Acórdão nº 872/07.8TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : 1. Se o decurso de um prazo torna imprestável a prestação, na perspectiva do credor, que perde, por isso, objectivamente o interesse na prestação do devedor, a obrigação considera-se, em princípio, definitivamente incumprida – art. 808º, nº1, do Código Civil – mas se o prazo for relativo, o credor que considere estar o seu devedor em mora, deve converter essa mora em incumprimento definitivo, mormente, através da interpelação admonitória (nº2 do preceito citado).

  1. Não havendo prazo fixado pelas partes para celebração da escritura pública de compra e venda, na sequência de prévia celebração de contra-promessa, a parte que, podendo, não apraza o acto em falta, não fica incursa em mora; importa saber se a conduta que pode despoletar a mora depende de acto que lhe incumba realizar.

  2. No que respeita à obtenção da licença de habitabilidade de um imóvel, ninguém pôs em causa que a sua obtenção competisse à ré promitente-vendedora.

  3. Constitui interpelação admonitória, a carta que o promitente-comprador, escreve à promitente-vendedora, afirmando – “É nossa pretensão fazer a escritura da casa no prazo máximo de dois meses, a partir desta data, para tal necessitava de falar com o Senhor para proceder a todas as burocracias inerentes que são da vossa responsabilidade.

    Caso a escritura não seja realizada ficam desde já informados que considero tal facto como incumprimento definitivo do contrato-promessa”.

  4. Não tendo os promitentes-compradores tradiciários, obtido pela via da reclamação no concurso de credores na execução onde foi entretanto penhorada a fracção objecto mediato do contrato-promessa a satisfação dos créditos reclamados, mormente, o do dobro do sinal, nada impedia que tivessem accionado a Ré, em acção declarativa, visando o mesmo efeito, por não existir caso julgado.

  5. A penhora da fracção a que se procedeu já depois dos AA. terem resolvido o contrato-promessa, não afectava o direito de retenção emergente da traditio.

  6. Tendo os promitentes-compradores realizado e custeado obras, durante o período de cerca de sete anos em que estiveram na posse da fracção, obras essas que devem ser consideradas benfeitorias úteis ou necessárias, têm direito a ser indemnizados, por nem sequer as poderem levantar (a fracção foi vendida judicialmente), sendo descabido falar na existência ou não de detrimento causado pelo (im)possível levantamento – art. 1273º do Código Civil – pelo que têm jus a ser indemnizados pelo respectivo valor.

  7. Essa indemnização deve ser calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, e esposa, BB, instauraram, em 6.6.2007, pelas Varas Cíveis da comarca do Porto – 4ª Vara – acção declarativa de condenação, contra: CC, Lda., Pedindo que se julgue verificado o incumprimento, pela Ré, do contrato promessa celebrado entre as partes, e que seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 9 9759,58 acrescidos de € 12 899,00 de benfeitorias realizadas no prédio, juros vencidos contados desde o incumprimento que montam a € 32.925,00 e vincendos até integral pagamento, bem como o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel objecto mediato do contrato promessa até integral pagamento das quantias em dívidas.

    Alegaram, para tanto, que a ré celebrou com o autor, na qualidade de dona, um contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, pelo preço de € 109 735,53, sendo que, a título de sinal, entregou a quantia de € 49.879,00.

    Para além disso, efectuou obras na fracção no valor de € 12 899,00, que pagou, e ainda o valor de € 2 586 000 $00, pela realização de obras extra que discrimina.

    Sucede que, na data e prazo previstos no contrato promessa, não realizou a promitente vendedora a escritura pública de compra e venda, embora tenha sido para tal interpelada e que não cumpriu o contrato, entrando em incumprimento definitivo, o que lhe foi comunicado em 13-11-2000.

    Concluem que, por força do incumprimento, os autores são credores da quantia de € 99.759,58 correspondente às quantias em dobro, a que acrescem € 12 899,00 de obras adicionais feitas na fracção e pagas pelos promitentes compradores, bem como juros de mora que perfaziam à data da entrada da petição inicial o valor de € 32 925,00.

    Citada a Ré não contestou.

    Entretanto, e em face da junção aos autos de certidão de matrícula da Ré e para afastar a hipótese contemplada no artigo 665º Código de Processo Civil – vide despacho proferido a 7-01-2009 –, foi solicitada a consulta do processo de execução da 2ª Secção daquela Vara, conforme resulta do despacho proferido a fls. 225, tendo sido juntos aos autos outros documentos que o Tribunal entendeu necessários, nomeadamente a certidão da Conservatória do Registo Predial relativa à fracção dos autos, e certidão do auto de penhora que incidiu sobre a fracção no âmbito do processo de execução que pende na 2ª Secção e onde foi adjudicada a terceiro, que não os autores a fracção, conforme resulta de fls. 250 a 258 e de fls. 261 a 283.

