Acórdão nº 2258/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Setembro de 2005

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução27 de Setembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: O Ministério Público, em representação do Estado Português, propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma sumária, contra A..., casado, residente em Proença-a-Nova, pedindo que, na sua procedência, este seja condenado a pagar ao Estado Português a quantia de 1.200.000$00, equivalentes a 5.985,60 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, alegando, para tanto, e, em síntese, que, por acórdão, transitado em julgado, proferido no processo nº 34/99, do Tribunal de Círculo de Castelo Branco, actualmente, o processo n.º 214/99, deste 3º Juízo, o réu foi condenado, pela autoria material de um crime de ofensas corporais agravadas pelo resultado, na pena de dois anos de prisão, cuja execução ficou suspensa, pelo período de três anos, uma vez que, no dia 1 de Outubro de 1995, cerca das 18 horas, em Monte das Barrelas, Malpica do Tejo, disparou um tiro na perna direita de B..., atingindo-o junto ao joelho, que lhe provocou lesões que foram causa da sua morte.

A isto acresce, continua o autor, que, no seguimento daquela decisão, a mulher do falecido, D..., requereu ao Estado a indemnização da aludida quantia, pelos danos sofridos, ao abrigo do DL n.º 423/91 de 30 de Outubro, que lhe foi concedida, ficando o Estado sub-rogado nos direitos da lesada contra o réu, podendo haver deste a dita quantia e juros de mora.

Na contestação, o réu, na parte que ainda importa considerar, suscitou a nulidade do acto administrativo que atribuiu à viúva de B..., sem, previamente, ter sido ouvido, a indemnização referida, impugnando o montante de tal indemnização e o direito de regresso, por parte do Estado, contra si, concluindo pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido.

No despacho saneador, declarou-se a sub-rogação do Estado no direito de crédito do lesado contra o responsável pelo dano, relegando-se, para a sentença final, o conhecimento da eventual nulidade, por inobservância da audição do réu no processo administrativo que determinou a concessão da indemnização à lesada.

Desta decisão, o réu interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª - A lesada não deduziu, dentro ou fora do processo-crime referenciado nos autos, qualquer pedido de indemnização pelo que, face ao princípio da adesão obrigatória consagrado no artigo 71º do Código de Processo Penal, o seu direito precludiu.

2ª - O direito à indemnização consagrado nos artigos 1o e 2o do DL n° 423/91, de 30.10 tem, essencialmente, um carácter de solidariedade social, como resulta do seu próprio preâmbulo, sendo atribuível ainda que se não possa obter ou exigir do lesante o respectivo reembolso.

3ª - Tal direito à indemnização emerge, pois, de título diverso daquele que emerge da efectivação da responsabilidade civil do lesante, não se lhe podendo substituir.

4ª - Assim, o direito à sub-rogação do Estado, como previsto no artigo 9o do referido diploma, não derroga a aplicação dos regimes fixados nos artigos 71° a 84° do Código de Processo Penal, e 589° a 594° do Código Civil, antes os completa, 5ª - Pelo que, encontrando-se precludido qualquer direito de indemnização do lesado sobre o réu, não assiste ao Estado qualquer direito de sub-rogação.

6ª - Ao assim não decidir, a douta decisão recorrida aplicou erradamente o disposto nas referidas normas (art°s 1o e 9o Dec-Lei n° 423/91, de 30.10, 71° a 84º do Código de Processo Penal, e 589° a 594° do Código Civil), tendo as mesmas sido, por isso, violadas.

7ª - Pelo que a douta decisão recorrida deverá ser revogada.

O autor não apresentou contra-alegações.

A sentença julgou a acção, procedente por provada, e, em consequência, condenou o réu a pagar ao autor a quantia de 5. 985,60 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Desta sentença, o réu interpôs, também, recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª - O Ministério Público, em representação do Estado Português, veio demandar o réu, ora recorrente, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 1 200 000$00 (5 985,60 €), acrescida dos juros de mora.

2ª - O recorrente foi submetido a julgamento pala prática de um crime de ofensas corporais agravadas pelo resultado p. e p. nos termos dos artigos 143° e 145° do Código Penal, tendo pelo mesmo sido condenado por acórdão transitado em julgado proferido no processo 34/99 do Tribunal de Círculo de Castelo Branco.

Isto porque, 3ª - No dia 1 de Outubro de 1995, quando se encontrava no Monte das Barrelas, Malpica do Tejo a separar o gado, a vítima (B...), alcoolizado e munido de uma espingarda, dirigiu-se ao recorrente e disse-lhe ''agora é que vamos ver quem são os homens", tendo então efectuado dois disparos na direcção do recorrente, logrando apenas acertar numa cabra, que matou; 4ª - O recorrente conseguiu agarrar no cano da arma enquanto a vítima a mantinha segura pela coronha; 5ª - Durante algum tempo, ambos lutaram pela posse da arma até que o recorrente conseguiu ficar com a mesma, disparando um tiro na perna direita da vítima, que em virtude das lesões, mais tarde, veio a falecer; 6ª - No seguimento daquela decisão, a esposa da vítima, D..., ao abrigo do Decreto Lei n° 423/91 de 30 de Outubro, requereu junto do Estado Português uma indemnização pelos danos sofridos; 7ª - Vindo o Estado Português a conferir-lhe o montante de 1 200 000S00 (5 985,60 €), arrogou-se ter ficado sub-rogado no direito da lesada contra o réu (ora recorrente) pelo que lhe exige o pagamento dessa quantia acrescida dos juros de mora; 8ª - Invocou o réu, que no caso em apreço, a administração não concretizou o preceito constitucional que visa assegurar as participações dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, não lhe tendo concedido, como estava obrigada, o direito de audiência, e concluiu, além do mais, pela nulidade do referido acto.

9ª - Proferido o despacho saneador a fls. 67 e ss (refira-se, o segundo dos autos), considerou o meritíssimo juiz do Tribunal "a quo " não conter ainda o processo os elementos necessários para se conhecer de tal questão, pelo que relegou para momento ulterior a apreciação da mesma; 10ª - Entendeu no entanto, porque relevante e porque competia ao Tribunal apreciá-la, levar tal matéria ao questionário, inserindo na base instrutória o quesito "O Réu foi ouvido no âmbito do processo cuja decisão [administrativa] se mostra junta a fls. 13 e ss? "; 11ª - Isto porque no seu despacho de fls 68 dos autos fixa, o MM" Juiz a quo, que: "No caso de...

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