3 do C P P estabelece a obrigatoriedade, para o MºPº, de interpor recurso de decida proferida contra jurisprudência fixada, para além da facultatividade deste tipo de recurso para outros sujeitos processuais. E, em consonância com o tipo de vinculação previsto no art. 445° n° 3 do C P P, o n° 3 do art. 446° condiciona a procedência deste ultimo tipo de recurso ao facto de a jurisprudência fixada se mostrar "ultrapassada" (assim também no art. 447° n° 2 do C P P). Portanto, se a decisão recorrida não der conta dum desfasamento que destrua a jurisprudência fixada face aos novos dados que apresentou, ou se o S T J de per si não descobrir razoes para esse desfasamento, então a jurisprudência fixada manterá a sua validade e a decisão recorrida terá que acatá-la.

    Na esteira do acórdão deste S T J de 17/2/2003 (Pº 625/03 desta mesma secção); vem-se entendendo, pacificamente, que a jurisprudência se considera ultrapassada quando, mantendo-se a lei aplicável: • O acórdão recorrido tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor não ponderado no acórdão uniformizador, susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada.

    • For claro que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso.

    • A composição do Pleno das Secções Criminais do S T J se tenha de tal modo modificado, que seja patente que a maioria dos juízes dessas Secç6es deixou de perfilhar, fundadamente, a posição do acórdão de fixação de jurisprudência.

    Vejamos se a decisão recorrida nos revela que a jurisprudência do Acórdão n° 8/2008 está ultrapassada.

    1. A argumentação aduzida revela que a discordância. em relação à jurisprudência fixada, se centra...

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