Acórdão nº 01198/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução02 de Dezembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) A…, Procuradora-Adjunta a exercer funções nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de …, intentou neste Supremo Tribunal Administrativo, contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, e ao abrigo do disposto nos arts. 33º do EMP, 24º, nº 1, al. a), IX do ETAF e 46º e segs. do CPTA, acção administrativa especial em que peticiona a anulação da deliberação daquele Conselho Superior, tomada em sessão plenária de …, que, no âmbito do processo disciplinar nº …, contra si instaurado, lhe aplicou a pena disciplinar única de transferência para fora do Círculo Judicial de …, com perda, ope legis, de 60 dias de antiguidade, bem como a condenação do Réu à prática de acto legalmente devido, consistente no arquivamento do processo disciplinar instaurado à A., ou, se assim não for entendido, na aplicação da pena única de dez dias de multa, suspensa na sua execução por um ano.

A entidade demandada contestou, pedindo a improcedência da acção e a sua consequente absolvição dos pedidos nela formulados.

Na sua alegação final, formula as seguintes conclusões: 1. Tendo a instauração do procedimento disciplinar à A. sido efectuada em 10/04/2007 e a data da decisão final proferida em 11/09/2009 (notificada em 29/09/2009), com a aplicação da pena de transferência pelo Conselho Superior do Ministério Público (Plenário), decorreram mais de 18 meses, pelo que se verifica a sua prescrição, nos termos do art.º 6°, n.º 6, do novo Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (ex vi do art.º 108.º do EMP), sendo certo que 2. este prazo é mais favorável à A. e que melhor garante a sua audiência e defesa, atento o anterior prazo de 3 anos, constante do art.º 4º n.º 1, do ED aprovado pelo Dec. Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro; 3. A tese de que o prazo de 18 meses só se conta a partir da entrada em vigor desse diploma não tem em consideração o facto de a prescrição do procedimento disciplinar ter natureza substantiva, sendo aplicável ao direito disciplinar os princípios e normas do direito penal, que, sendo o novo regime mais favorável ao arguido, determina a sua aplicação retroactiva, nos termos do art.º 29°, n.º 4, da Constituição da República e art.º 6° do Código Penal; 4. O facto de o n.º 3, do art.º 4° desse diploma, preceituar que esse prazo se conta "a partir da entrada em vigor do Estatuto" apenas diz isso mesmo: que se tal prazo ocorrer antes da entrada em vigor do diploma não é aplicável; mas se o mesmo ocorrer depois da entrada em vigor desse diploma, nada impede que o mesmo seja aplicado retroactivamente, contando-se tal prazo na sua totalidade (desde a instauração até à decisão), de harmonia com o princípio da aplicação da lei penal (e disciplinar) mais favorável.

5. Assim se entendeu quando o art.º 4º do anterior E.D. estabeleceu, como regime mais favorável para o arguido, ao reduzir de 5 para 3 anos o prazo de prescrição do procedimento disciplinar (cfr. entre, o Ac. do STA de 21/10/1968 - Proc. n.º 014868); 6. São inconstitucionais – e como tal devem ser declaradas – as normas dos n.ºs 1 e 3, do art.º 4º da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, por violação do art.º 29, n.º 4, da Constituição da República, quando interpretadas no sentido de que o novo prazo de prescrição de procedimento disciplinar previsto no art.º 6º, n.º 6, do respectivo E.D. (18 meses), só se contar a partir da data em vigor do Estatuto, sem qualquer aplicação retroactiva, não obstante tais normas fixarem um regime mais favorável ao arguido.

SEM PRESCINDIR 7. As faltas da A., por motivo de doença, estão justificadas por atestado médico, pelo que não são faltas injustificadas, nos termos do n.º 4, do art.º 33º do Dec. Lei n.º 100/99, como, aliás, o considera o relatório do senhor Instrutor do processo disciplinar; 8. Não há, assim, em relação a tais faltas, qualquer violação do dever funcional de permanência no domicílio, que só tem por finalidade a verificação, se for caso disso, da situação de doença, e que, no caso presente, não foi constatado – ou o dever geral de zelo, que apenas releva para efeitos do exercício da função (art.º 3°, n.º 1 e n.º 7, do novo Estatuto) – como salientam os Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa anotada – 3ª edição, pag. 952): "A responsabilidade específica do funcionário ou agente público pressupõe uma conexão funcional com o serviço, não estando em causa comportamentos privados dos funcionários, sendo de resto insuficiente uma relação indirecta, ocasional, com o serviço".

