Acórdão nº 257/19.3T8ADV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução21 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Tribunal Judicial da Comarca de Beja[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I - RELATÓRIO 1. M…, A…, LDA.

veio requerer contra a L…, procedimento cautelar de restituição provisória de posse sobre o prédio rústico denominado Herdade de …, sito na freguesia de São Marcos da Ataboeira, Concelho de Castro Verde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourique, sob os n.ºs ….

Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese, que: «1 – A requerente é uma sociedade comercial tem como objecto de actividade Agricultura.

2 – A requerente desde 10/05/2011 que se encontra na posse do identificado prédio rústico, de forma pacífica, legitimada, à vista de todas as pessoas, de forma ininterrupta na convicção de estar legitimada por um direito.

3 – Esta posse é legitimada através de um contrato denominado (mas apenas isso) de Comodato, celebrado entre requerente e requerida.

4 – O referido contrato de comodato tem vindo a ser celebrado e renovado anualmente desde Maio de 2011.

5 – Paralelamente com este contrato de comodato, foram feitos tantos outros, denominados de contrato de compra e venda de pastagem, pelo valor de €40.150,00, cada, reitera-se anualmente, conforme docs 1,2,3,4,5,6,7 e 8 que se juntam.

6 – Esclareça-se desde já que a denominação de qualquer um dos citados contratos, resultou de uma imposição feita pela requerida á requerente.

7 – O mesmo é dizer que a requerente, não teve alternativa se não aceitar a referida denominação dos contratos impostas pela requerida.

8 – Na verdade independentemente daquilo que a requerida tenha decidido chamar aos contratos, em substância o contrato existente entre requerente e requerida, trata-se de um contrato de arrendamento rural previsto DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro.

9 – Aliás, à excepção do valor da renda, que como é óbvio não poderia constar do pseudo contrato de comodato, todo o clausulado deste configura e tipifica um verdadeiro contrato de arrendamento.

10 – Relativamente ao contrato denominado compra e venda de pastagem, cujo valor anual se cifra em €40.150.00, este não é mais, que um meio encontrado pela requerida para assegurar o recebimento da renda que não pode fazer constar do contrato de comodato.

11 – Prova disso, é desde logo o elevado preço atribuído á pastagem, considerando os preços praticados na região.

12 – Acresce ainda, e resulta dos diversos contratos de compra e venda de pastagem que se juntam, que não obstante existir alterações na área vendida de pastagem, o preço mantêm-se inalterado ao longo dos últimos 8 anos. (Docs 1 a 8).

13 – Aliás, o referido comportamento negocial adoptado pela requerida relativamente á requerente, optando pela celebração dos dois tipos de contrato em simultâneo e já referidos, com o intuito de dissimular um verdadeiro contrato de arrendamento rural, já existia no passado, relativamente ao Sr.º J…, conforme contratos celebrados com este e que se juntam sob docs 9, 10 ,11, 12 e 13.

14 – Prova também de que estamos perante um verdadeiro contrato de arrendamento rural, é o que resulta dos contratos de compra e venda de pastagem, nomeadamente os celebrados em 2011 e 2016, os quais têm estipulado respectivamente na cláusula 2.º n.º 3 e na cláusula 3.ª, a possibilidade concedida ao requerente de apresentar candidaturas à medida Agro-Ambiental Rotação Cereal-Pousio da Intervenção Territorial Integrada de Castro Verde (anteriormente designada por plano Zonal de Castro Verde). Doc. 1 e 6.

15 – Possibilidade esta prevista nos contratos de 2011 e 2016, uma vez que, o prazo de duração da atribuição destes subsídios por cada candidatura é de 5 anos.

16 – Autorização esta concedida pela requerida para a requerente assumir um compromisso contratual por 5 anos, que é desde logo incompatível com um contrato de comodato, com uma vigência de cerca de 1 ano.

17 – A requerente anualmente e pontualmente procedeu ao pagamento das rendas no montante de €40.150,00.

18 – Tendo como única obrigação, comunicar previamente à requerida, atento o fim de conservação da natureza que esta prossegue, o plano das culturas a realizar, no ano seguinte, para que fosse o mesmo autorizado pela requerida.

19 – O que sempre aconteceu.

20 – Neste ano de 2019, a requerente agiu de igual modo aos anos anteriores.

21 – Tendo apresentado o plano de sementeiras a realizar, no final de Agosto de 2019. Doc 14.

22 – Á semelhança de anos anteriores havia sempre por parte da requerida um atraso na formalização dos contratos e da respectiva aprovação do plano de sementeira.

23 – Dai que, no dia 5/11/2019 a requerente tenha comunicado á requerida essa urgência (até porque no presente ano o atraso estava a revelar-se maior que nos anos anteriores que nunca tinha ultrapassado o mês de Outubro), tendo também comunicado que já tinha procedido ao pagamento da renda no montante de €40.150,00. Doc 15.

