Acórdão nº 1247/05-1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Dezembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução06 de Dezembro de 2005
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em audiência, os Juizes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

I.

No Tribunal Judicial da Comarca de …, foram submetidos a julgamento os arguidos: -A. …, e B…,pronunciados da prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 137.º do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelos n.ºs 1 e 3 do artigo 148.º, por referência às alíneas b) e d) do artigo 144.º, ambos do citado diploma.

*Por sentença de 4 de Fevereiro de 2005, o tribunal (singular) julgou parcialmente procedente o despacho de pronúncia e, em consequência: - condenou o co-arguido A. … pelo cometimento, em autoria material, de um crime de infracção de regras de construção, previsto e punido pela alínea a) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 277.º do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 50 do Código Penal, sob condição do arguido proceder à entrega da quantia de € 1 000 (mil euros), no prazo de 6 (seis) meses, aos Bombeiros Voluntários do ...,; - absolveu o arguido A. … da agravação pelo resultado, nos termos do disposto no artigo 285 do Código Penal; - absolveu o co-arguido B. …, da prática do crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º do Código Penal; - absolveu o co-arguido B. ..., da prática do crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punido pelos n.ºs 1 e 3 do artigo 148.º, por referência às alíneas b) e d) do artigo 144.º do Código Penal.

*Relativamente ao pedido de indemnização civil que fora deduzido pela assistente C. ...,, foi o seu conhecimento remetido para os meios civis, por despacho de fls. 2404 a 2406.

*Inconformado com a decisão, dela recorreu a assistente C. ...,, extraindo da respectiva motivação as conclusões que se passam a transcrever: «1. O co-arguido B. …, solicitou ao co-arguido A. … que realizasse obras de transformação de um espaço de passagem (entre uma sala e o exterior do edifício) num espaço apto a funcionar como casa de banho.

  1. O co-arguido B. ..., não providenciou por informar-se acerca dos condicionalismos legais e técnicos da transformação e também não obteve as necessárias licenças camarárias.

  2. O co-arguido B. ..., conhecia bem as características do espaço transformado em casa de banho (utilizava como dono o complexo habitacional da Herdade de ...) e, por isso, sabia que a mesma não tinha condições de arejamento.

  3. O co-arguido B. ..., sabia que era legalmente exigível obter licenciamentos camarários para a realização das obras de transformação em causa nos presentes autos.

  4. O co-arguido B. ..., sabia que o esquentador fora montado no interior da casa de banho (aliás chegou a utilizá-la) e nada fez para o remover e assim neutralizar as causas do perigo.

  5. O co-arguido B. ..., sabia que o co-arguido A. … apenas fora contratado para exercer funções de pedreiro.

  6. O co-arguido B. ..., podia ignorar que era proibido instalar esquentadores no interior de casas de banho, mas tinha obrigação de saber e sabia que tal instalação era perigosa, pois, além de ter sido alertado para esse perigo, muito antes do acidente, pelo Sr. …, é uma pessoa licenciada o que lhe garante um grau de informação superior ao cidadão comum.

  7. Apesar do esquentador ter sido instalado no interior da casa de banho o co-arguido B. ..., considerou que as obras estavam "como devem ser".

  8. É do conhecimento comum que a instalação de esquentadores a gás no interior de casas de banho envolve um elevado grau de perigosidade, aliás é público desde há muito os "media" participam em campanhas de alerta para esse perigo.

  9. O co-arguido B. ..., não previu como podia e devia que em virtude da forma e do local onde foi instalado o esquentador, pudessem resultar lesões graves na saúde da C. …, as quais constam dos diversos relatórios médicos e que aqui se dão por reproduzidos.

  10. O co-arguido B. ..., não pode invocar em seu beneficio o principio da confiança porque foi ele o primeiro a não acautelar o perigo ao solicitar ao co-arguido a realização de uma obra de transformação sem previamente ter reunido as necessárias condições legais e técnicas.

  11. O co-arguido B. ..., é considerado uma pessoa exigente e responsável, pelo que se lhe impunha um comportamento diferente daquele que adoptou, sobretudo impunha-se-lhe um reforço de cuidados já que sabia que aquele local ia ser utilizado por cerca de 50 crianças.

  12. O co-arguido não adoptou o comportamento adequado a evitar as consequências normais e previsíveis da sua conduta, isto é, não fez o que lhe era exigível para evitar a verificação do resultado típico.

  13. Os resultados só se verificaram porque tendo em conta as "regras gerais de experiência" e "os conhecimentos concretos do co-arguido" este não procedeu com o cuidado que se lhe impunha, primeiro porque não obteve as licenças, segundo porque não mandou retirar o esquentador instalado na casa de banho, o que fez com que a C. ..., inalasse o monóxido de carbono expelido pelo dito esquentador.

