Acórdão nº 263/06.8JFLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Dezembro de 2010

Data02 Dezembro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA Decisão: INDEFERIDA Sumário : I - Sendo a decisão recorrida um acórdão absolutório do Tribunal da Relação, tirado em recurso de decisão da 1ª instância que condenara o arguido em pena de multa, não está abrangida pelos casos de irrecorribilidade configurados no art.º 400.º do CPP07, nem em qualquer outra norma legal, pelo que, à primeira vista, tudo aponta para a aplicação da regra geral definida no art.º 399.º, isto é, para a recorribilidade.

II - Parece-nos evidente que não se devem esgrimir argumentos de ordem lógico-sistemática para contrariar essa ideia da recorribilidade, até porque a regra é a da recorribilidade e, portanto, as exclusões devem ser tratadas de forma restritiva quanto aos casos de não recorribilidade.

III - Aos tribunais não cabe discutir o critério legislativo, ou a falta dele, no que respeita às questões que podem ou não chegar ao Supremo Tribunal de Justiça pela via do recurso, umas mais graves que não lhe podem ser colocadas, outras de menor dimensão e que são sujeitas à sua reapreciação. Tal critério, bom ou mau, é definido no âmbito da competência da política legislativa, reservada à Assembleia da República. Para além de que a regra geral é a da recorribilidade. Não é, pois, por esse motivo, de ordem lógico-sistemática, que se pode recusar a recorribilidade da decisão proferida nestes autos pela Relação.

IV - A simples leitura dos art.ºs 399.º e 400.º do CPP permite que existam em simultâneo estas duas situações: - não é recorrível para o STJ o acórdão da Relação, proferido em recurso, que condenou o arguido numa pena não privativa da liberdade por determinado crime e que, assim, revogou a absolvição da 1ª instância (art.º 400.º, n.º 1, al.

e, do CPP); - é recorrível para o STJ o acórdão da Relação, proferido em recurso, que absolveu o arguido por determinado crime e que, assim, revogou a condenação do mesmo na 1ª instância numa pena não privativa da liberdade (art.ºs 399.º e 400.º, este “a contrario”).

V - Trata-se, porém, da mesma situação, embora em posições invertidas, pois uma é simetricamente o inverso da outra. Apesar da manifesta semelhança, há um tratamento legislativo diferente ao nível da interposição dos recursos.

VI - A primeira situação não é passível de um juízo de inconstitucionalidade. Na verdade, o art.º 32.º, n.º 1, da Constituição dispõe que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Mas, o Tribunal Constitucional tem reafirmado em diversos acórdãos e ao longo dos anos que «A Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz, admitindo-se embora, no processo penal, o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência da exigência constitucional do principio da defesa, mas já não o direito a um triplo grau de jurisdição» (v.g. Acs. do TC n.ºs 163/90 de 23-05-1990, 331/02 de 10-07-2002, 377/03 de 15-07-2003, 375/05 de 07-07-2005, 64/06 de 24-01-2006, 530/07 de 29-10-2007).

VII - Assim, o facto do arguido no caso da al. e) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP07 não dispor de um terceiro grau de recurso não viola a Constituição, pois o núcleo essencial dos seus direitos de defesa já ficou ressalvado com o duplo grau de jurisdição, para mais num caso em que a decisão final nem sequer o privou nem lhe restringiu o direito à liberdade.

VIII - Contudo, o que já não é tolerável do ponto de vista dos direitos de defesa é que no caso simetricamente oposto a esse, em que ao arguido continua vedado o direito a novo recurso, agora por falta de interesse em agir (pois foi absolvido na segunda instância da acusação, após condenação na 1ª instância em pena não privativa da liberdade), a acusação, isto é, o Ministério Público ou Assistente, possa recorrer.

IX - Nas “duas imagens invertidas”, o arguido não teria direito a interpor recurso em qualquer delas, mas permitir-se-ia ao M.º P.º e ao Assistente, numa delas, um direito que àquele não assiste (o terceiro grau de jurisdição).

X - Criar-se-ia uma desigualdade de armas, desfavorecendo o arguido e beneficiando a acusação.

XI - O tratamento diferente que a lei processual dá aos dois casos de recorribilidade anteriormente indicados, simetricamente opostos e, portanto, indissociáveis, já que não se pode encarar um sem vislumbrar o outro, como num espelho que inverte a imagem da mesma “figura”, coloca o arguido nesta situação absurda: naquele em que é condenado, não lhe é permitido recorrer para obter a sua absolvição, no outro em que é absolvido, a acusação pode recorrer para obter a sua condenação! XII - Esta diferença de tratamento, em casos que deveriam ser tratados como iguais, é irrazoável e arbitrária, para mais com ofensa do núcleo fundamental do direito de defesa.

