Acórdão nº 501/04 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Maio de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDR. BELMIRO ANDRADE
Data da Resolução12 de Maio de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

15 ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I. RELATÓRIO 1. O arguido BB, melhor id. nos autos, foi acusado, pelo digno magistrado do MºPº, da prática de um crime de homicídio por negligência p e p pelo art. 137º, n.º1 do C. Penal, em concurso real e efectivo, com uma contra-ordenação p e p pelo art. 131º, n.º1 e 2 do C. E. e uma contra-ordenação p e p pelo art. 14º, n.º1 do DL n.º 544/99 de 16.12.

  1. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual foi decidido: - julgar a acusação penal improcedente, por não provada, absolvendo o arguido do crime cuja prática lhe vinha imputada; - julgar improcedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social, dele absolvendo o arguido; - condenar o arguido como autor de uma contra-ordenação p e p pelo art. 131º, n.º1 e 2 do C. da Estrada, na coima de € 250,00; e como autor de uma contra-ordenação p e p pelo art. 14º, n.º1 do DL 544/99 de 16.12 na coima de € 250,00. Em cúmulo, na coima única de € 500,00.

  2. Dessa sentença recorre a digna magistrada do MºPº, formulando, na sequência da fundamentação apresentada, as seguintes CONCLUSÕES: 1 - Existiu erro na apreciação da matéria de facto, atentos os factos dados como provados na sentença recorrida e os factos dados como não provados que cremos terem ficado provados, (com algumas correcções), da prova realizada em audiência de julgamento.

    2 – Existe, também, insuficiência na matéria de facto provada.

    3 - Ocorre este vício quando "da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição." 4- A discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência. É à luz desses factos, pois, e dentro deles dos relevantes para a decisão, que se deve aferir a insuficiência da matéria de facto.

    5- Desde logo, uma análise das declarações do arguido, bem como das testemunhas (todas suas amigas) - transcritas parcialmente no ponto 1 do presente recurso e que damos por reproduzidas - conjugadas com as regras da experiência comum, aponta para a prova de que o arguido circulava a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 80 Km/hora, não adequada atentas as características da via e o traçado desta.

    6- Isto porque alguns populares que acorreram ao local, após o acidente, comentaram perante os agentes da G.N.R. que era habitual irem para ali fazer rally, sendo que, o veículo que foi tripulado pelo arguido na data do acidente, um Datsun SSS, 1.600 (Doc. a fls.30), foi um modelo conhecido pelas suas muitas participações em provas de rally, atentas as suas características, atingindo velocidades de cerca de 180 KM/hora.

    7 - O arguido foi para aquele caminho florestal - com cerca de 500/1000metros - para experimentar a caixa de velocidades - como referido pelo próprio e pelas testemunhas José Manuel e Luís Carlos - o que não se mostra compatível com a velocidade a que este e as testemunhas, suas amigas, referem que ele circulava, até pelas características do veículo que se referiram no ponto supra, uma vez que a 30/50 Km/hora o arguido não poderia verificar, tal como pretendia, se a caixa de velocidades não tinha nenhum problema, uma vez que não poderia "meter" todas as mudanças.

    8 - O local do acidente foi, até 2000, troço do mundial de rally, como refere o soldado Abel, pelo que, mal se compreende quando o Tribunal, na sua motivação da decisão de facto faz referência à importância que o depoimento das testemunhas, amigas do arguido, tiveram, designadamente porque confirmaram "que as características do local onde ocorreu o acidente não permitem que um veículo lá circule com velocidade”; 9- E, acima de tudo, atentas as características da via e do local do acidente - terra batida, com muita lama, com buracos e fissuras provocados pelas chuvas, traçado curvo, e a descrição que o arguido faz do acidente - referindo que o carro capotou para a direita ficando com o tejadilho no chão, e fez meia volta (altura em que comprimiu o corpo do falecido Reinaldo), voltando de novo à posição de rodas para o ar - não se consegue encontrar, por não existir, estamos convictos, outra explicação que não seja o facto de o arguido imprimir ao veículo uma velocidade não concretamente apurada, mas superior a 80 Km/hora, inadequada para aquele local, seguir desatento às fissuras e traçado da via.

    10- Das declarações do arguido e das testemunhas, suas amigas - transcritas em parte no ponto I deste recurso e que damos por reproduzidas - é nosso convencimento que resultou demonstrado que este conduzia a sua viatura permitindo que o Reinaldo não tivesse colocado o cinto de segurança antes de terem arrancado, e que este tivesse seguido, cerca de 100 metros antes da capotagem, sentado na janela da porta dianteira do lado esquerdo (o volante era ao contrário) ficando com a cabeça e tronco no exterior da viatura, as mãos no tejadilho, e as pernas dentro do carro, de costas voltadas para a via.