  14. A inalação do monóxido de carbono libertado por um esquentador a gás instalado dentro de uma casa de banho é causa adequada a causar a morte ou lesões à saúde de uma pessoa.

  15. No caso das ofensas à integridade física causadas à C. ..., não existem factos interruptivos da causalidade, entendidos estes como aqueles que, de per si, são capazes de causar o resultado (tenha-se presente que a eventual falta ou deficiente assistência médica por falta do "ambu" na ambulância não se coloca no que concerne à C. ...,, já que esta foi transportada por carro particular para o Centro de Saúde de …).

  16. A própria sentença recorrida considerou que não eram factores interruptivos do processo causal a existência de um ninho no tubo de exaustão e o facto de 18 ou 20 outras crianças terem, momentos antes, tomado banho naquelas instalações.

  17. Deve ser imputado ao co-arguido B. ..., a lesão do bem jurídico (integridade física) porque esta surge como uma consequência normal e previsível da violação de um dever objectivo de cuidado e não como uma mera coincidência das circunstâncias.

  18. No caso da C. ..., não houve nenhuma intervenção de terceiros nem causas interruptíveis do processo causal.

  19. O comportamento displicente do co-arguido B. ..., revela um acentuado juízo de reprovação ético/social e não só potenciou o risco como deu causa adequada aos resultados verificados.

  20. O co-arguido B. ..., actuou com elevado grau de ilicitude atento o perigo concreto criado para a vida e integridade física de C. ..., e das demais crianças que frequentavam o "campo de férias".

  21. O tribunal a quo fez uma errada interpretação do art. 10.° n.° 2 do Código Penal, na medida em que considerou, por um lado, que o co-arguido B. ..., tinha o dever de actuar por forma a evitar o resultado e, por outro lado, decidiu absolvê-lo da prática do crime pelo qual vinha pronunciado.

  22. Os factos provados preenchem os requisitos de punibilidade do co-arguido B. ..., e não obstante isso o Tribunal a quo proferiu uma sentença absolutória e com isso violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 10.°, n.° 2, 15.°, 143.°, 144.° e 148.°, todos do Código Penal.

  23. A decisão do Tribunal a quo está em contradição clara e inequívoca com a fundamentação utilizada nos seus diversos parágrafos que, a título de exemplo, se transcreveram no capítulo II (Do Direito), ponto 3 desta peça processual e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

  24. A contradição entre a fundamentação e a decisão resulta do texto da própria sentença e constitui um vício previsto no artigo 410.°, .° 2 al. b) do Código de Processo Penal.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e consequentemente ser proferido douto acórdão que, acolhendo as presentes conclusões, revogue a sentença proferida pelo Tribunal a quo condenando o co-arguido B. ..., pela prática do crime de ofensas à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelos arts. 148.º, n.º 1, por referência aos arts. 143.º e 144.º do Código Penal».

    *O Digno Procurador Adjunto do Tribunal de 1.ª Instância apresentou resposta à motivação do recurso, concluindo pela manutenção da decisão recorrida.

    *Igualmente respondeu o arguido B. ...,, pugnando pela improcedência do recurso, com base nas conclusões seguintes: «1. Tomando em atenção os factos dados por provados e por não provados, que a recorrente não impugna, e por isso são definitivos, outra não poderia ser a decisão que não a absolvição do Arguido Portela de Morais.

  25. O Recorrido não deu indicação ao Arguido A. …, para colocar esquentador dentro da casa de banho.

  26. O Recorrido apenas solicitou ao Arguido A. …, que transformasse um determinado espaço da casa principal numa casa de banho, o que este fez.

  27. O modo como o esquentador foi montado, foi iniciativa do Arguido A. …, incluindo a escolha e compra dos materiais, a contratação de serventes e a direcção dos trabalhos.

  28. O Recorrido informou-se acerca dos condicionalismos legais e pediu autorização para a realização da obra em causa.

  29. Autorização essa pedida antes de se iniciar a obra em concreto e antes de solicitar a mesma ao Arguido A. ….

  30. A obra em causa enquadrava-se num conjunto mais vasto de obras a realizar na Herdade de ....

  31. A autorização para a realização da obra foi deferida com indicação expressa de que nem careciam de licenciamento.

  32. O que estava em causa não era a violação de um dever objectivo de cuidado relativamente à obtenção dos devidos licenciamentos das obras, mas a pronúncia do Recorrido pelos crimes de homicídio e ofensas à integridade física, na sua modalidade de comissão por omissão, por não ter alegadamente neutralizado, mediante acção adequada, o perigo associado à utilização de um esquentador instalado na sua própria casa.

  33. E saber se a mera "detenção de uma...

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