XIII - Há ofensa, nesta interpretação das normas de processo penal, dos art.ºs 13.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, por violação material dos direitos à igualdade e de defesa (através do recurso) no processo penal.

XIV - Note-se que estamos aqui a reportar-nos a um caso específico, em que a condenação na 1ª instância foi numa pena não privativa de liberdade e que, posteriormente, reapreciada pela Relação em sede de recurso, foi determinada a absolvição do arguido. Pois, se a condenação na 1ª instância fosse em pena privativa de liberdade, nenhuma objecção se poria ao recurso para o STJ por parte da acusação contra o acórdão absolutório da Relação, pois que na situação simetricamente oposta (absolvição na 1ª instância e condenação na Relação em pena privativa da liberdade) o arguido poderia interpor recurso para o STJ (cfr. al.

e, a contrario, do n.º 1 do art.º 400.º do CPP).

XV - Concluímos, assim, que é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, no sentido de que é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo Ministério Público ou pelo Assistente, do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso, que absolveu o arguido por determinado crime e que, assim, revogou a condenação do mesmo na 1ª instância numa pena não privativa da liberdade.

Decisão Texto Integral: I.

No presente processo, em 15 de Outubro de 2010, o relator proferiu a seguinte decisão sumária: DECISÃO SUMÁRIA 1.

A foi julgado na 1ª Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 263/06.8JFLSB, estando então pronunciado, após acusação do M.º P.º, acompanhada pelo Assistente B, pela prática de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, previsto e punível no art.º 374.°, n.º 1, por referência aos art.ºs 376.°, n.º 1, e 386.°, n.º 1, ambos do C. Penal, bem como no art.º 18.°, n.º 1, por referência aos art.ºs 16.°, n.º 1, e 3.°, n.º 1, alínea i), da Lei 34/87 de 16/7, na redacção da Lei 108/2001 de 28/11.

Por acórdão de 23/02/2009, foi condenado, naquela 1ª instância, como autor material de um crime de corrupção activa para acto lícito, p. e p. pelo art.º 18.°, n.º 2, da Lei 34/87 de 16/7, na redacção da Lei 108/2001 de 28/11, na pena de 25 (vinte e cinco) dias de multa à razão diária de € 200 (duzentos euros), o que perfaz o montante global de € 5000 (cinco mil euros).

Desse acórdão condenatório recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa quer o arguido, que pediu a sua absolvição, quer o M.º P.º e o Assistente, estes a pedirem a condenação do arguido pela prática do crime por que estava pronunciado.

Por acórdão de 22-04-2010, o Tribunal da Relação de Lisboa veio a absolver o arguido, com o fundamento de que os factos provados na 1ª instância não configuravam os elementos típicos do crime de corrupção activa de titular de cargo político.

2.

Inconformados, recorrem o Ministério Público e o Assistente para o Supremo Tribunal de Justiça.

O primeiro pediu a anulação do acórdão por falta de pronúncia quanto à impugnação da matéria de facto, ou o reenvio por existência de vícios do art.º 410.º, n.º 2, do CPP, ou a condenação do arguido por corrupção activa para acto ilícito (embora, por lapso tenha escrito “lícito). O segundo pediu a condenação do arguido pelo crime por que estava pronunciado.

O arguido respondeu e pediu a manutenção da sua absolvição.

Todos se pronunciaram sobre a questão prévia da recorribilidade da decisão para o STJ. O recurso foi admitido e subiu para este Tribunal, onde o Ministério Público, em opinião divergente do seu colega da Relação, se pronunciou pela irrecorribilidade.

Nos termos do art.º 417.º, n.º 2, do CPP, arguido e Assistente pronunciaram-se sobre o Parecer do M.º P.º no STJ.

3.

Fazendo uma súmula das opiniões já manifestadas nos autos pelos diversos intervenientes processuais quanto à referida questão prévia, vemos que os mesmos se pronunciaram do seguinte modo:

  1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação: «… Não se desenhando, assim, urna situação de dupla conforme absolutória, não se enquadra o aresto desta Relação no regime de irrecorribilidade consagrado na alínea e) do n.º 1 do art.º 400.° do C.P.P., nem, quer-nos parecer, em qualquer dos restantes segmentos normativos enumerados nas demais alíneas deste preceito; d) Ora, decorrendo, por um lado, do disposto no art.º 399.° do C.P.P. o princípio geral da recorribilidade das decisões, e, por outro, a excepção de não admissibilidade de recurso nos casos expressamente previstos, afigura-se-nos, salvo melhor entendimento, que não pode deixar de se concluir pela inexistência de qualquer norma que, "in casu", obste à interposição do presente recurso para o S.T.J.».

  2. O Assistente: «…a regra geral do ordenamento processual-penal nacional é a da recorribilidade das decisões "cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei", nos termos expostos no artigo 3992 do Código de Processo Penal. Por outro lado, do artigo 432°-, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal resulta que...

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