Acórdão nº 263/04 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDR. ORLANDO GON
Data da Resolução24 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam , em audiência , na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra .

Relatório Pelo 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro , sob acusação do Ministério Público , foi submetido a julgamento em processo comum , com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido AA, solteiro, sem profissão, nascido a 28.06.1985, natural da freguesia de Glória, concelho de Aveiro, de nacionalidade portuguesa, filho de BB e de CC, residente na R. de DD, Aveiro , imputando-se-lhe condutas correspondentes à autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de 2 (dois) crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, e de 1 (um) crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal .

Face à inimputabilidade do arguido em razão de anomalia psíquica, visto padecer de debilidade mental ligeira, e perigosidade, em virtude da gravidade dos factos ilícitos típicos praticados e da forte probabilidade de vir a cometer novos factos de idêntica natureza, solicita o Ministério Público a aplicação ao mesmo de uma medida de segurança de internamento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 20.º e 91.º e seguintes, do Código Penal.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal Colectivo , por acórdão proferido a 11 de Novembro de 2003 , decidiu : - Julgar o arguido AA autor de factos que correspondem aos seguintes ilícitos típicos: dois roubos, p.ºs e p.ºs cada um pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal ; e um furto p. e p. pelo art. 203.º, do Código Penal .

- Declarar tal arguido inimputável, relativamente aos mencionados ilícitos, e perigoso.

- Determinar a aplicação ao arguido de medida de internamento na instituição onde o mesmo se encontra actualmente - Hospital Sobral Cid, em Coimbra (V. fis. 201) - que terá a duração mínima de 3 (três) anos e cessará quando cessar o seu estado de perigosidade criminal, sem que possa exceder 8 (oito) anos, devendo ter-se em conta o tempo de permanência do arguido em tal instituição a título de internamento preventivo.

- Declarar perdidas a favor do Estado as 3 chaves próprias para viaturas de marca Fiat e a gazua apreendidas ao arguido, por terem servido para a prática de crimes e existir o risco de o virem de novo a ser (art. 109.º, do CP), determinando-se desde já a sua destruição caso se venha a apurar não possuírem valor comercial.

Relativamente ao isqueiro e dois telemóveis referidos a fls. 42 dos autos, caso os mesmos não tenham sido reclamados no prazo legal, declara-se a sua prescrição a favor do Estado (art.14.º, do Dec. 12487, de 14.10.1926) - vide fls. 355 e 381 dos autos).

Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o arguido José António Almeida Jesus , concluindo na sua motivação : 1 - Existe insanável contradição, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 b) do art.410.º do C.P.P., entre a prova da inimputabilidade do arguido e a prova de que o mesmo praticou os factos correspondentes aos ilícitos típicos de roubo, p. e p. no art.210.º n.º 1 CP, e furto p. e p. no art. 203.º do Código Penal “sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal” .

2 - Constando da douta acusação deduzida, referindo-se ao agente, que “não obstante os seus comportamentos podem ser corrigidos” tal constitui matéria de facto de que o tribunal podia e devia conhecer, nos termos do disposto no n.º 2 do art.374.º do C.P.P., e que possui relevância para a boa decisão da causa. Termos em que sendo o douto acórdão sob recurso omisso sobre tal facto é o mesmo nulo de acordo com o disposto no n.º 1 do art.379.º do C.P.P. .

3 - O facto de o agente ter abandonado o veículo FF longe do local onde o encontrou não permite, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, concluir que fosse intenção do mesmo apropriar-se do veículo ou dos bens no seu interior. Pelo contrário entende-se que indicia fortemente que a intenção daquele seria apenas a de se fazer transportar de um local para outro.

O tribunal ad quo terá tido dúvidas quanto à intenção do agente, como resulta das expressões em condicional utilizadas na sua douta fundamentação, decidindo em desfavor do agente.

Termos em que violou o douto acórdão sob recurso o principio in dúbio pro reo e as normas plasmadas nos art.ºs 127.º do C.P.P. e 342.º do C.C..