24 – Ao que a requerida retorquiu dizendo que os contratos estavam a ser elaborados pelo departamento jurídico e que como tal não deveria a requerente iniciar a sementeira. Doc 16.

25 – Em resposta, a requerente realça a urgência do inicio desses trabalhos, não só no seu próprio interesse, mas também no interesse da requerida, atento o fim de protecção da natureza que esta prossegue. Doc 17.

26 – De forma completamente inesperada vem a requerida comunicar á requerente em 7/11/2019, que devem retirar toda a maquinaria agrícola e gado, da propriedade até ás 12H do dia seguinte, alegando que o contrato de comodato tinha cessado e que não iria ser renovado. Doc 18.

27 – Contrariamente ao que tinha feito crer à requerente dois dias antes, ao dizer-lhe que apenas aguardava pela elaboração dos contratos. Doc 16.

28 – Independentemente, da qualificação jurídica do contrato que legitima a posse da requerente a postura da requerida, reflectida nas comunicações escritas anteriormente é toda ela reveladora de uma má fé negocial e num notório abuso de direito. (…) 43 – Dispõe o artigo 241.º do C.C, sob a epígrafe “Simulação Relativa”, o seguinte: “1 - Quando sob um negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.

2 – Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.” 44 – Por seu turno, o contrato de arrendamento rural está sujeito á forma escrita e tem como prazo mínimo de validade 7 anos, conforme disposições conjuntas dos artigos 6.º e 9.º do DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro.

45 – Forma escrita esta que foi observada nos contratos de comodato e de compra e venda de pastagem.

46 – Assim, nos termos do artigo 241.º n.º 2 C.C, o contrato de arrendamento rural, alegado pela requerente como contrato dissimulado é válido por observância da forma exigida por lei.

A considerar-se a existência de um contrato de arrendamento rural este, porque está legalmente sujeito a um prazo mínimo de 7 anos de vigência, o mesmo teria tido início aquando dos primeiros contratos celebrados entre requerente e requerida, no ano de 2011, mais concretamente em 17/11/2011.

47 – Assim sendo, o primeiro contrato teria vigorado até 16/11/2018, data em que não tendo sido denunciado se renovou por idêntico período de tempo, ou seja, vigorará até 16/11/2025.

48 – O que, legitima a requerente a encontrar-se na posse do referido prédio rústico, objecto do contrato, na qualidade de arrendatária, e como tal na posse do mesmo, nos termos e para os efeitos do artigo 1251.º do C.C.

49 – E nessa qualidade, foi esbulhada com violência, conforme previsto no artigo 377.º C.P.C.

50 – Caso, V.Exª entenda que não se encontram reunidos os pressupostos do procedimento nominado da restituição provisória da posse, porque se encontram reunidos os pressupostos para o procedimento cautelar comum, desde já se requer a sua convolação».

  1. Realizada a instrução, foi proferida decisão que, com fundamento na verificação dos requisitos do procedimento e na declaração de que “formalmente a requerente é comodatária do prédio”, julgou procedente a providência cautelar e decretou a restituição provisória de posse à Requerente sobre o identificado prédio rústico.

  2. Notificada, a Requerida deduziu oposição, impugnando motivadamente a factualidade concernente à invocação da real existência de um contrato de arrendamento, contextualizando a actividade que desenvolve, elencando o plano de gestão da Herdade e as obrigações assumidas, alegando designadamente que “a gestão das propriedades sempre foi assegurada pela Requerida, sendo apenas a sementeira e agropecuária efetuada com a colaboração de agricultores locais, mas sempre baixo as instruções da Requerida”, invocando que os contratos celebrados entre as partes são realmente de comodato e de compra e venda de pastagens, a termo certo, “na medida em que em todos os contratos eram específicos relativamente ao início e ao termo dos mesmos e, neste sentido, eram todos os anos elaborados e assinados novos contratos, e estando a vigência de todos eles separada com pelo menos um mês de diferença entre o final do contrato anterior e o início do contrato seguinte”, não tendo a requerente sido “obrigada, muito menos coagida, a assinar e a acordar com os termos propostos, tanto é que o mesmo aceitou estas condições ao longo de 8 (oito) anos consecutivos”, e refutando que subjacente aos mesmos esteja um contrato de arrendamento agrícola.

    Mais alegou a existência de algumas situações de incumprimento pela Requerente das obrigações contratualmente assumidas, como fundamento para não contratar com a mesma “por mais um ano”, pelo que, quando teve conhecimento que a requerente tinha avançado com as sementeiras, decidiu ordenar a sua saída no sentido de evitar que se causassem mais danos, decidindo fechar os portões no dia 12.11.2019 e solicitar a sua saída por email e através de carta dos seus mandatários, datada de 27.11.2019.

    ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT