Acórdão nº 830/06.0TBCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 03 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Matadouros da B......L......, SA, instaurou contra A.......S..... (Coimbra), Lda e o Município de Coimbra uma acção na qual pediu que: “1º - seja a autora declarada dona e legítima proprietária do prédio” urbano designado como “parcela B”, situado na Rua ............, MM............ Eiras, com a área de 1.575 m²; “2º - e, consequentemente, seja a ré A.... S.....Coimbra, Lda, condenada a reconhecer à autora o direito de propriedade sobre o prédio (…) e consequentemente condenada a restituir à autora o dito prédio que ilicitamente ocupa, entregando-o desocupado e livre de pessoas e coisas e, ainda, a pagar a título de indemnização à autora o montante de 62.500,00 €, pela desvalorização do prédio”, com juros, e ainda a “quantia de 23.045,43€ relativa às despesas efectuadas pela autora”, com juros; “3º - sem conceder e subsidiariamente (…)seja o réu Município de Coimbra condenado a pagar (…) a título de indemnização a quantia de 125.000,00€ (…), de 23.045,43 €, relativa a despesas (…)” e juros; “4º - seja o réu Município de Coimbra condenado a pagar juros vincendos (…)”.
Em síntese, alegou ser proprietária e possuidora de uma parcela de terreno ilegalmente ocupada pela ré A.......S.....(Coimbra), Lda., ocupação que lhe provocou elevados prejuízos; quanto ao Município de Coimbra, alegou não ter o mesmo cumprido o protocolo celebrado com P....L...., Lda. (entretanto incorporada na autora, por fusão), tendente a promover a venda em hasta pública do prédio que integrava a referida parcela B, cuja desocupação garantira.
O Município de Coimbra contestou, nomeadamente sustentando que a ré A.......S.....utilizava a parcela “a título meramente precário”, por permissão sua; que a mesma pertencia ao domínio provado municipal; e reconhecendo o direito de propriedade da autora. Afirmou ainda não ter havido incumprimento do protocolo.
E também contestou A.......S.....(Coimbra), Lda., alegando por entre o mais ter passado “a exercer sobre a parcela B (…) actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade” desde que iniciou a construção das suas instalações, “em finais de 1959, princípios de 1960”, “com a convicção do exercício dum direito de propriedade próprio (…) presumindo que a mesma não tinha proprietário conhecido”, como a Câmara Municipal de Coimbra sabia, e deduziu reconvenção, pedindo que se declarasse “a 1ª Ré (…) como proprietária plena e exclusiva do prédio urbano (…) denominado por ‘Parcela B’ (…), por haver adquirido o imóvel (…) por usucapião, condenando-se a autora a reconhecer o direito de propriedade da ré sobre o dito prédio”, e o cancelamento do registo correspondente. Subsidiariamente, invocou a aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária.
Houve réplica, na qual a autora se defendeu do pedido reconvencional, invocou abuso do direito de opor a acessão e ampliou o pedido e a causa de pedir, passando “a fundamentar os pedidos já formulados (…) também no enriquecimento sem causa da ré A.......S.....e (…) a ampliar o pedido de modo a que a referida ré seja condenada a pagar à autora” a quantia de € 2.500,00 mensais, “desde 12.05.2004 até à decisão com trânsito em julgado (…) como compensação do seu enriquecimento sem causa pelo uso e fruição do referido prédio” e, “subsidiariamente, para o caso de se entender que se verificar uma acessão de má fé, seja a ré A..... S..... Coimbra, Lda condenada a demolir à sua custa as obras realizadas e a restituir o dito prédio ao seu primitivo estado”; ainda subsidiariamente, “se vier a proceder o pedido fundamentado em acessão industrial imobiliária, seja a ré condenada a pagar à autora o valor do prédio no montante de 250.000,00, que deverá ser corrigido (…)”.
A.......S.....(Coimbra), Lda, treplicou.
Pela sentença de fls. 889, foram julgados improcedentes os pedidos formulados contra a ré A.......S.....(Coimbra), Lda. e parcialmente procedente o pedido formulado contra o Município de Coimbra, que foi condenado a pagar € 144.966,70, com juros de mora. E foi julgada procedente a reconvenção, sendo declarado que A.......S.....(Coimbr
-
Lda. é proprietária da “Parcela B”, por haver adquirido o prédio por usucapião, a autora condenada a reconhecer o correspondente direito e determinado o cancelamento do registo.
Em síntese, a sentença entendeu que dos factos provados resultava que a ré A.......S.....praticara desde finais de 1959 “actos materiais de posse exercidos publicamente (…) de forma contínua e ininterrupta” sobre a referida parcela, numa “actuação de domínio” correspondente ao direito de propriedade; que, todavia, só “a partir da realização das obras em 1992” se revelou o “animus de proprietária”; mas que, na dúvida sobre “qual o animus que presidiu a actuação da Ré A.......S.....desde 1959/princípio de 1960”, presume-se a sua verificação, em aplicação do disposto no nº 2 do artigo 1252º do Código Civil. Assim, à data da dedução do pedido reconvencional, encontravam-se preenchidos os requisitos para a aquisição do direito de propriedade sobre a parcela B, por usucapião.