    Também foi junta aos autos ofício de “Indaqua-Matosinhos” que informa não existir contrato de fornecimento de água para a fracção objecto do contrato promessa dos autos – vide fls.400.

    Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo-se a Ré dos pedidos contra si formulados, condenando os Autores como litigantes de má-fé na multa de 4 Ucs.

    Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 31.5.2010 – fls. 541 a 556 – julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença apelada, sem prejuízo de alterar o montante da condenação dos AA. como litigante de má-fé para 20 Ucs.

    Inconformados, os AA.

    recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

    1. O Meritíssimo Juiz e Desembargadores decidiram pela improcedência da acção, carreando para os autos provas e documentos por iniciativa própria, o que lhes estava vedado, nos termos dos artigos 264°, 515°, 660° do Código de Processo Civil, gerando nulidade da sentença, que proferiu com base em tais provas, nos termos do artigo 201° do Código de Processo Civil.

    2. Como consequência, baseou a sentença igualmente no documento de fls. 400, falso no seu conteúdo, como se vê pelo documento junto aos autos pela mesma entidade, após sentença e antes do seu trânsito, atestando precisamente o contrário.

    3. A acção não foi contestada, pelo que deveria ter o tribunal considerado provados os factos alegados e ter a Ré sido condenada no pedido, nos termos do artigo 484° do Código de Processo Civil, o que o tribunal não fez, absolvendo a ré do pedido, na sua totalidade.

    4. O tribunal não considerou correctamente o documento 18 da PI, em que se fixa prazo definido (dois meses) para a realização da escritura e obtenção dos documentos para a mesma da responsabilidade da Ré, dando como provado o contrário, mal, o que deu origem a decisão contrária à prova e à lei, nula, por consequência, por considerar a rescisão do contrato pelos autores sem fundamento legal.

    5. Por tal facto o tribunal concluiu indevidamente pela improcedência do pedido formulado nos termos e com fundamento nos artigos 210° e 442° do Código Civil, de restituição das quantias entregues em dobro.

    6. Assim como o pedido de benfeitorias formulado ao abrigo do artigo 289° Código Civil, e nos termos do artigo 1273° Código Civil, estando mais que provado pelas provas dos autos, incluindo as “do tribunal” que os Autores agiram como detentores em nome próprio, com o animus de proprietários.

    7. Bem assim como de restituição do prestado, com fundamento no enriquecimento sem causa da Ré, nos termos do artigo 473° e ss do Código Civil.

    8. E ainda como improcedente o reconhecimento do direito de retenção dos Autores nos termos do artigo 755°, n°1, do Código Civil.

    9. A sentença não foi proferida no prazo estabelecido nos artigos 153° e 658° do Código de Processo Civil.

    10. O tribunal foi indevidamente colher elementos a um processo de outro juízo e secção; porém não tomou em consideração que a reclamação de créditos que indevidamente invoca, foi formulada nos termos dos artigos 865°, 869° do Código de Processo Civil, 755°, 759° do Código Civil, pelo que em nada obsta, sendo antes dependente, dos presentes autos.

    11. E com base nisso, sem fundamento legal, o tribunal que atropelou os prazos referidos em i) veio a condenar, os Autores como litigantes de má fé, em flagrante violação dos normativos legais, nomeadamente dos artigos 456° do Código de Processo Civil e 102° do CCJ, agravados pela Relação em violação da alínea b) do mesmo artigo do Código das Custas Judiciais, excedendo o máximo previsto no normativo invocado.

    12. Todas as violações da lei, acima invocadas, são geradoras de nulidade processual, nos termos do preceituado no artigo 201° do Código de Processo Civil; nulidades que, invocadas, nem sequer foram apreciadas pelo Tribunal da Relação, omissão que, por si só, já constitui também uma nulidade.

    13. E remetendo para a sentença de 1ª instância, quanto ao fundo da questão, de forma vaga e sem fundamentação, mas também sem juntar cópia da mesma, origina, por sua vez, nova nulidade (713°, n°6, do Código de Processo Civil).

      Ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Juiz e Desembargadores, violaram, entre outros, os artigos 153°, 201°, 264°, 456°, 484°, 515°, 658°, 660°, 665°,713°, 865°, 869° do Código de Processo Civil, 410°, 442°, 289°, 473°, 755° e 759°, 824°, 1273°, todos do Código Civil, 102° do CCJ.

      Termos em que, deve, dar-se provimento ao recurso, revogando-se as decisões recorridas, aliás nulas, com todas as consequências legais, com o que se aplicará a lei.

      Não houve contra-alegações.

      Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: 1) - Em 5 de Outubro de 1998, celebrou o Autor com a Ré, contrato promessa de compra e venda de uma fracção correspondente a fracção...

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