Acórdão nº 2914/04-1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | MARIA ASSUNÇÃO RAIMUNDO |
Data da Resolução | 22 de Fevereiro de 2005 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: O Juzgado de Primera Instancia e Instrucción nº1 de …, Espanha, emitiu o presente mandado de detenção europeu contra o cidadão português A, divorciado, filho de … e de …, nascido em …, em …, e residente no …, em…, …, com vista à sua prisão e entrega no âmbito de diligências prévias 2773/03, em que se imputa ao identificado A a prática dos crimes de falsificação de documentos ( falsificação de documentos administrativos, com uso dos mesmos) e de burla - cfr. págs. 6 e 8.
O Digno Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal promoveu a execução do aludido mandado ao abrigo do disposto no art. 16 nº1 da Lei 65/2003 de 23-8.
Proferido o respectivo despacho liminar ( cit. art. 16 nº2), foi ouvido o detido com observância do disposto nos nºs 3, 4 e 5 do art. 18 nº5 da referida lei - cfr. fls. 330 a 32.
Tendo o detido declarado não consentir na sua entrega ao Estado emissor do MDE, foi dada a palavra à Exmª Defensora Oficiosa que se limitou a requerer prazo para deduzir oposição.
Deferida a pretensão, foi validada a detenção do arguido, tendo mesmo sido sujeito à medida de coacção de apresentação periódica na autoridade policial da área da sua residência, com a determinação de apresentação diária no referido posto entre as 20 e as 22 horas.
Na sua oposição, o arguido deduziu as seguintes conclusões: 1- Não pode o Mandado de Detenção Europeu emitido ser aplicado ao ora Oponente. As considerações dos direitos, liberdades e garantias do arguido têm que ser, por força do n°1 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, asseguradas no exercício dos meios processuais que se lhe apliquem.
II- O Princípio constante do n° 4 do art. 2° do Código Penal Português dispõe que: Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente. E este princípio deverá valer para as questões adjectivas e processuais, pois embora o art. 50 do C. P. Penal consigne que a lei processual penal é de aplicação imediata (no seu n°1), ressalva com clareza as situações em que da sua aplicabilidade imediata resulte agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa. Ora, é bom de ver que sendo o Arguido português, residindo em Portugal e não tendo qualquer ligação a Espanha, lhe seja bem curial e favorável defender-se em Portugal e em português, pelas regras nacionais, do que em Espanha e pelas regras espanholas, situação esta que naturalmente o limitaria no exercício da sua defesa e que é, assim, evitável.
III O regime jurídico do mandado de detenção europeu entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004, por força do art. 40° da referida Lei 65/2003; e os alegados factos puníveis que ali se imputam ao Requerido ter-se-iam praticado em … e … (ponto 042- Data/Período da Infracção, do Mandado). O próprio processo, em Espanha, tem o n°…, sendo por isso anterior à data de entrada em vigor do regime jurídico do Mandado de Detenção Europeu.
IV A aplicação retroactiva da lei penal mais favorável bem como a impossibilidade de aplicação ao arguido de lei posterior, se mais desfavorável, encontra abrigo constitucional no art. 29° da CRP.
V- Cabe averiguar qual a lei que em concreto se mostra mais favorável ao Requerido: se a decorrente da aplicação da Lei 65/2003 vigente a partir de 1 de Janeiro de 2004 se as leis que anteriormente a esta vigoravam quanto à possibilidade da entrega de um cidadão nacional a Estado estrangeiro para efeitos penais. Ora, anteriormente à Lei 65/2003 de 23 de Agosto regiam nesta sede a Lei 144/99 de 31 de Agosto (Cooperação Judiciária internacional em Matéria Penal); e a Convenção relativa à Extradição entre os Estados Membros da União Europeia, estabelecida com base no artigo K, 3 do Tratado da União Europeia, aprovada para ratificação por Resolução da Assembleia da República 40/98 de 5 de Setembro, ratificada por Decreto do Presidente da República 40/98 de 5 de Setembro, e tornado público o depósito do instrumento de ratificação pelo Aviso 61/99 de 2 de Junho de 1999.
VI- A Convenção Relativa à Extradição entre Estados Membros da União Europeia (doravante designada Convenção) entrou em vigor para Portugal, nos termos do seu art. 180, n°4, em 4 de Janeiro de 1999 nas relações entre a Dinamarca, Espanha e Portugal.
VII- Face a tanto, e dada a entrada em vigor do regime jurídico do Mandado de Detenção europeu só em 1 de Janeiro d as relações entre Portugal e Espanha no que à Cooperação judiciária em matéria penal e à extradição respeitavam regiam-se pelas disposições desta Convenção Relativa à Extradição e daquela Lei 144/99 de 31 de Agosto.
VIII- A Resolução da Assembleia da República 40/98 de 5 de Setembro, que aprova a Convenção para Portugal, e que vigorava nos anos de 2000 e 2002, não admite a entrega do requerido para procedimento penal a Estado estrangeiro pelos crimes que alegadamente terá cometido e se lhe imputam no Mandado de Detenção; pois na sua Resolução, a Assembleia da República usou o mecanismo previsto no n°2 do art. 70 da mesma Convenção, e declarou que apenas autorizaria a extradição de cidadãos portugueses do território nacional nas condições previstas na Constituição da República Portuguesa: a)Nos casos de terrorismo e de criminalidade organizada; e b)Para fins de procedimento penal e, neste caso, desde que o Estado requerente garanta a devolução da pessoa extraditada a Portugal, para cumprimento da pena ou medida de segurança que lhe tenha sido aplicada, salvo se essa pessoa a isso se opuser por declaração expressa. O que consta no artigo 2° da falada Resolução.
IX O aqui Requerido A é cidadão português; não está em causa procedimento criminal em caso de terrorismo ou criminalidade altamente organizada; logo, não há lugar a entrega ao Estado espanhol no âmbito da lei vigente ao tempo da prática dos alegados factos puníveis. A extradição de nacionais só não poderia ser recusada se Portugal não tivesse efectuado aquela declaração do no 2 do art. 70 da Convenção - mas efectuou-a...
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