Acórdão nº 453/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2006 (caso NULL)

Data08 Março 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

No Inquérito 295/05.3GCTND-A dos Serviços do Ministério Público de Tondela, por despacho de 30/11//05 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela foi ordenada a prisão preventiva, substituída pela obrigação de permanência na habitação, dos arguidos A... e B....

Inconformados com a aplicação desta medida coactiva os arguidos interpõem recurso apresentando as seguintes conclusões: 1.- Sendo a promoção do Ministério Público omissa quanto aos indícios que reputa como suficientes para a aplicação de uma medida de coacção, viola o disposto nos artigos 194°, n. 1, n. 2, 201°, n.1, e n. 5 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, a decisão que colmatando a ausência de indiciação, julga verificados os fortes indícios exigidos por lei.

  1. - Por outro lado, ao inexistir na douta promoção a referência aos concretos indícios, preterida ficou a possibilidade do exercício do contraditório por parte da defesa, violando-se, pois, o disposto nos artigos 61, n. 1, alínea b), bem como n. 1 e 5 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.

  2. - No caso, não se verificam indícios, muito menos fortes da prática pelos arguidos de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.

  3. - É inaceitável, pois, a conclusão que consta do douto despacho quanto á existência de intenção de matar .

  4. - Facilmente se conclui pela licitude da detenção pelo arguido dos detonadores, uma vez que licenciado para tal, sendo ainda manifesta falta de perigo dos mesmos, por si só, para provocarem explosão.

  5. - Não havendo indícios que permitissem concluir por uma decisão conjunta, visando a obtenção do resultado, o que pressupunha um acordo, mas que deverá ser necessariamente prévio, nem indiciado que a conduta do arguido B... se integrasse no todo e conduzisse à produção de um resultado, que não se chegou a verificar, inexiste indiciação, muito menos forte.

  6. - Ao decidir em contrário, entendendo como existentes fortes indícios, violou a douta decisão a quo o disposto nos artigos 201° do Código de Processo Penal.

  7. - A existência do perigo de continuação da actividade criminosa tem de ser aferida a partir de elementos factuais que o indiciem, não se podendo afirmar com base em meras presunções, abstractas ou genéricas e tão-só a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado.

  8. - Tendo os factos ocorrido já entre 24 e 25 de Agosto de 2005, inexistindo indícios de qualquer outra contenda entre arguidos e ofendido, que não a pendência de acções judiciais, antecedentes, de qualquer espécie, que revelem uma actividade criminosa por parte dos arguidos, designadamente contra o ofendido e não resultando indiciado sequer que a personalidade dos arguidos seja violenta, ao considerar, face ao indiciado, haver perigo de continuação da actividade criminosa, violou a douta decisão a quo o disposto na alínea c) do artigo 204° do Código Penal.

  9. - Mas, ainda que se entendesse haver perigo de continuação da actividade criminosa, em obediência ao princípio da necessidade seria manifestamente suficiente a aplicação da medida de coacção prevista no artigo 200° do Código de Processo Penal, evitando, de forma mais eficaz o contacto entre alegado ofendido e alegados agressores, ao invés de obrigarem os agressores a permanecer em local bem próximo do alegado ofendido.

  10. - Na medida em que a limitação, total ou parcial, da liberdade do arguido presumido inocente só pode ocorrer em função de exigências processuais de natureza cautelar ( artigos 27°, n.1, e 32°, n.2, da CRP e artigos 191º n° 1, e 204° do CPP), a natureza estritamente cautelar das medidas de coacção, daí decorrente, torna ilegítima qualquer limitação da liberdade que possa satisfazer exigências de outro tipo, nomeadamente as decorrentes do alarme social provocado pelo crime ou de uma qualquer ideia de antecipação da pena.

  11. - Não é legítimo, pois, quer do ponto de vista da lei ordinária quer do ponto de vista lei constitucional, concluir pela existência de perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, invocando que a natureza e circunstâncias da prática do crime são fortemente geradoras de alarme social.

  12. - Nada nos autos indicia que, tenha sido dado grande relevo ao sucedido, tenha causado alvoroço ou perturbação no pequeno meio social onde ocorreu, tenha sido motivo de manifestações de qualquer espécie, haja sentimentos de repulsa ou repúdio, etc., sendo o despacho que aplicou a medida de coacção totalmente omisso quanto a tal.

  13. - Da natureza estritamente cautelar das medidas de coacção, impõe-se que a privação da liberdade do arguido presumido inocente, em nome da finalidade processual penal de restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa com a prática do crime, só possa ocorrer nos termos apontados - quando em causa esteja o receio fundado da prática de outros crimes .

  14. - Por conseguinte, não é "gerador" daquele perigo o alarme social causado pelo crime concretamente imputado ao arguido, não o é a repercussão pública deste, bem como também não o é o exercício do legítimo direito de crítica sobre a forma como é administrada a justiça quanto às acções cíveis e criminais que pendem no Tribunal de Tondela.

  15. - Não se verificando tal pressuposto, errou a douta decisão a quo ao fazer errada interpretação e aplicação do disposto na alínea c) do artigo 204° do Código de Processo Penal.

    O recurso foi admitido.

    Na contra-motivação o Exmº Procurador - Adjunto concluiu: 1°- Ao arguido, na fase de inquérito, mesmo que seja sujeito a medidas de coação, mormente a prisão preventiva, ou obrigação de permanência na habitação não pode ser dado conhecimento de todo o conteúdo do processo, coberto pelo segredo de Justiça até ao momento da decisão instrutória, ou, se não houver instrução, até ao momento em que tal fase processual já não possa ser requerida (artigo 86° do Código Processo Penal).

    1. Um dos principais fundamentos do segredo de justiça prende-se com a necessidade de garantir a prossecução dos objectivos inerentes a todo e qualquer processo penal, salvaguardando-se por essa via, nomeadamente, a perturbação na recolha de provas e até a alteração/ adulteração de provas já recolhidas.

    2. Tal não implica a violação de outros princípios, inerentes ao processo penal, com consagração constitucional como é o caso do princípio do acusatório e do contraditório.

    3. In casu, os arguidos A... e B... foram ouvidos em primeiro interrogatório judicial de arguido detido pelo Meritíssimo Juiz de Instrução, antes de lhes ser aplicada qualquer medida de coação.

    4. Pelo que foram devidamente respeitados os preceitos constitucionais constantes dos artigos 28° e ainda 32° n.5 da Constituição da República Portuguesa.

    5. A promoção do Ministério Público, quanto à medida de coação a aplicar aos arguidos detidos, não pode ser analisada isoladamente, mas sim no contexto do próprio auto de interrogatório dos arguidos.

    6. Pelo que entendida neste sentido, faz referência aos elementos de facto e motivos da sua relevância, expondo os fortes indícios da prática dos factos imputados aos arguidos.

    7. Não coarctando, nem impossibilitando o exercício do contraditório por parte da defesa, e deste modo, não foi violado o disposto nos artigos 61° n.1 alínea b) bem como o n.1 e 5 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.

    8. Assim como, de modo algum foram violadas as garantias de defesa dos arguidos, do princípio da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença condenatória e do princípio do contraditório, todos com consagração constitucional, nos n. 1, 2 e 5 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.

    9. O princípio do contraditório assume a sua plenitude na fase do julgamento, e desde que, na fase de inquérito, seja dado conhecimento ao arguido detido, dos motivos da sua detenção e dos factos que lhe são imputados conforma o artigo 141° n.4 do CPP, como aconteceu relativamente aos ora recorrentes.

    10. Não obstante, os arguidos terem tomado conhecimento de alguns dos elementos de prova constantes dos autos, por força de circunstâncias, em que se encontravam presentes aquando a realização de algumas das diligências.

    11. A expressão "fortes indícios" são aqueles que incutem ao juiz, aplicador da medida de coação, uma convicção de que existe uma possibilidade séria de que em julgamento...

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