9. Dos deveres infringidos pela A. resta apenas a violação do "dever de residência" na sede do tribunal onde se achava colocada, com a sua ausência no Brasil, por um curto período, a acompanhar o seu marido médico, quando o art.º 87°, n.º 1, do EMP prevê que o magistrado se pode ausentar desde que comunique e justifique a ausência imediatamente após o regresso, e que o facto de estar a residir em … (a cerca de 5Kms, auto- estrada A-11, de … era de todos conhecido, designadamente com autorização do Conselho Superior do Ministério Público, quando a A. esteve colocada no Tribunal de Trabalho de V.N. Famalicão; 10. Assim, perante este enquadramento, não é idónea a aplicação da “pena de transferência”; 11. Na verdade, para aplicação de tal pena, seria necessário que houvesse "quebra de prestígio exigível ao magistrado" e que isso se reflectisse "no meio em que exerce funções" (art.º 182º do EMP aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro); 12. Ora, da ausência da A. no Brasil, por 5 dias úteis, sem autorização do seu superior hierárquico, para acompanhar o seu marido a um congresso médico, não se vislumbra qualquer quebra de prestígio da A., como magistrada, de tal forma que inviabilize a sua permanência no meio em que exerce funções.

13. Não está demonstrado, aliás, que os seus colegas tenham ficado em … a responder pelo serviço que era do cargo da A., uma vez que não houve qualquer redistribuição pelos Colegas: foi a A. que teve de responder pelo serviço igual ao dos seus colegas – incluindo no período de 01/06/2007 a 30/11/2007, em Comissão de Serviço na República de Angola – não obstante apenas lhe deverem ser atribuídos, em função da sua doença, "trabalhos moderados"; 14. Neste sentido são elucidativos os testemunhos dos ilustres magistrados, ouvidos no processo disciplinar, e que aqui se dão por reproduzidos; 15. A conduta da A. não tem, pois, pela sua gravidade e pelas circunstâncias em que ocorreu, uma censura ética que possa justificar a aplicação de uma pena tão gravosa como a de "transferência", até pela estigmatização que dela resulta, pelo que a impugnada deliberação violou o disposto no art.º 182º do EMP; AINDA SEM PRESCINDIR 16. Acresce que a impugnada deliberação, ao aplicar a pena de transferência, é manifestamente desproporcionada; 17. Na verdade, no "relatório final" datado de 11/05/2009, foi proposto pelo Senhor Instrutor a pena única de 10 dias de multa, suspensa na sua execução por um ano, não havendo na "nova acusação" em "obediência" ao acórdão de 07/10/2008 do CSMP (fls. 328 a 355) factos novos, sendo que a violação dos deveres funcionais, por parte da A., são os mesmos, 18. sem se ter devidamente em conta os depoimentos das testemunhas arroladas pela A., perante a "nova acusação"; 19. nem a doença de que padecia a A., pelo que 20. não se justificava a aplicação de uma pena mais gravosa que a sugerida no 1º relatório do Senhor Instrutor; 21. Assim, a impugnada deliberação, ao aplicar a pena de transferência, violou o princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso (art.º 266º, n.º 2, da CRP e art.º 5º do CPA).

AINDA SEM PRESCINDIR 22. Tendo sido atribuída à A., por Junta Médica de 14/01/2010, a incapacidade permanente de 72% e, estando em apreciação na Caixa Geral de Aposentações, o pedido de aposentação da A., por incapacidade, quando isso se vier a verificar – para o que a A. se obriga a dar conhecimento desse facto nos presentes autos – o acto impugnado, que aplicou à A. a pena disciplinar de transferência, é inexequível, deixando de ter eficácia externa sendo, por isso, inimpugnável (art.º 51, n.º 1, do CPTA).

23. Tais factos são supervenientes, pelo que ao abrigo do art.º 91º...

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