Acórdão nº 1272/04-1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Novembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelRUI MAURÍCIO
Data da Resolução16 de Novembro de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1.

No presente processo comum com intervenção do tribunal singular, vindo do Tribunal Judicial da Comarca de …, onde tinha o nº …, foi o arguido A, devidamente identificado nos autos, pronunciado pela prática, como autor material, de um crime de homicídio por negligência previsto e punido pelo art. 137º, nºs 1 e 2 do Código Penal e de uma contra-ordenação prevista e punida pelo arts. 29º do Código da Estrada e 21º, B-2 e B-4, do Dec. Regulamentar nº 22-A/98, de 1 de Outubro.

Os assistentes B, C e D, melhor identificados nos autos, deduziram um pedido de indemnização civil contra a "seguradora E", pedindo a condenação desta a pagar-lhes a título de danos patrimoniais a quantia de Esc. 600 000$00 (relativos ao valor comercial do veículo automóvel, propriedade da vítima), Esc. 60 512 000$00 (relativos à quantia que a vítima F deixou de auferir como contrapartida do seu trabalho, até atingir a idade de 70 anos), Esc. 43 904 00$00 (relativos ao subsídio de reforma que a vítima deixou de poder usufruir de acordo com a esperança de vida que se previa até aos 80 anos de idade) e a título de danos não patrimoniais a quantia de Esc. 5 000 000$00 (por dano morte) e a quantia de Esc. 3 000 000$00, para cada assistente, por danos morais sofridos por estes.

A demandada seguradora contestou, impugnando os factos relativos aos rendimentos auferidos pela vítima e às contribuições por esta efectuadas para a segurança social e ao valor do veículo, defendendo a improcedência do pedido relativamente a tais quantias e considerando exageradas as quantias peticionadas a título de danos não patrimoniais.

Efectuado o julgamento, por sentença proferida em 24 de Novembro de 2003, além do mais e das respectivas condenações em custas, foi decidido: I - julgar a acusação procedente por provada e, em consequência, condenar o arguido, como autor material de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 (três) anos, sob a condição de o arguido pagar no prazo de oito meses a quantia de € 1000,00 (mil euros) aos Bombeiros Voluntários de …; e II - julgar o pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes/demandantes parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condenar a demandada seguradora: a) no pagamento da quantia de € 50.895,39 ao demandante B a título de danos patrimoniais, por ganhos cessantes de € 1.995,19 por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação; b) no pagamento da quantia de € 8.379,80 ao demandante C a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação; e c) no pagamento aos demandantes, a título de danos não patrimoniais, da quantia de € 24.939,89 (Esc. 5 000 000$00) por dano morte e de € 14.963,94 (Esc. 3 000 000$00), a cada demandante, por danos não patrimoniais próprios, acrescidas de juros de mora legais, desde a data da sentença.