4 - O agente apresenta perigosidade apenas para crimes contra o património e em anterior processo foi declarado como destituído de qualquer perigosidade. Os seus comportamentos podem ser corrigidos mediante acompanhamento médico adequado. Para esse acompanhamento com vista à correcção dos seus comportamentos é medicamente desaconselhável o regime de internamento. Existem condições para um acompanhamento médico e social do agente. Dentro do tipo legal do crime de roubo os factos praticados pelo agente revelam um baixo grau de ilicitude tanto quanto ao grau de violência utilizado contra as pessoas como em relação aos valores patrimoniais postos em causa, o que permite concluir que a libertação do mesmo não é incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

Termos em que existem motivos para considerar que o arguido não voltará a praticar factos da mesma espécie e não deveria o seu internamento ter sido ordenado. Ao decidir em sentido contrário violou o douto acórdão sob recurso o disposto nos n.º s 1 e 2 do art.91.º do Código Penal .

5 - Se é possível afirmar como o fez o douto sob recurso que a simples ameaça da efectivação do internamento seria por si só insusceptível de afastar o agente de comportamentos anti-sociais, é também possível afirmar que a ameaça de efectivação conjugada com as medidas de acompanhamento médicas e sociais previstas no art.98.º do C.P. e eventualmente até com condições que ao agente fossem impostos nos termos do art.52.º C.P. seria susceptível de o fazer.

A esta ultima conclusão obriga o facto médico de os comportamentos do agente serem corrigiveis, sendo que é adequado para a correcção desses comportamentos anti-sociais o tratamento fora do regime de internamento.

Acrescente-se que a perigosidade do agente é reduzida ( foi em anterior processo declarado como destituído da mesma e no presente considerou-se apenas existir para os crimes contra o património ) e que no anterior processo por que foi julgado, foi libertado sem qualquer acompanhamento posterior e sem qualquer ameaça de efectivação de internamento, ao contrário do que agora, a ser suspenso o internamento, necessariamente sucederia por força do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 98.º do C.P..

Termos em que é razoável esperar que com a suspensão da medida de internamento se possa ainda alcançar o fim da mesma, ou seja, evitar a prática de factos da mesma espécie por parte do agente, sendo certo que a ser a mesma suspensa não existiria qualquer incompatibilidade com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

Ao decidir em sentido contrário violou o douto acórdão sob recurso o disposto nos art.ºs 127.º C.P.P. e 98.º do C.P..

O Ministério Público na Comarca de Aveiro respondeu ao recurso pugnando pela manutenção integral do acórdão recorrido .

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Coimbra emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso , embora admitindo que o furtum rei , relativamente ao veículo automóvel, pode soçobrar para furtum usus .

Cumprido o disposto no art.417.º , n.º2 do Código de Processo Penal não houve resposta .

Colhidos os vistos e realizada a audiência , cumpre decidir .

Fundamentação É a seguinte a matéria apurada na audiência de julgamento : Factos provados

  1. Entre as 22.00 horas de 15.01.2003 e as 05.30 horas de 16.01.03, na EE, nesta cidade e área desta comarca de Aveiro, o arguido AA acercou-se do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula FF, com o quadro ZFA14600001723447, no valor de cerca de 500,00 Euros, que aí se encontrava estacionado e pertencia à ofendida GG.

    Então, com o auxílio de uma gazua, feita a partir de uma vareta de óleo, o arguido abriu as portas da referida viatura, onde entrou.

    De imediato, de forma não apurada, colocou-a em funcionamento e abandonou o local, fazendo-se transportar na viatura, que assim fez sua, bem como os seguintes objectos, contidos no seu interior, com o valor global não apurado: documentação do veículo, uma mochila escolar de cor verde, marca Camps Player, contendo livros escolares, dois CDs Rec Power, um frasco de loção solar, quatro lâminas wilkinson, uma estatueta em forma de bruxa, dois tubos de creme “Decubal”, um colar com fio em forma de sol, em metal, e um estojo em palha, contendo 10 canetas, 3 marcadores e minas.

    Alertadas as autoridades policiais, veio aquele veículo a ser localizado no Bairro da Teixugueira, junto do Centro de Saúde de Estarreja, tendo sido recuperados todos os mencionados objectos, que foram entregues à sua legítima proprietária.

    O arguido tinha conhecimento de que os referidos objectos não lhe pertenciam e que a sua conduta era contrária à vontade do proprietário, tendo agido com o propósito conseguido de os fazer seus.

    Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

  2. No dia 06.02.2003, pelas 16.30 horas, os ofendidos HH e II, de 14 anos de idade, seguiam a pé pela Rua de Viseu, em Esgueira, área desta comarca de Aveiro.

    Então, de comum acordo e em conjugação de esforços, o arguido, conjuntamente com o JJ e outro indivíduo cuja...

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