Acórdão nº 2207/09.6TBSTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2011
Magistrado Responsável | ÁLVARO RODRIGUES |
Data da Resolução | 20 de Janeiro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA, S.A.
, com sede no Parque ...........,......, ...., em Quinta da......... – Quinta do Anjo - Palmela, instaurou a presente acção, com processo ordinário, na Comarca de Setúbal, contra BB, LDª, com sede na Quinta .......... – Quinta .......... – Palmela, alegando: Que no dia 30 de Outubro de 2001, celebrou um contrato de prestação de serviços com a Ré.
Que no âmbito de tal contrato e por corresponderem a serviços prestados, emitiu três facturas com um montante global de 1.186.489,16 €, que enviou à Ré.
Esta, embora as recebesse, não as liquidou na data aprazada – 17 de Fevereiro de 2009.
Contactada a fim de esclarecer o sucedido, a Ré justificou a falta de pagamento com a existência de erros na facturação, o que não se verifica.
Termina, concluindo que a Ré deve ser condenada a pagar-lhe tal quantia, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Citada, contestou a Ré, por excepção, alegando: Por força do contrato celebrado entre a Autora e a Ré, nas questões surgidas sobre a interpretação, execução e/ou incumprimento do mesmo, as partes deveriam diligenciar pela resolução equitativa e amigável do diferendo e, caso tal resolução não fosse alcançada no prazo de 30 dias, submeter o litígio a um Tribunal Arbitral, cuja constituição e modo de funcionamento, foi desde logo regulado.
Ora, no presente caso, a Autora não só não diligenciou por uma prévia solução amigável do litígio, como violou o compromisso arbitral.
Invocando o artigo 493º e 494º, do Código de Processo Civil, conclui pela sua absolvição da instância.
Replicou a Autora, alegando que enviou uma carta à Ré, no dia 10 de Março de 2009, tentando resolver o litígio amigavelmente, à qual a Autora não respondeu.
Perante a situação e a ausência de qualquer outra iniciativa, a Autora viu-se forçada a instaurar a presente acção, tanto mais que o contrato diz que as partes podem recorrer a Tribunal Arbitral, não impondo tal obrigação.
Termina, concluindo pela improcedência da excepção.
A fls. 476 – 480, o Exmº Juiz tomou posição quanto à invocada excepção, julgando-a procedente e absolveu a Ré da instância.
Não concordou a Autora com tal decisão, tendo interposto o respectivo recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Évora que julgou o recurso procedente e, em conformidade, revogou a decisão recorrida e declarou a competência da Vara Mista do Tribunal da Comarca de Setúbal para a tramitação do presente processo.
Inconformada, a Ré veio interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1. O objecto do recurso cinge-se à interpretação do parágrafo 8.ª da Cláusula XXIII do Contrato, importando saber se a cláusula compromissória aí estabelecida tem carácter vinculativo ou se os litígios emergentes do Contrato podem, em alternativa, ser dirimidos junto dos tribunais comuns, 2. A expressão "podem, a qualquer altura, recorrer à arbitragem" (may, na versão inglesa) contida no parágrafo 8.2 da referida cláusula deve, desde logo, ser lida no contexto contratual em que a mesma se insere e, em particular, em articulação com parágrafo 8.1.
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Tal expressão significa unicamente que o recurso à arbitragem está dependente de duas circunstâncias: (i) a tentativa prévia das Partes em encontrar uma solução justa e adequada através de um acordo amigável, e (ii) o insucesso desse processo de negociação.
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Por outro lado, a previsão de um período de negociação prévia á arbitragem com vista à resolução amigável do litígio resulta dos usos do comércio e da prática negocial em contratos com particular complexidade técnica, como sucede in casu, 5. Este tipo de cláusula é usual e o seu sentido é claro: a cláusula arbitral é obrigatória mas o litígio só pode ser instaurado depois de uma fase de negociação pré-contenciosa.
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A dependência da eficácia da cláusula arbitral de um segundo acordo das partes esvaziaria a convenção de arbitragem de qualquer utilidade, desde logo porque às partes é permitido em qualquer estado da causa acordar em que a decisão seja cometida a tribunal arbitral, celebrando compromisso arbitral nos termos do n.°2 do artigo 1° da Lei de Arbitragem Voluntária e do artigo 290.º do CPC.
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A atribuição de competência concorrente aos tribunais judiciais e ao tribunal arbitral, para além de desprovida de qualquer conteúdo útil, seria, pelo contrário, fonte de incertezas e de potenciais conflitos que as partes não poderiam racionalmente desejar.