Inconformados com uma tal sentença, dela interpuseram recurso tanto o assistente/demandante B como a demandada "E", formulando aquele na respectiva motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: 1ª- O Tribunal recorrido não teve quaisquer dúvidas em considerar que o grau de ilicitude do facto é de valor elevado, atendendo ao modo como ocorreu o acidente e às consequências do facto, e por isso considerar que a negligência demonstrada era grosseira (cfr. epígrafe "Da Medida da Pena, pág. 18 da sentença); 2ª- Ao contrário do entendimento do Tribunal recorrido que, muito embora da matéria de facto provada nada resulte nesse sentido, considerou depois que "O arguido compareceu em julgamento, e embora não tenha logrado explicar as circunstâncias em que ocorreu o acidente, dizendo não se recordar, revelou arrependimento e pesar pela morte da vítima" (cfr. pág. 17, penúltimo parágrafo da sentença), não é verdade que o arguido tenha demonstrado qualquer arrependimento, designadamente endereçando um pedido de desculpas aos assistentes; 3ª- O arguido manifestou em audiência reduzida sensibilidade face às consequências trágicas da sua conduta, facto notório da estrutura da sua personalidade, encarando o acidente como uma fatalidade que a todos acontece, e assim demonstrando uma deficiente compreensão dos seus deveres perante a comunidade; 4ª- A acção negligente do arguido, que, com culpa grave, deu causa ao acidente de que resultou a morte de uma pessoa, dirigiu-se exclusivamente à forma de condução. Sobre ele recai, portanto, um juízo de censura como autor de um crime de homicídio por negligência grosseira. As ofensas à integridade física, porque não fazem parte do tipo de crime, são consideradas para efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do art. 71º do CP, aumentando o grau de ilicitude do facto; 5ª- A negligência grosseira referida no nº 2 do art. 137º do CP, pretende abranger aqueles casos em que, de forma mais flagrante e notória, se omitem os cuidados mais elementares (básicos) que devem ser observados, ou aquelas situações em que o agente se comporta com elevado grau de imprudência, revelando grande irreflexão e insensatez. A negligência grosseira constitui, assim, um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência, implicando uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa, mas também ao nível do tipo de ilícito. A este último nível torna-se indispensável que se esteja perante uma acção particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada. Quer a negligência consciente, quer a negligência inconsciente podem consubstanciar este tipo de culpa; 6ª- A suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição. Tal como acontece em relação à generalidade deste tipo de penas, o tribunal deverá optar pela sua aplicação sempre que "verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revele adequada e suficiente às finalidades da substituição"; 7ª- A primeira finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes - v. Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 331 e segs.. Mas não é a única. A suspensão da execução da pena de prisão tem de realizar de forma adequada e suficiente das finalidades da punição (nº 1 do art. 50º do CP). Se não as realizar, a suspensão não deverá ser decretada; 8ª- A pena tem, sempre, o fim de servir para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. É o instrumento, por excelência, destinado a revelar perante a comunidade que a ordem jurídica é inquebrantável, apesar de todas as violações que tenham lugar - cfr. Figueiredo Dias, "Temas Básicos da Doutrina Penal", págs. 74 e segs.; 9ª- Se estes fins de defesa do ordenamento jurídico forem postos em causa pela suspensão da execução da pena, ela não deverá ser decretada, ainda que o tribunal conclua por um prognóstico favorável ao arguido, no que concerne à eficácia desta pena de substituição para o afastar da prática de novos crimes - cfr. Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 344. É o caso destes autos; 10ª- O arguido que, com culpa grave e exclusiva, causou um acidente de viação do qual resultou uma vítima mortal. O seu comportamento, como se mostra abundantemente demonstrado na matéria de facto provada é, normalmente, indício de uma personalidade pouco atenta aos perigos inerentes à circulação rodoviária; 11ª- No caso dos presentes autos, cabendo à demandada cível pagar as indemnizações, tal circunstância é atenuante de pouco relevo e que nunca pode justificar atenuação especial da pena; 12ª- Vivemos uma época em que é geral o sentimento da necessidade de serem eficazmente combatidos os elevadíssimos índices de sinistralidade do nosso país. Para ilustrar esse sentimento, citar-se-ão duas frases de um artigo de opinião publicado na nossa imprensa diária: "os acidentes na estrada, tal como o número de mortos e estropiados, não cessam de aumentar, a ponto de termos os recordes europeus. (...) Sabemos que os condutores portugueses são especialmente mortíferos, guiam mal, ultrapassam como loucos, andam a velocidades estonteantes e conduzem completamente bêbados" - António Barreto, jornal "O Público" de 18.03.2001; 13ª- O conhecimento de que um crime tão grave e com tão graves consequências, nenhuma consequência tinha tido para a liberdade do seu autor, afrontaria aquele sentimento geral que vem reclamando uma maior segurança para todos os que utilizam as estradas. E poria gravemente em causa a alguma credibilidade de que ainda gozam as normas jurídicas que tutelam os valores da vida e da segurança rodoviária; 14ª- Aliás, salvo melhor opinião, parece que a vontade do legislador ao estabelecer uma moldura penal distinta consoante se trate de homicídio por negligência ou homicídio por negligência grosseira, era de que, efectivamente, este último caso merece um tratamento distinto daqueles que aplicam o direito; 15ª- E estes comportamentos só vão terminar quando os nossos Tribunais passarem a aplicar aos criminosos da estrada, nos casos como o aqui presente, penas de prisão efectiva, deixando de as suspender na sua execução, como, aliás, acontece na generalidade dos crimes que maior alarme causam à população, como sejam, os roubos e o tráfico de produtos estupefacientes; 16ª- Daí que, felizmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado predominantemente no sentido de negar a suspensão da execução da pena em crimes de homicídio por negligência grosseira, nomeadamente no âmbito estradal, com culpa grave e exclusiva do delinquente (cfr. Ac. STJ, de 05.02.97, relator Lopes Rocha, em www.dgsi.pt/jstj); 17ª-...

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