Acórdão nº 1584/06.5TBPRD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2010

Data16 Dezembro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Doutrina: - BAPTISTA MACHADO, Obra Dispersa, I, 416. - COUTINHO DE ABREU, Do Abuso de Direito, pp. 43. - MENEZES CORDEIRO, A Boa Fé no Direito Civil, II, 742 e ss.. - MENEZES LEITÃO, Direito Das Obrigações, III, 2ª ed. 379. - P. DE LIMA e A. VARELA, C. Civil, Anotado, II, 4ª ed. 757.

Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 71.º, N.º 2, 402.º A 404.º, 762.º, N.º 2,1129.º, 1137.º, N.ºS 1 E 2.

Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 29/9/93, CJ/STJ, III, 47; - DE 19/10/2000, CJ VIII-III-82, - DE 13/5/2003, PROCESSO N.º 03A1323; - DE 18/12/2003, PROCESSO N.º 03B3612; - DE 19/12/2006, PROCESSO N.º 06A4210.

Sumário : I- Existindo expressa autorização do respectivo dono para ocupação de um dos gavetões dum jazigo, com o depósito duma urna e disponibilidade da chave de acesso ao interior do jazigo-capela, sem que se demonstre, invoque ou aluda a qualquer outro título constitutivo de algum direito real a favor dos depositantes ou limitativo do direito de propriedade do dono do jazigo, existirá uma relação de comodato – entrega da coisa para proporcionar o respectivo gozo - a que é inerente a obrigação de futura restituição.

II- Não se estipulando prazo, nem se delimitando a necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, o comodante tem direito a exigir, em qualquer momento, a restituição da coisa, denunciando o contrato.

III- O instituto do abuso de direito, como princípio geral moderador dominante na globalidade do sistema jurídico, apresenta-se como verdadeira «válvula de segurança» vocacionada para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, de tal forma que se reveste, ele mesmo, de uma forma de antijuridicidade cujas consequências devem ser as mesmas de qualquer acto ilícito.

IV- Quando o direito que se exerce não passa de uma aparência de direito, desligado da satisfação dos interesses de que é instrumento, haverá que afastar as normas que formalmente concedem ou legitimam o poder exercido.

V- O comodante não perde ou vê precludido o direito de denúncia do contrato de comodato, por abuso de direito, nomeadamente por enquadramento na figura do venire contra factum proprium ou na sua subespécie denominada supressio, se não adoptou um comportamento que, objectivamente, isto é, tendo por destinatário um sujeito que use de cuidado normal, se mostre idóneo ou adequado a criar no beneficiário do empréstimo a aparência de que jamais viria a exercer o seu direito de pôr termo ao uso do gavetão do seu jazigo de família, ou seja, conduta capaz de induzir neste um estado de confiança que o tenha levado, designadamente, a não proceder ao traslado do corpo do seu familiar para outro local, ou ainda se não for de imputar ao comodante, pelo menos, uma falta de cuidado, no sentido de, ele mesmo, dever prever que, da aparência do seu comportamento, de mera inércia, poderia, à luz dos princípios enformadores da boa fé, criar a ideia de uma auto-vinculação a uma atribuição perpétua do uso da dependência.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG intentaram acção declarativa contra HH e mulher II, pedindo a condenação dos RR. a: “- reconhecerem o direito dos autores a acederem ao Jazigo de Família nº ..., no canteiro lateral direito do cemitério de Lordelo, concelho de Paredes, onde se encontra sepultado o filho e irmão deles, JJ; - facultarem aos autores cópia da chave da fechadura da porta do referido Jazigo; e, - absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem o exercício pelos AA. de tal direito, designadamente de nesse jazigo prestarem culto ao falecido aí inumado”.

Alegaram, para o efeito, que, desde que o seu familiar foi ali sepultado, em 1973, sempre acederam ao Jazigo para lhe prestarem culto e homenagem, o que sempre fizeram com o conhecimento e sem oposição de quem quer que fosse, nomeadamente dos RR., até ao ano de 2000, data em que, sem qualquer justificação, estes mudaram a fechadura que permite o acesso ao interior do jazigo, impedindo-os assim de prestarem o culto ao seu familiar, o que traduz um abuso de direito por parte dos RR., na modalidade de “venire contra factum proprium”.

Os Réus contestaram alegando, em síntese, terem permitido, a título provisório, a colocação da urna num gavetão do seu Jazigo, consentindo, até 1995, o culto dos AA., mas terem mudado a fechadura, com o propósito de salvaguardarem os seus direitos sobre o mesmo jazigo que estavam a ser esbulhados pelos AA., bem como para manter o seu direito ao culto de familiares que também aí se encontram sepultados. Concluíram pedindo a improcedência da acção.

A final, a acção foi julgada improcedente.

Apelaram, com inteiro sucesso os AA., pois que a Relação revogou o sentenciado e condenou os Réus no pedido.

Agora são estes que pedem revista, visando a reposição da decisão da 1ª Instância.

Para tanto, em termos úteis, levaram às conclusões: (…); 4) O direito de culto não está consagrado na nossa legislação portuguesa, nem se pode depreender do artigo 71º, nº 2 do Código Civil dado que o mesmo aborda direitos de personalidade após a morte em termos gerais e não um direito de culto; 5) O direito de culto aos mortos é um direito social cortesia, de ordem moral e ética, ou seja um direito natural que é imperfeito e não tem natureza coerciva, não podendo ser objecto de sentença de condenação - conforme Ac. de 19/1 2/2006, no processo na 06A4210, do Supremo Tribunal de Justiça, sobre a mesma questão fundamental de Direito e idêntico quadro legislativo; 6) Os factos assentes constantes dos pontos 9, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28 e 29, resultam inequivocamente que a urna foi colocada no jazigo a pedido dos familiares dos AA. porque o cemitério de Lordelo era pequeno e lá ficou até hoje por mera tolerância no jazigo que há 60 anos é conservado às expensas dos RR. pública, pacificamente e sem oposição de quem quer que seja...

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