Acórdão nº 157/03.9DBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução22 de Novembro de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: *I- Relatório No 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde Processo, no âmbito do processo comum singular n.º 157/03.9IDBRG, em que é arguido António R..., com os demais sinais do autos, por decisão de 8 de Julho de 2009 foi decidido, para além do mais: «Em face do exposto, notifico desde já o arguido para, no prazo de 30 dias, pagar querendo a prestação tributária em dívida - € 9.085,61 - , acrescida de juros e do valor da coima aplicável, nos termos do art. 114º do RGIT, devendo comprovar esse pagamento nos autos, no prazo de 10 dias, após o decurso daquele prazo de 30 dias.

*Porém, e por razões de economia processual, vistas as declarações prestadas pelo condenado, que alegou impossibilidade económica de efectuar o pagamento em causa em prazo inferior a seis meses, somos a determinar que, caso o condenado não efectue o pagamento no prazo no prazo de 10 dias, após o decurso daquele prazo de 30 dias, desde já se defere a requerida prorrogação do prazo de seis meses, contado do termo concedido na ultima parte do despacho anterior, para efectuar o pagamento a quantia de € 9.085,61 e legais acréscimos, valor ao qual se reduz a condição de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, pelas razões de facto e de direito supra aduzidas.

Mais se adverte, que este prazo é improrrogável.

Termos em que, subsidiárimente se reduz a condição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado, ao indicado valor de € 9.085,61 e legais acréscimos e, se prorroga a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado por mais seis meses, improrrogaveis, contado do termo concedido na ultima parte do despacho anterior.

Notifique.

Deposite.

**Sem custas.

Notifique.» Inconformado com tal decisão, o arguido dela interpôs recurso, rematando a motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: 1ª - A reabertura da audiência passa pela suficiente alegação de um circunstancialismo prévio, que permita conjecturar, ab initio, que a norma agora introduzida, se existisse no momento do julgamento, introduziria uma nota a favor do arguido, que é materialmente, por isso de pôr em prática.

  1. - Sendo a matéria de facto intocável, na reabertura da audiência nos termos do artigo 371-A do CPP, visa-se um julgamento parcelar da questão, em manifesto benefício do arguido, para determinação, no confronto de leis em sucessão, do regime penal que lhe é mais benéfico, ou seja, para proporcionar nova sanção, mesmo que a anterior decisão tenha transitado em julgado.

  2. - Face à nova redacção do artigo 105° n.º 4, al. b) do RGIT, regime imediatamente aplicado retroactivamente ao arguido, por ser mais favorável, a sentença proferida na ausência da nova condição objectiva de punibilidade, não pode subsistir, apesar de ter transitado em julgado.

  3. - A decisão em crise, ao prorrogar o prazo de pagamento por seis meses, antes de se saber se o arguido vai ou não cumprir o estatuído no citado artigo 105° n.º 4, al. b) do RGTI, pressupõe uma condenação proferida, sem existir uma condição objectiva de punibilidade.

  4. - Antes de ser notificado para o efeito, e só o foi na decisão recorrida, e sem ter decorrido o prazo concedido, é prematuro e ilegal, submeter alguém a julgamento e muito menos manter uma condenação sem a verificação de todas as condições objectivas de punibilidade.

  5. - A reabertura da audiência tinha como escopo único notificar o arguido para os efeitos do artigo 105°, n.º 4, al. b) do RGIT.

  6. - Decorrido o prazo concedido e na ausência de pagamento, o arguido poderia incorrer em responsabilidade criminal e eventualmente ser submetido a julgamento, se o procedimento criminal não estivesse prescrito e se a sua conduta não tivesse sido descriminalizada, como foi.

  7. - De todo o modo a eventual pena a aplicar ao arguido deve ser a pena de multa, face à nova redacção do artigo 43° n.º 1 do CP, o que decorre do princípio da aplicação da lei mais favorável, plasmado no artigo 2°, n.° 4, do Código Penal, e no artigo 29°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

  8. - A decisão em crise fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 371° A do CPP, 2° n.º4, 43º, n.º1 do CP, 105° n.º1 e 4 do RGIT, e 29º da Constituição da República Portuguesa, pelo que, 10ª - deve ser revogada e substituída por outra que, na hipótese de não considerar a conduta do arguido descriminalizada, ou o procedimento criminal prescrito, lhe aplique uma pena de multa, assim se fazendo a habitual Justiça»*O Ministério Público junto do Tribunal recorrido não respondeu ao recurso.

