Acórdão nº 1010/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2006 (caso NULL)

Data10 Maio 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório.

    Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra: O assistente, A...

    , na sequência de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, veio requerer a abertura de instrução, pedindo, a final, que o arguido B...

    , fosse pronunciado pela prática de dos crimes de usurpação de coisa imóvel e de dano, p. e p. pelos arts.215º e 212º, ambos do Código Penal, por imputação da sequente facticidade, em síntese apertada,:“Em data e hora concretamente não apuradas do ano de 2003, usando máquinas de elevado porte, tinha destruído uma servidão de passagem que há mais de 70 anos dava acesso à propriedade do assistente sita no Lugar do Vale da Pereira, em Alqueidão, Olalhas, Tomar, assim querendo e logrando fazer sua a casa de habitação que – alegou – lhe pertence a ele assistente”.

    No decurso da instrução foi junta, pelo assistente, fotocópia da caderneta matricial relativa ao prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o art.2037.

    Foi solicitada certidão da petição inicial e da sentença proferida pelo 3º Juízo deste Tribunal relativa à acção de processo sumário que aí esteve pendente sob o nº.37/2002, a qual foi junta aos autos (cfr. fls.156 a 206).

    Foi junto aos autos cópia simples de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do já aludido processo cível nº.37/2002 do 3º Juízo deste Tribunal.

    Realizadas as diligências probatórias requeridas, inquirição de testemunhas e junção dos documentos supra referidos, veio a ser proferida decisão instrutória, de que se transcreve o essencial, com a devida vénia e por economia de meios.

    “(…) o assistente imputa ao arguido a prática de dois crimes, em concurso efectivo. Um crime de dano, previsto e punível pelo nº.1 do art.212º do Código Penal e um crime de usurpação de coisa imóvel previsto e punível pelo nº.1 do art.215º do mesmo diploma legal.

    Qualquer destes crimes reveste natureza semi-pública (cfr. nº.3 do art.212º e nº.3 do art.215º, ambos do Código Penal). Vale por dizer que o Ministério Público apenas está legitimado para o exercício da acção penal quando tenha sido tempestivamente apresentada queixa crime (cfr. art.49º nº.1 do Código de Processo Penal).

    Na verdade, o direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz (art.115º nº.1 do Código Penal).

    No caso vertente, o assistente apresentou queixa crime no dia 12.05.2004 (cfr. fls.9).

    Sucede que os factos em discussão nos autos – movimentação de terras em determinada terreno – terão ocorrido, de acordo com o próprio assistente, no ano de 2002 (cfr. declarações do assistente a fls.282).

    Acresce que o assistente tomou conhecimento de tais factos, e dos seus autores, ainda no ano de 2002, por contacto com a sua irmã Natália Brás e com o seu irmão Agostinho Rodrigues. Estas declarações estão, aliás, em relativa sintonia com as de Natália Brás, que refere que tomou conhecimento dos factos que aqui se discutem no ano 2000 e que logo os participou ao assistente.

    Conclui-se, pois, que à data em que o assistente exerceu o direito de queixa este já há muito se havia extinto, por terem decorrido mais de seis meses desde o momento em que o assistente tomara conhecimento dos factos e dos respectivos autores.

    Ainda que assim não fosse, importa, ainda, assinalar que, a nosso ver, e cremos que estamos com a “generalidade da doutrina portuguesa, a presunção de inocência opera também nos casos em que subsista dúvida acerca de um facto impeditivo ou extintivo da responsabilidade e, por consequência, o arguido deve também nesses casos ser absolvido” (sublinhado nosso)[ Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Volume II, Verbo Editora, 1999, p.108].

    Serve para dizer que, caso subsistisse a dúvida quanto ao momento em que o assistente tomara conhecimento dos factos em discussão, face ao intervalo de tempo decorrido até à apresentação da queixa crime, sempre haveria que concluir se extinguira o direito de queixa”.

    Ponderou-se, ex abundant, que:”(…) ainda que assim se não entendesse – como efectivamente se entende – em todo o caso, sempre soçobraria a pretensão acusatória do assistente.

    Na verdade, a instrução, sendo uma fase facultativa, tem em vista a sindicância jurisdicional de uma decisão do Ministério Público, no sentido de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, constituindo ainda “um suplemento de investigação autónoma, feita pelo Juiz de instrução – em que este não tem, por isso, que limitar-se, em vista da pronúncia, ao material probatório que lhe seja apresentado pela acusação e pela defesa”.[ Anabela Miranda Rodigues, O Inquérito no Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1997, p.77] Por outro lado, para a prolação de despacho de pronúncia, tal como para a dedução de acusação, importa que se tenham recolhido nos autos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (cfr. nº.1 do art.308º e nºs.1 e 2 do art.283º do Código de Processo Penal).

    Como se refere no Ac. da Relação do Porto de 20.10.1993[ in Colectânea de Jurisprudência 1993, T. IV, ps.261 e ss.

    ], nas fases preliminares do processo, não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes tão-só indícios, sinais, de que um crime foi cometido por determinado arguido, constituindo as provas reunidas nessa fase pressuposto, não da decisão de mérito, mas da decisão processual de prossecução dos autos para julgamento.

    Não obstante, e porque a submissão a julgamento representa sempre forte gravame, importa analisar da prova recolhida no sentido de averiguar se esta permite concluir no sentido de ser mais forte a probabilidade de condenação do arguido do que a probabilidade da sua absolvição.

    Ora, no caso submetido a apreciação, basta atentar no facto de, por sentença proferida no âmbito do processo nº.37/2002, se ter reconhecido que o aqui arguido é dono e legítimo proprietário do prédio em causa nestes autos e, bem assim, que é nula, por falsa, a escritura de justificação notarial com base na qual o assistente efectuou a inscrição registral da propriedade no respeitante à parcela que sustenta ser sua, para se afastar a indiciação do arguido pelos crimes de dano e de usurpação de coisa imóvel.

    Faz-se notar que o facto de o terreno em causa – incluindo a casa em ruínas – pertencer ao arguido, é corroborado, além do mais, pelos depoimentos de Jorge Filipe Rosa (fls.224), João Martinho Rosa (fls.227), José Rosa Correia (fls.238), José Henriques Correia (fls.239).

    Ora, como doutamente se faz ver no despacho de arquivamento, para cujas considerações se remete, quer no crime de dano quer no crime de usurpação de coisa alheia é indispensável que a acção criminosa tenha por objecto coisa alheia.

    No caso dos autos, tudo indicia, pelo contrário, que a coisa sobre a qual recaiu a acção do arguido lhe pertence a ele, arguido.

    De todo o modo, cumpre assinalar que ambos os apontados tipos legais de crime são dolosos, sendo imprescindível, para a sua consumação, que o agente represente todos os seus elementos típicos, incluindo, obviamente, o carácter alheio da coisa.

    Sucede que, no caso vertente, não se mostra, de todo em todo, possível firmar uma tal representação por banda do arguido”.

    Por tudo o exposto o que ficou transcrito, decidiu “o tribunal não pronunciar o arguido B..., pela prática dos crimes de usurpação de coisa imóvel e de dano”.

    Não colheu o decidido aquiescência do assistente, que impele o presente amparo recursivo, para o que despede a úbere motivação com as seguintes conclusões: “1- O Recorrido, removeu o caminho de acesso à propriedade do aqui Recorrente e com serventia constituída há mais de 70 anos, impedindo-o de aceder a tal propriedade, e de usar e fruir da mesma, tendo deste modo violento feito sua a propriedade que pertence por herança ao Recorrente.

    2- O Recorrido comprou o terreno envolvente à propriedade do Recorrente, o que se prova pelo registo a seu favor em que a descrição feita é que se tratou de aquisição de prédio rústico e não de prédio misto, como teria necessariamente de ser se o terreno em causa comportasse a referida casa em ruínas; Fez seu o terreno e a casa em ruínas propriedade do recorrente, com conhecimento e autorização da herança, e em nome deste registada, como prédio urbano.

    3- Facto que ainda hoje persiste desde então; O Recorrido destruiu o caminho para impedir o acesso, que ainda hoje se encontra impedido; manteve e ainda mantém a interdição de acesso à propriedade pelo Recorrente e intentou acção cível contra este último com recurso apenas a prova testemunhal pouco clara, onde pessoas que foram ao local dizem que não foram ou, como é o caso do Presidente do Centro de Dia dizer que nunca quis comprar o terreno com a casa dentro, quando o próprio vendedor do terreno onde se encontram encravadas as ruínas afirma que o Centro De Dia não comprou o terreno porque não lhe davam o preço pretendido mas efectivamente houve, como houve negociação.

    4- O Recorrido abriu um fosso no caminho que dava servidão para a sua casa em ruínas e assim impediu o Recorrente de poder exercer os direitos de gozo, uso e fruição inerentes ao seu direito real de propriedade, perdendo o mesmo direito, atenta a total impossibilidade de aí aceder de outro modo, desde então até agora excepto se atravessar outra propriedade alheia; O douto despacho entendeu que este facto continuado no tempo e que ainda hoje persiste caducou? Mas um facto continuado que ainda não cessou pode fazer extinguir o direito de contra ele se efectuar queixa? – Cremos que não e o direito positivo é neste particular clarividente! 5- Objectiva e subjectivamente está preenchido o tipo de usurpação de...

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