Acórdão nº 2107/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Outubro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução12 de Outubro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferido acórdão em que foi decidido: - absolver o arguido A..., do imputado crime continuado de coacção sexual agravado, p e p pelos artigos 163º, n.º1 e 177º, n.º4, e de coacção sexual p e p pelo art. 163º, n.º1 do C. Penal; e - julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível, condenando o arguido a pagar à assistente e demandante civil, B..., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), a crescida de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, desde a prolação da sentença até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.

* De tal decisão recorrem: - o arguido A...; e - a assistente e demandante civil B....

O arguido formula as seguintes CONCLUSÕES: 1 - O tema em apreço resume-se a saber se existe responsabilidade civil conexa com a criminal, no caso de absolvição criminal 2 - Absolvido o arguido da prática do crime, restará a possibilidade de ter existido, residualmente ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco.

3 - Mas não basta que se provem factos que consubstanciem uma obrigação de natureza civil; é necessário um ilícito civil que produza o dever de indemnizar.

4 - Assim, só será possível a condenação em indemnização civil nos termos do artigo 377º, n.º1, do Código de Processo Penal se os factos integrantes do objecto do processo na sua vertente estritamente penal e simultaneamente constitutivos da causa de pedir do pedido de indemnização civil estão provados, integrando ilícito criminal.

5 - Assim, o pedido de indemnização civil só pode considerar-se “fundado” para efeitos do disposto na mencionada norma legal se com suporte bastante nos aludidos factos simultaneamente essenciais à integração do ilícito criminal e dos pressupostos da responsabilidade civil que tem a sua fonte naquela fonte.

6 - O que se não verifica no caso sub-judice e o que leva à absolvição do demandado civil e o que assim se reclama, em virtude de não “se revelar fundado”, uma vez que improcederam os fundamentos essenciais invocados e de conhecimento possível neste processo os factos integrantes da prática do crime de que vinha acusado.

7 – O direito de queixa da assistente caducou ou prescreveu e inexistindo crime, não há lugar a indemnização civil pois nos termos do n.º1 do artigo 71º do C.P.P. indemnização civil em processo penal tem sempre que fundar-se na prática de um crime – extinto o direito de queixa fica prejudicada a apreciação do pedido civil 8 – Não podia o Tribunal “a quo”, salvo melhor opinião em sentido contrário, e o que uma vez mais se ressalva - apreciar “factos” prescritos por caducidade do direito de queixa, fazendo-os renascer na apreciação da questão cível em processo puramente penal como o presente.

9 - Assim se violando direitos constitucionalmente previstos na nossa Lei Fundamental - maxime os da dignidade da pessoa humana, princípios de igualdade, integridade pessoal e outros direitos pessoais.

10 – Estando assim feridos de inconstitucionalidade os artigos 84º e 377º do Código de Processo Penal em abstracto, quer em concreto na apreciação feita no douto recorrido e que aqui expressa mente se invoca.

11 - Quando assim se não entenda — o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio — ainda assim, o montante indemnizatório arbitrado é manifestamente exagerado.

12 - Atenta a situação de vida do demandado - com mulher e dois filhos a seu cargo, com um rendimento (magro) de € 473,00/mensais “condenar” o arguido a pagar € 20.000,00 de indemnização é colocá-lo a si e a seu agregado familiar em situação de maior miséria e poderá mesmo não ser passível de ser pago.

13 - Usando da equidade e ponderação — aceitar-se tal possibilidade — o montante indemnizatório não deverá exceder os € 2.500,00 num critério de perfeita razoabilidade para o caso sub-judice e que expressamente se consigna.

14 - Por isso o mui Douto Acórdão recorrido violou, entre outros, os comandas legais contidos nos artigos 71º, 84º, 377º, do C. Proc. Penal; 129º, do C. Penal; 562º, 483º, 496º e 70º, do Código Civil e artigos 1º, 3º, 12º, 13º, 25º, 26º e sgs e 207º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, e nos mais de Direito aplicável, deve ser concedido provimento ao recurso na parte cível atinente e substituído por outro que decida de harmonia com o exposto nas presentes alegações e respectivas conclusões.