Todavia, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 1095 revogou a sentença, declarou a autora “proprietária e legítima possuidora do prédio designado por parcela B” e condenou a ré A.......S.....(Coimbra), Lda a reconhecer tal direito e a restituir o prédio, livre e desocupado. Diferentemente da 1ª Instância, a Relação considerou decorrer da prova que “pelo menos até cerca de 1992 a A.......S.....” manteve o conhecimento de que “tal área não havia sido por si adquirida” e que “nunca antes agiu como se pretendesse ser dona de tal parcela (B), propósito ou intenção que apenas terá começado a manifestar cerca de 1992, quando efectuou obras mais avultadas na referida parcela”; e que só em 9 de Fevereiro de 2005 “é que começou a revelar-se como possuidora (não mera detentora)”. Não haveria pois “dúvidas sobre a falta de verdadeiro animus (…) até pelo menos 1992”, não tendo pois cabimento a aplicação da presunção do nº 2 do citado artigo 1252º do Código Civil.
Assim, “quando em Abril de 2006 foi instaurada a presente acção, não podia ter-se como decorrido o prazo legal para que à A.......S..... pudesse ser reconhecida a pretendida aquisição “por usucapião”, prazo esse que teria de ser de 20 anos a contar de pelo menos 1992, mas seguramente só a partir de 2005, nos termos dos artºs 1287º, 1290º e 1296º, todos do C. Civ., uma vez que a posse da A.......S..... seria sempre de má fé (face ao disposto no artº 1260º, nºs 1 e 2, do C. Civ.)”.
E a Relação observou ainda “que também ficou provado que sobre a referida parcela B foram efectivamente exercidos actos de posse por parte da CMC, de Matadouros da B......L......, de C........G........C..., L.dª, e deP......L......, S. A.
”, “além de que a referida parcela B sempre esteve registada a favor da CMC, de I......I.......R........ e Orientador dos Mercados Agrícolas; de C........G........C...; e de P.....L..., S. A. (…) do que resulta a presunção de que o direito (de propriedade inscrito) existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define – artº 7º do Código do Registo Predial —, o que também afasta qualquer eventual presunção de titularidade do direito a favor da A.......S..... – artº 1268º, a contrario, do C. Civ..”.
Quanto ao mais, julgou improcedentes a acção, absolvendo as rés dos pedidos de indemnização contra elas deduzidos, e a reconvenção, absolvendo a autora dos correspondentes pedidos.
-
A.......S..... (Coimbra) Lda. recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça.
Também recorreu a autora, da “parte do acórdão em que decaiu por ambos os apelados terem sido absolvidos” Os recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foram admitidos como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, a ré A.......S..... formulou as seguintes conclusões: «1.ª - Não há qualquer limitação por parte do STJ ao conhecimento da presente revista (artigo 721.° n.º 2 do CPC), uma vez que se trata exclusivamente de matéria de direito: a discussão sobre pretensa "falta de verdadeiro animus por parte da A....S....até pelo menos 1992", tal como o TRC considerou; 2.ª - Admitindo, contudo, por mera hipótese de raciocínio, que se está perante um juízo de valor – concretizado na falta de animus da recorrente pelo período de tempo necessário à aquisição do imóvel por usucapião –, o que jamais se concede, sempre pode o STJ censurar as extrapolações factuais e os juízos do TRC, pois são ilógicas e contrárias às regras de experiência, alteram os factos provados e consideram provados factos por inferência, factos esses que a 1ª instância deu como não provados; 3.ª - Ainda que estejamos perante 'Juízos de valor emanados pelo TRC", o que apenas academicamente se concede, o certo é que, conforme decorre da conclusão antecedente, o STJ não está vinculado às "conclusões" da relação sobre a inexistência de animus possidendi, e uma vez que a matéria de facto contém todos os elementos necessários à subsunção do direito a esses mesmo factos, cabe, então, à recorrente apresentar as razões de direito que impõem, na sua óptica, um julgamento diverso da questão; 4.ª - O TRC, para afastar o animus possidendi por parte da recorrente, confundiu, no ponto 106 da MF, animus com posse de boa-fé, antes resultando desse ponto que, pelo menos em 1992, a recorrente passou a agir na convicção de ser dona da parcela B e que não lesava os direitos de ninguém (posse de boa-fé), retirando-se da restante matéria de facto (pontos 77 a 101 e 107 a 114) que a recorrente sempre agiu com animus, isto é: actuou intencionalmente como dona da parcela B; 5.ª - Desde finais de 1959/1960 e até à data da propositura da acção, atento o ponto 76 da MF e não obstante a 2ª parte do ponto 105, nem a CMC nem qualquer outro interessado praticou qualquer acto interruptivo da posse da recorrente sobre a parcela...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 6942/09.0TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Abril de 2013
...Ascensão, Direitos Reais, 1978, pág. 246. [41] Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 1978, pág. 235. [42] Ac. STJ de 3-2-2011 Proc. 830/06.0TBCBR.C1.S1, www.gde.mj.pt. Neste sentido veja-se Ac. STJ de 3-2-2011 no Proc. 1045/04.7TBALQ.L1.S1, em www.gde.mj.pt, Ac. STJ de 7-1-2008 (Ref. 7621/2008......
-
Acórdão nº 6942/09.0TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Abril de 2013
...Ascensão, Direitos Reais, 1978, pág. 246. [41] Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 1978, pág. 235. [42] Ac. STJ de 3-2-2011 Proc. 830/06.0TBCBR.C1.S1, www.gde.mj.pt. Neste sentido veja-se Ac. STJ de 3-2-2011 no Proc. 1045/04.7TBALQ.L1.S1, em www.gde.mj.pt, Ac. STJ de 7-1-2008 (Ref. 7621/2008......