    11 - Ao contrário do que foi afirmado pelo Tribunal na sua motivação da decisão da matéria de facto, é nosso entendimento que o depoimento do arguido, transcrito parcialmente no ponto I deste recurso e que damos por reproduzido, apreciado na sua globalidade e com as correcções que resultam de uma análise conjugada de todos os elementos da prova - nomeadamente da velocidade (a mais de 80Km/hora e não a 40/50 Km/hora) e estado de piso (com lama e não arenoso) - deu uma versão dinâmica do acidente que, em nosso entendimento, deveria ter sido dada como provada, com as infra apontadas correcções.

    12-No que concerne ao estado de espírito com que o arguido conduzia, é nosso convencimento que resultou provado, das suas declarações, que ele seguia desatento, uma vez que como foi por ele afirmado, já era a segunda vez que ele fazia aquele percurso e já se tinha conseguido desviar de algumas fissuras, mas naquela curva não - "fatalidades do destino", nas palavras do arguido, desatenção, imperícia e velocidade excessiva, estamos em crer.

    13-Pelo exposto, em nosso entendimento, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos, alguns dos quais considerados provados pelo Tribunal na íntegra, outros considerados provados mas com algumas correcções, outros, ainda, considerados não provados e outros não constantes da matéria de facto considerada com relevância para a decisão da causa, mas que, em nossa convicção resultaram apurados da audiência de discussão e julgamento e dela deveriam ter constado, por se afigurarem de relevância para a boa decisão da causa e não implicarem alteração substancial dos factos descritos na acusação:

    1. No dia 29 de Abril de 2001, cerca das 19h40m o arguido, acompanhado de Reinaldo Lemos Tavares, seu amigo, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, Datsun SSS, 1600, matrícula ZE-37-55, pela Estrada Florestal, denominada Caminho de Carris, em Vila Chã, Covas, Tábua, no sentido Norte/Sul.

    2. O estado do tempo era bom.

    3. O piso dessa estrada é em terra batida e devido às chuvas abundantes do Inverno desse ano, tinha muitas fissuras e buracos no terreno, existindo muito lama.

    4. O arguido imprimia ao veículo uma velocidade, não concretamente apurada, mas superior a 80 km./hora e circulava desatento.

    5. A estrada por onde seguia o arguido, a dada ocasião, assume um traçado curvo à esquerda, atento o referido sentido de marcha.

    6. Ao aproximar-se dessa curva a roda do lado direito do veículo que o arguido tripulava entrou numa fissura do piso, o que este não evitou, como podia e devia, devido à velocidade a que seguia, à manifesta desatenção e à falta de perícia revelada.

    7. Dado que o arguido não imprimia ao seu veículo a velocidade adequada para as referidas condições do piso, não conseguiu controlar o seu trajecto, pelo que o veículo atravessou-se na estrada, sempre em derrapagem, despistando-se.

    8. Indo embater numa barreira ali existente do lado esquerdo da estrada e capotado.

    9. O arguido, ao contrário de Reinaldo Lemos Tavares, seguia com o cinto de segurança, sendo que este, a cerca de 100 metros da referida curva, sentou-se na janela da porta dianteira esquerda (o volante era do lado contrário), ficando com a cabeça e tronco no exterior da viatura, as mãos no tejadilho, e as pernas dentro do carro, de costas voltadas para a via.

    10. Como consequência da capotagem, o corpo de Reinaldo Lemos Tavares foi comprimido entre o veículo e a via, pelo que este sofreu as lesões descritas e examinadas a fls.68 e ss, que lhe determinaram, directa e necessariamente, a morte.

    11. O arguido seguia desatento e distraído às condições da via, conduzindo de forma imprudente, não imprimindo ao seu veículo a velocidade adequada para aquele local, atentas as referidas condições da via e o traçado da estrada.

    12. O arguido circulava, permitindo que a seu lado seguisse o Reinaldo sem cinto de segurança, sentado na janela e com o corpo de fora.

    13. O arguido era motorista profissional, conhecia as regras que regulam o trânsito de veículos na via pública, sendo condutor experiente, pelo que podia e devia ter previsto que a sua descrita conduta era adequada a provocar a morte do seu amigo Reinaldo, como de facto veio a suceder.

    14- A tais factos deverão acrescer os dados como provados na Douta sentença recorrida, nos pontos 9 a 15.

    15- E assim sendo, atenta a 13.ª conclusão, o arguido violou com a sua conduta, o disposto nos artigos 24.°, n.º l, 25.°, n.º l, alínea h) e 54.°, n.os 3 e 4, todos do Código da Estrada, pelo que agiu de forma negligente.

    16-Com efeito, quem conduz veículos nas via públicas, está obrigado no exercício da condução, vistos os perigos que tal actividade comporta, a assegurar-se de que o faz sem causar perigo para terceiros.

    17- Ao arguido era exigível que observasse o dever objectivo de cuidado; 18- Por outro lado, o arguido, nas concretas circunstâncias em que actuou, e com as...

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