* Por sua vez a assistente, formula as seguintes CONCLUSÕES: 1.Coforme se alcança do douto acórdão a situação da B... perturba o observador mais desatento 2. Esta jovem é vítima de um conjunto de circunstâncias negativas onde avulta a actuação criminosa do arguido mas que se agrava pelo ambiente adverso que a acolhe e estamos a crer que a sujeição a um insensível procedimento criminal com a inerente exposição quase pública de uma intimidade forçada de que guarda tão pesada culpa não será a melhor ajuda que poderia receber 3 - Ao invés de adquirir a auto- consciência e poder de afirmação correlativos ás transformações morfofisiológicas próprias da puberdade, foi repugnantemente agrilhoada pela influência despudorada e sem escrúpulos de alguém em quem depositava uma confiança infantil, ao mesmo tempo que a acompanhava uma profunda ataraxia de um seio familiar dormente e imperturbável.

4 - Não surpreende a atitude para suicidária.

5 - Com efeito, em consequência directa das práticas que o arguido levou a cabo em e com a ofendida, esta carregará sempre consigo a lembrança destas práticas 6 - A B... ‘‘antes de todo este drama’’ começar era uma pessoa com muita alegria de viver e com um futuro risonho.

7 - Em consequência da conduta do arguido a B... jamais terá a qualidade de vida que teria se não tivesse sido objecto daquelas práticas.

8 - Uma indemnização deverá traduzir o prestígio dos valores e direitos fundamentais da pessoa humana, no caso sub-judice, os direitos de personalidade.

9 - O quantitativo da indemnização por danos não patrimoniais terá de ser apurado, sempre segundo critérios de equidade, “atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular de indemnização.

10 - Existe a necessidade de serem abandonadas as indemnizações miserabilistas em matéria de danos não patrimoniais, devendo a compensação por tais danos, em que se incluem os direitos de personalidade, ter um alcance significativo e não meramente simbólico, assumindo consequentemente uma forma de reprovação civilística pela conduta do agente.

11 - Tendo presente os factos apurados, julgamos, salvo o devido respeito, que a sentença peca por defeito pelo que consideramos que o valor de indemnização propugnado no pedido cível, atento os factos apurados são os ajustados e equilibrados, ou seja, 75.000,00 Euros, valores estes consentâneos com a gravidade dos danos que visam compensar.

* Respondeu o arguido ao recurso interposto pela assistente, sustentado a sua total improcedência.

Tendo o arguido recorrido para o Tribunal da Relação e a assistente para o Supremo Tribunal de Justiça, versando os recursos sobre decisão final do Tribunal Colectivo e exclusivamente sobre a matéria de direito, foi o recurso admitido para o STJ.

O Supremo Tribunal de Justiça, embora a decisão recorrida tenha sido proferida pelo Tribunal Colectivo e o recurso versar exclusivamente sobre a matéria de direito, apesar do disposto no art. 430º, al. d) do CPP, declarou-se incompetente e remeteu os autos, para apreciação a este Tribunal.

Vista aquela decisão, não se verificando obstáculos ao conhecimento de mérito, procedeu-se a julgamento em audiência.

Cumpre conhecer e decidir.

*** São as questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões que o tribunal de recurso tem que apreciar, sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – Cfr. Germano Marques as Silva, Curso de processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.

Resumindo-se assim, no caso, as questões a decidir, a apurar: - se, face à decisão penal não condenatória, pode, ainda assim, ser proferida decisão sobre o pedido de indemnização formulado nos autos, com fundamento em responsabilidade civil conexa com a criminal, apesar de não verificados os pressupostos da condenação penal; e - caso a primeira questão seja decidida pela afirmativa, determinar o montante da indemnização, tendo por referência as críticas dirigidas ao valor arbitrado pelo acórdão recorrido, tido por exagerado pelo arguido e reputado de escasso pela assistente.

Apesar de a primeira questão poder ser vista como questão prévia, obstativa da apreciação de mérito, será mais facilmente equacionada tendo presente a matéria de facto apurada – e não questionada - no sentido de verificar se a decisão recorrida se afastou dos pressupostos da responsabilidade extra-contratual ou aquiliniana, ou, pelo contrário se a decisão assenta em pressupostos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT