Acórdão nº 2096/04 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Junho de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | DR. RUI BARREIROS |
Data da Resolução | 29 de Junho de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
I – Relatório.
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2. Objecto do recurso.
O presente recurso tem por objecto um despacho que indeferiu a pretensão da recorrente de ficar isenta da penhora das suas pensões de sobrevivência e de velhice no processo de execução supra referido, em que é executada.
3. Enquadramento da pretensão da recorrente.
A exequente-recorrida emprestou a um co-executado da recorrente a quantia de 12.200.000$00, em 28 de Outubro de 1999. Nesse contrato, a recorrente foi fiadora e principal pagadora. O referido mutuário não cumpriu a obrigação decorrente do contrato; consequentemente, em 13 de Março de 2000, a exequente instaurou acção executiva contra a recorrente e o referido mutuário, na sequência da qual foi ordenada, por despacho de 19 de Setembro de 2002, a penhora de «1/3 da reforma mensal recebida por esta executada, até integral pagamento da quantia exequenda e custas prováveis, ...», a qual foi consumada a partir de Novembro de 2002, através de descontos mensais de € 143,72.
Alegando que o desconto decorrente da penhora, cujo despacho não lhe foi notificado, punha em causa o mínimo necessário para a sua sobrevivência, a executada-recorrente pediu a isenção da penhora, nos termos do disposto no artigo 824º, nº 3, do Código de Processo Civil [1]; ouvida, a exequente opôs-se a essa pretensão, invocando o seu crédito e a obrigação da executada.
Foi proferida decisão, dando parcial satisfação à pretensão, pelo que foi reduzido o desconto nas referidas pensões, de 1/3 para 1/6.
4. A requerente-executada não se conformou com este despacho e interpôs recurso, que foi admitido como agravo, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo, concluindo as suas Alegações pela forma seguinte.
1ª) A quantia exequenda ascende a 90.000 €.
2ª) A executada é pensionista de velhice e de sobrevivência, cujo montante mensal é de 451,34 €.
3ª) Tem 67 anos de idade.
4ª) É viúva.
5ª) É doente.
6ª) Não tem outros bens ou rendimentos.
7ª) A exequente é a C.
8ª) A executada figurou na condição de fiadora.
9ª) A exequente poderá penhorar bens do executado C.
10ª) A executada M encontra-se em situação de carência económica.
11ª) A penhora incide sobre a sua pensão.
12ª) À mesma foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de encargos do processo.
13ª) Por erro de aplicação e/ou interpretação, não foram correctamente observados os pontos legais previstos nos artigos 824º, nº 3, do CPC, 45º, nº 1, da lei nº 28/87, de 14/08 e 72º da CRP
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II – Fundamentação.
6.1.
Os factos tomados em consideração na decisão sob recurso são os seguintes: «- o único rendimento mensal da executada é proveniente das pensões em análise, que, em 2002, declarou rendimento global de € 6.060,86.
- tem despesas de saúde e médicas regulares.
- com a executada vivem duas filhas uma trabalha, outra encontra-se desempregada - e um neto, que estuda.
- em Setembro de 2000, a executada celebrou contrato de arrendamento da casa onde habita mediante o pagamento de renda mensal de Esc. 35.000$00, actualizável anualmente de acordo com os coeficientes aprovados por Portaria».
6.2.
Factos que se devem considerar, dos documentos juntos: 6.2.1. Em 28 de Outubro de 1999, a exequente-recorrida emprestou a C, co-executado da recorrente, a quantia de 12.200.000$00.
6.2.2. Nesse contrato a recorrente foi fiadora e principal pagadora.
6.3.3. O referido mutuário não cumpriu a obrigação decorrente do contrato.
6.3.4. Em 13 de Março de 2000, a exequente instaurou acção executiva contra a recorrente e o referido mutuário.
6.3.5. Nesse processo, por despacho de 19 de Setembro de 2002, foi ordenada a penhora de «1/3 da reforma mensal recebida por esta executada, até integral pagamento da quantia exequenda e custas prováveis, ...».
6.3.6. Os descontos resultantes da referida penhora iniciaram-se a partir de Novembro de 2002, através de descontos mensais de € 143,72, correspondentes a 1/3 do valor das pensões da recorrente - € 431,16 -.
6.3.7. A recorrente nasceu em 28 de Março de 1937.
6.3.8. É viúva desde 2 de Fevereiro de 1986.
7.
O Direito.
O objecto do recurso é o de saber se, face às circunstâncias concretas da vida da recorrente, as suas pensões - de sobrevivência e de velhice - devem ficar isentas de penhora ou se deve manter-se o desconto de 1/6 para pagamento de uma dívida de que a recorrente é fiadora e principal pagadora.
A recorrida defendeu a efectivação do desconto, com argumentos que serão referidos adiante.
A decisão recorrida, perante o pedido de isenção, fixou o desconto em 1/6 do montante das referidas pensões; ou seja, não atendeu toda a pretensão da requerente, mas diminuiu o montante do desconto. Tal decisão, não obstante refutar os argumentos da recorrida e tecer considerações iguais às que vamos deixar, leva-nos a concluir que se entendeu que o montante das pensões percebidas pela recorrente, reduzidas do desconto de 1/6, permitem uma vida com o mínimo de dignidade, a nível da sua sobrevivência.
7.1. O regime legal aplicável é o decorrente da Revisão do CPC, operada pelos Decretos-lei nºs. 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, uma vez que a acção foi instaurada no ano de 2000 [2], ou seja antes da alteração introduzida pelo Decreto-lei nº 38/2003, de 8 de Março, só aplicável aos processos instaurados a partir de 15 de Setembro de 2003 [3].
No regime legal temporalmente referido, o artigo 824º do CPC proíbe a penhora de «dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, ..., ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante» [4], no que se compreendem as prestações dos regimes da segurança social [5], permitindo, então que, dentro do terço sobrante, possa haver penhora, desde um mínimo de 1/6, a fixar «segundo o seu prudente arbítrio (do juiz), tendo em atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado» [6]. Excepcionalmente, pode haver isenção da penhora de rendimentos provenientes de pensões sociais, «tendo em conta a natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado familiar» [7].
7.2. Este regime, com preocupações sócio-humanitárias, já tinha sido preconizado pelo Prof. Alberto dos Reis: «razões de decência e de humanidade fazem que se subtraia à penhora, ..., aquilo que é absolutamente indispensável à vida do executado e da sua família [8]...
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