*O recurso foi admitido para este Tribunal por despacho constante de fls. 484.

*Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer pronunciando-se no sentido da procedência do recurso, acentuando a necessidade de, antes do mais, ser cumprida a notificação a que alude a alínea b) do n.º4 do artigo 105º do RGIT.

*Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, não foi apresentada resposta. Colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência.

* II- Fundamentação 1.

Conforme é sabido, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98).

Neste recurso as questões suscitadas pelo recorrente são as seguintes: · Descriminalização da conduta do arguido, por força da alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT; · Necessidade de aguardar pelo decurso do prazo a que alude a alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT; · Aplicação de pena de multa.

  1. Cronologia processual relevante É a seguinte a cronologia processual relevante para decisão do presente recurso: a) Por sentença de 25 de Novembro de 2005 o arguido foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos sob a condição de, no mesmo prazo, pagar a quantia em dívida de IVA ao Estado, o que deveria comprovar nos autos (fls. 386-395); b) Por despacho de 19 de Março de 2009, sob promoção do Ministério Público, foi ordenado que se oficiasse à Direcção de Finanças de Braga solicitando informação sobre o pagamento dos “tributos em causa nos presentes autos” (fls. 453-454), tendo aquela Direcção de Finanças informado que as prestações tributárias de IVA em causa nos autos s encontram por pagar, encontrando-se em fase de cobrança coerciva no Serviço de Finanças de Vila Verde (fls. 456); c) Sem que tivesse havido qualquer despacho nesse sentido, a fls. 461 encontra-se inserido um auto de interrogatório de arguido, datado de 14 de Maio de 2009, do qual consta que findas as declarações daquele, a Digna Magistrada do Ministério Público promoveu que “lhe fosse aberta vista a fim de se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao condenado” (fls. 461-462): c) Em 28 de Maio de 2009 o Ministério Público, em face das alterações introduzidas ao artigo 105º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, requereu “a reabertura da audiência para aplicação de lei mais favorável ao arguido, conhecendo dos factos relativos ao 4º trimestre de 1999 e declarar extinto o procedimento criminal quanto aos restantes” d) Para os efeitos promovidos foi designada a reabertura da audiência em 8 de Julho de 2009.

    Conforme assinalado na respectiva acta: «Quando eram 14 horas, pela Mma Juíza de Direito foi declarada reaberta a audiência de discussão e julgamento. Pedida a palavra pelo Digna Magistrada do M.º Público pelo mesmo foi dito que sem prejuízo da promoção de fls. 464 e seguintes, promovo que antes de mais se notifique o arguido nos termos e para os efeitos do art.º 105 n.º 4 al. b) do RGIT, para no prazo de 30 dias pagar a quantia respeitante ao 4º trimestre de 1999.

    * * *Inquirido o arguido António R... pelo mesmo foi dito que continua a não dispôr de meios financeiros para liquidar a dívida às finanças no prazo de 30 dias, dada a situação sua insuficiência económica, pelo que requer uma prorrogação do prazo para liquidar a referida dívida.» e) Após, findas as alegações e depois de facultado ao arguido o exercício do direito última palavra, foi proferida a seguinte decisão (decisão recorrida; transcrição): «Nos presentes autos, António R... foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punível, à data dos factos pelos artigos nº 1 e 2, do RJIFNA, e actualmente pelas disposições conjugadas dos artigos 30º, nº 2 e 79º, do Código Penal, e 105°, nºs 1 do RGIT, na pena de um ano de prisão, suspensa na execução pelo período de três anos, condicionada ao pagamento da quantia devida a título de IVA e demais acréscimos legais.

    Face às alterações introduzidas pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro o artigo 105º, nº 1 do RGIT passou a constar: “ Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7.500,00 deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão ou multa até 360 dias” Na anterior redacção, tal conduta era ilícita independentemente do valor do tributo.

    Estamos assim perante uma sucessão de leis penais.

    Dispõe o art. 2. ° do Código Penal, cuja epígrafe é "Aplicação no tempo", que ss penas e as medidas de segurança selo determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto do preenchimento dos pressupostos de que dependem. O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções: neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais. Mais prevê, que...

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