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Mais acresce que a obrigatoriedade da convenção da arbitragem estabelecida no parágrafo 8.1 da Cláusula XXIII do Contrato resulta patente da circunstância de o processo arbitral se encontrar pormenorizada e exaustivamente regulado ao longo dos 12 parágrafos da citada cláusula.
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Neste sentido é particularmente impressivo o n.° 12 da Cláusula em causa quando dispõe que as partes podem (aí e só aí) recorrer e eleger o foro que tenham por mais conveniente para instaurar procedimentos cautelares - porque, como é sabido, os tribunais arbitrais de constituição ad hoc não têm condições para decretar providências cautelares - e para executar a decisão arbitral - porque os tribunais arbitrais não têm meios nem poder para o efeito.
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Acresce que, de acordo com o princípio lógico e jurídico da competência (Kompetenz-kompetenz), as matérias de interpretação da cláusula compromissória e competência do tribunal arbitral estão excluídas do âmbito de apreciação antecipada pelo tribunal judicial (neste sentido vide Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.05.2004, proc, n.° 3094/2004-7; de 10.02.2009, proc. n.° 3859/2008-7; e de 05.06.2007, proc, n.° 1380/2007-1).
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Donde resulta que, quer a interpretação do parágrafo 8.2 da Cláusula XXLH do Contrato no sentido de saber se o recurso à arbitragem é obrigatório ou facultativo e se a sua eficácia se encontra dependente da celebração de compromisso arbitral posterior, quer a alegada nulidade da referida Cláusula por violação da Convenção devem ser apreciadas em primeira linha em sede de arbitragem, reservando-se aos tribunais comuns uma função de controlo da sentença arbitral que vier a ser proferida, 12. De todo o modo, ainda que se admitisse ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre a validade da convenção de arbitragem, sempre se concluiria que o parágrafo 8 da Cláusula XXIII em nada contraria as regras da Convenção.
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Por outro lado, o que está em causa neste processo é um contrato de prestação de serviços complexo, inominado e atípico, que, entre outros, inclui a prestação de serviços de transporte de mercadorias.
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Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, não se está perante um mero contrato de prestação de serviços de transporte que inclui pontuais "condições meramente logísticas".
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Na interpretação e execução deste contrato devem verificar-se não só as regras previstas na Convenção, nas matérias que forem reguladas por tal convenção, como também as demais normas do nosso ordenamento jurídico que regem a interpretação dos direitos e deveres das partes contratualmente estabelecidos.
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Assim, estando em causa, no caso em apreço, a verificação das fórmulas de cálculo do preço dos serviços prestados no âmbito da logística e transporte de mercadorias, a eventual aplicação da Convenção em nada afectaria a solução das questões que se colocam, visto que tal convenção é omissa sobre o objecto do contrato, em particular, no que respeita à aplicação das fórmulas subjacentes ã fixação do preço e obrigações conexas livremente assumidas entre as partes.
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a Autora pela manutenção do decidido, rematando as suas doutas contra-alegações com as conclusões seguintes: l.ª A cláusula arbitral em crise nos presentes autos dispõe que " Caso não seja possível encontrar uma solução amigável dentro de um período de 30 (trinta) dias a partir da data em que uma das partes notifica a outra da existência de uma disputa, ambas as partes podem, a qualquer altura, recorrer à arbitragem de acordo com os termos abaixo descritos. " 2.ª É pacificamente admitido que a competência convencionalmente atribuída ao tribunal arbitral pode ser exclusiva ou concorrente com a do tribunal legalmente competente.
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Não se descortina na cláusula arbitral qualquer elemento interpretativo que permita ao intérprete aplicador conferir um sentido de obrigatoriedade à expressão "(...)podem (may), em qualquer altura, recorrer à arbitragem (...)", sendo certo que, atenta a terminologia usada pelas partes na cláusula em crise, só um fortíssimo elemento hermenêutico em sentido manifestamente contrário poderia conduzir ao entendimento de que a competência atribuída ao tribunal arbitral seria exclusiva.
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Se a vontade comum das partes fosse dotar a jurisdição arbitral de competência exclusiva, teriam aquelas formulado uma cláusula contratual que traduzisse essa vontade, como por exemplo, "todos os litígios relativos à interpretação, validade ou execução do presente Contrato serão dirimidos por um tribunal arbitral".
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Atento o disposto no artigo 238.° n.° 1 do Código Civil não se pode conferir à cláusula em crise um entendimento que não tenha o mínimo de correspondência com o respectivo texto.
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No caso vertente, não se vislumbra fundamento algum para a formação da convicção de que a vontade comum das partes não tem qualquer correspondência com a letra e, em consequência, lançar-se mão da excepcionalíssima interpretação contratual ab-rogante, prevista no n.° 2 do citado artigo 238.°.
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O âmago do contrato em crise e...
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