Acórdão nº 3178/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Novembro de 2005 (caso NULL)

Data30 Novembro 2005
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Por acórdão proferido no processo n.º 57/04.5JAGRD do 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão foi A... condenado como autor de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea i. do Código Penal na pena de vinte e quatro anos de prisão.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, finalizando as suas motivações com as seguintes conclusões: 1.º A matéria constante dos factos julgados, e que consta do n.º 3 alíneas a), b) e c) do presente recurso encontra-se eivada de erro de julgamento, porquanto tal matéria está em contradição com a constante dos factos provados 2.º Erro de julgamento se manifesta também ao haver-se dado como provado que o arguido respondeu à vítima que o que teria que fazer iria ser feito, fosse no dia seguinte ou fosse quando fosse, uma vez que, a testemunha Marina Cláudia naquelas circunstâncias ouvir tal expressão 3.º O tribunal a quo apesar de dar como assente que o arguido sofria de stress pós-traumático de guerra por ter estado no Ultramar, não teve tal facto em conta para aferir da possibilidade de aplicação de aplicação da atenuação especial da pena 4.º Ao condenar o recorrente A... na pena de 24 anos de prisão, com base no depoimento das testemunhas identificadas no acórdão, verifica-se existir não só insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como também erro notório na apreciação da prova, face à razão de ciência e de conteúdo de tais depoimentos e de que resultou a convicção do tribunal (art.º 410.º n.º 2 al.s a. e c. do Código de Processo Penal) 5.º O circunstancialismo em que o crime ocorreu não permite concluir pela especial censurabilidade ou perversidade prevista no n.º 1 do art.º 132.º do Código Penal 6.º Deve o arguido ser condenado apenas pela prática de um crime de homicídio, previsto e punido pelo art.º 131.º do Código Penal 7.º Ao decidir por forma diferente incorreu o acórdão recorrido na previsão do art.º 410.º, n.º 2 alínea c. por erro notório na apreciação da prova O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta, pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a audiência, cumpre agora decidir.

O recurso é restrito à matéria de direito, sem do prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do no 2 do art.º 410.º do Código Processo Penal.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida: 2.1. FACTOS PROVADOS O arguido era casado com B... desde Fevereiro de 2004, embora vivendo com a mesma desde Maio de 2003, como se marido e mulher fossem.

O arguido resolveu, no dia 12 de Abril de 2004, cerca das 7 horas, esconder-se na arrecadação do restaurante "O Tostadinho", sito na Rua José da Cunha Taborda, nesta cidade e comarca do Fundão, o qual sua mulher se encontrava a explorar e onde permaneceu até às 20 horas, com o intuito de ouvir as conversas de B... com os clientes, a fim de tentar compreender o comportamento da mulher.

Ao fim do dia resolveu confrontá-la com algumas das afirmações que ela proferiu, durante esse período de tempo.

Gerou-se uma discussão entre os dois, tendo a mesma abandonado o estabelecimento, quando ali se encontrava o, entretanto, chegado, fornecedor, Joaquim Manique, dizendo que ia pernoitar a casa de uma amiga.

Fê-lo, receosa que o seu marido a pudesse matar, como tinha acabado de ameaçar fazer e, por isso, resolveu pernoitar em casa da sua amiga Marina Cláudia, onde de resto já também se encontrava sua filha Cláudia.

O arguido telefonou-lhe nessa noite, pedindo-lhe, primeiro que regressasse a casa e depois pedindo-lhe dinheiro. B... não acedeu àquela primeira pretensão, dizendo que ele a queria matar.

O arguido respondeu-lhe que "o que teria que fazer iria ser feito, fosse no dia seguinte ou fosse quando fosse".

A B..., receosa dos desígnios do marido, não saiu da casa da amiga, tendo sido a filha desta, Daniela Vanessa que se deslocou à sua residência, onde deixou o dinheiro que o arguido pedira trouxe uma muda de roupa, para aquela.

No dia seguinte, a B... acompanhada de sua filha Cláudia, dirigiu-se ao seu estabelecimento, onde efectuou alguns trabalhos.

Perto das 10 horas, o arguido munido de duas facas, que transportava no interior do bolso do seu casaco, e que havia trazido da sua cozinha, com o propósito de, utilizar as mesmas para tirar a vida à sua mulher, entrou na churrasqueira e sentou-se com ela a uma das mesas, junto do balcão, enquanto a filha estava no lava loiça.

Depois de breve troca de palavras, o arguido retirou as facas do bolso e com elas, veio a atingir a B...

De imediato a filha Cláudia começou a gritar por socorro, ao mesmo tempo que lhe atirava um cinzeiro, para o impedir de continuar, chegando mesmo a interpor-se entre o arguido e sua mãe.

Enquanto isto, B... tentava a todo o custo libertar-se, sem qualquer possibilidade por o mesmo a segurar com uma das mãos, enquanto a outra, segurando a faca, a golpeava sucessivamente, em diversas partes do corpo, procurando atingi-la no pescoço.

Os gritos de socorro alertaram algumas pessoas, que se abeiraram da churrasqueira, acabando por se afastarem, receosos pelas suas próprias vidas.

A vitima procurava defender-se, o que determinou o arrastamento e queda de algumas mesas e cadeiras do restaurante, acabando mesmo por se esconder debaixo de uma mesa. Apesar da presença de algumas pessoas e da filha da vítima, o arguido não abandonou o propósito de tirar a vida à sua mulher, continuando a desferir sucessivos golpes, o que fez, pelo menos por 11 vezes, procurando o pescoço, o peito e as costas, sob o pulmão.

Provocou, por esta forma, as seguintes lesões: na cabeça: ferida na região sub-maxilar à direita, com cerca de 10 cm, ferida incisa com cerca de 4 cm, na região mentoniana central e no sentido vertical, ferida inciso penetrante com cerca de 10 cm, na região retro auricular à esquerda e escoriações, no nariz, na região frontal e na região periorbitária, face externa do olho esquerdo; no pescoço: ferida inciso penetrante com cerca de 4x8 cm, a nível de 1/3 médio, face esquerda do pescoço e, ferida inciso penetrante na região interior e anterior do pescoço com cerca de 2x3 cm; no tórax: ferida incisa no quadrante superior externo da mama direita, com cerca de 3 cm, ligeiramente de cima para baixo e de fora para dentro, ferida inciso penetrante com cerca de 15 cm, no sentido horizontal, na região sub axilar esquerda, ferida incisa no quadrante superior interno com cerca de 3 cm, na mama esquerda; ferida na mama esquerda de fora para dentro ligeiramente oblíqua, sem penetrar a caixa torácica e escoriações com cerca de 2 cm de diâmetro, no 1/3 superior, face direita do hemitórax anterior e, ferida incisa, no sentido horizontal, com cerca de 3 cm no 1/3 médio da região dorsal à esquerda; nos membro superiores: várias feridas na face palmar da mão direita e várias feridas inciso contusas na face palmar e dorsal da mão esquerda e ferida inciso penetrante com cerca de 3 cm, na região dorsal, 1/3 superior do ombro direito e ferida inciso penetrante com cerca de 8 cm na face dorsal, 1/3 superior do ombro esquerdo, que vieram a determinar de forma adequada, a morte da mulher, devido a choque hipovolémico como consequência daquelas e suas complicações hemorrágicas quer internas quer externas.

O arguido acabaria por abandonar o estabelecimento, deixando a mulher no chão, inanimada e banhada em sangue, deixando no local as facas utilizadas.

Uma delas, com o cabo em madeira de tom castanho claro, com a referência "CR Corte Real", com o comprimento total de 23,1 cm, sendo o total da lâmina de 12,1 cm, e o comprimento total da lâmina na zona com gume de 11,8 cm, com largura máxima da lâmina na zona com gume de 2,5 cm e a outra, com o cabo em metal de tom prateado, com lâmina com gume serrilhado, na qual eram visíveis as referências “Jay" e "Inox Spain", com o comprimento total de 22,3 cm, num total de 10,5 cm de lâmina, com o comprimento da lâmina na zona com gume de 8,0 cm e largura máxima da lâmina na zona com gume de 1,9 cm.

O arguido viria a entregar-se a um soldado da GNR em serviço na Avenida da Liberdade, nesta cidade, ao qual relatou o que tinha acabado de fazer.

O arguido agiu com o propósito de tirar a vida à sua mulher, o que resto já havia decidido no dia anterior, utilizando duas facas das quais previamente se muniu para o efeito, o que fez sabendo que o meio por si utilizado era idóneo à produção do resultado pretendido.

O número e a profundidade dos golpes produzidos, as zonas corpóreas atingidas, revelam a insistência na consumação e a escolha de um meio traiçoeiro e desleal face à impossibilidade de defesa da vitima, desarmada, não podendo deixar de conduzir à morte, o que o arguido sabia e quis.

Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo ser a sua conduta proibida por lei.

A vítima tinha nascido a 10.5.1959.

Deixou 3 filhas. As assistentes Selma, com 24 anos de idade, Andreia, com 25 anos de idade e a Cláudia, com 12.

A vítima estava ligada às filhas, por laços de entreajuda e amor.

As filhas contavam com o amor da mãe.

As filhas sentiram desgosto, tristeza e abalo moral, com a perda da mãe, sentimento que perdurará no futuro.

A Cláudia presenciou a morte da mãe e foi mesmo atingida com um golpe, por acção do arguido, na face externa do 1/3 superior da perna esquerda, o que lhe provocou ferida inciso contusa, com cerca de 4 cm, lesão que determinou um período de 10 dias de doença, sem afectação: Foi assistida no Hospital do Fundão, para limpeza, desinfecção, sutura e penso.

A Cláudia sofreu dores e apresenta uma cicatriz com 3 cm na zona da lesão.

Sofreu e sofre, ainda, com o quadro dos factos a que...

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